▪ 1.ª parte (do início até “à
menina do seu nome”): Apresentação de um quadro idílico: Joaninha, adormecida,
no meio da natureza.
▪ 2.ª parte (de “Com o aproximar
dos soldados” até “há dois anos?”): Caracterização de Carlos.
▪ 3.ª parte (de “Dizendo
isto” até “Agora vamos, Carlos”): Encontro e conversa entre Carlos e Joaninha.
▪ 4.ª parte (de “E falando
assim” até ao fim do texto): As personagens dirigem-se para o vale de Santarém.
●
Retrato de Joaninha
▪ Joaninha é uma jovem campestre,
simples e de sentimentos e intenções puros, e revela-se espontânea na forma de
agir, bem como terna e afetuosa.
▪ Fisicamente, possui um corpo
esbelto (“formas graciosas”) e o rosto “expressivo”.
▪ Joaninha representa a pureza, a
autenticidade e a simplicidade da Natureza. Por essa razão, Garrett mostra
grande cuidado na descrição do cenário que a envolve, onde predomina a verdura.
▪ Joaninha, adormecida, surge como
um elemento indissociável (isto é, enquadrado) do espaço em que se encontra; personagem
e espaço parecem fundir-se num todo, iluminadas pela luz do crepúsculo, de modo
que é difícil distinguir os limites de uma dos da outra. Este enquadramento da
personagem na natureza serve para estabelecer uma relação de afinidade e
sintonia entre ambas, de perfeita harmonia e sintonia, que permite sugerir que
Joaninha é natural, autêntica (sem o artifício de outras mulheres) e simples.
▪
De facto, a sua apresentação de Joaninha é associada a um quadro de
naturalidade. Desde logo, é apresentada como alguém com quem o narrador se
deparou por acaso e é descrita exatamente dessa forma: adormecida, nem sentada
nem deitada, num tufo de erva, com as formas do corpo realçadas pelo assento
natural em que se encontra. Além disso, a expressão «sem arte nem estudo»
sugere exatamente essa naturalidade do quadro de Joaninha adormecida.
▪
Joaninha tem os olhos verdes, o que constitui uma alusão à esperança e à
fecundidade da terra verdejante. No fundo, representa a própria terra-mãe, ao
mesmo tempo que evoca um passado que constitui uma espécie de paraíso perdido:
«Sobre uma espécie de banco rústico de verdura, tapeçado de gramas e de macela
brava, Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente”.
▪ O rouxinol:
a)
Simboliza o sentimento amoroso: Joaninha, adormecida, era embalada pelo canto
harmonioso do rouxinol, que a acompanhava. O barulho dos soldados silenciou-o,
mas a chegada do misterioso oficial inspirou-lhe o canto, que se tornou um
prelúdio do amor. Símbolo, como Joaninha, da pureza do Vale, o rouxinol faz-se
aqui eco do sentimento a despertar nela.
b)
Representa a graciosidade e o caráter natural de Joaninha; surge como o
prolongamento metonímico da natureza e da personagem que se lhe associa. A
“torrente de melodias, vagas e ondulantes como a selva com o vento, fortes,
bravas, e admiráveis de irregularidade e invenção, como as bárbaras endeixas de
um poeta selvagem das montanhas” não constitui uma mera função de enquadramento
decorativo: essas melodias trazem consigo os sentidos da espontaneidade, da
naturalidade e da criatividade anticonvencional que se concentram nos olhos
verdes de Joaninha.
c)
Serve para preparar o encontro amoroso entre Joaninha e Carlos.
▪ Características românticas:
» Joaninha representa
a mulher-anjo;
» a paisagem serve de
enquadramento ao reencontro de Carlos e Joaninha;
» o
rouxinol: inspira premonições como o sofrimento, a desilusão amorosa, a morte (Menina
e Moça).
●
Retrato de Carlos
▪
Num segundo momento, verifica-se a entrada em cena de uma nova personagem (um
oficial), procedendo o narrador, de seguida, à elaboração do seu retrato,
enquanto Joaninha permanece adormecida.
▪
Antes de introduzir Carlos, o narrador dirige-se familiarmente, num registo
coloquial, às «amáveis leitoras» (narratário), pois serão as que maior
interesse terão em conhecer o oficial. Por um lado, mais uma vez a mulher é
«chamada» quando se vão tratar questões do foro amoroso; por outro, o narrador
consegue interessar quem o lê na história, quase levando a que sejam também
parte dos acontecimentos.
▪ A
utilização da expressão «entrada em cena de um novo ator» reflete a novidade da
escrita das Viagens, visto que o narrador interpela constantemente o
leitor, optando por uma escrita de caráter conversacional e informal. Por outro
lado, a forma como a novela é introduzida no relato da viagem, o predomínio do
diálogo e a constante interação com o leitor assemelham a obra a um texto
dramático, acentuando o seu hibridismo.
▪ Este retrato é feito a partir do
aspeto físico para o espiritual.
▪ O narrador apresenta a personagem
envolta em grande anonimato e mistério, designando-o meramente por “O oficial”,
estratégia que favorece a curiosidade das “amáveis leitoras”.
▪ Idade: menos der 30 anos.
▪ Fisicamente:
» é
um jovem militar, mas já com feições de homem feito/aspeto de adulto e um rosto
marcado pela vida e pelas preocupações;
» é
magro, mas de peito largo e forte;
» é
de estatura mediana;
»
tem barba e cabelos pretos;
»
tez / pele clara;
»
os olhos são vivos, pardos e não muito grandes, mas eloquentes;
» a
boca é pequena;
» a
testa é alta;
»
tem um busto clássico;
»
está vestido com uma farda militar.
▪ Psicologicamente:
» é gentil e
determinado;
» é elegante e de
passo enérgico;
» a
compleição e os olhos pardos e grandes indiciavam que se tratava de um homem de
talento e com a nobreza de um «caráter franco, leal e generoso», isto é,
inteligência, talento e alguma irreflexão;
»
tem uma personalidade «pouco vulgar»;
» é
impulsivo, arrebatado e orgulhoso, ora sério, ora alegre.
▪ A componente física do retrato
serve como veículo de acesso às características psicológicas e emocionais.
▪ A
descrição de Carlos é feita de forma gradual e entremeada de divagações. O
narrador começa pela sua estatura, o vestuário, os olhos, a boca, o rosto, o
cabelo, o busto e termina com
uma síntese que remete para a excecionalidade da personagem: «Daquele
busto clássico e verdadeiramente moldado pelos tipos da arte antiga, podia o
estatutário fazer um filósofo, um poeta, um homem d’estado, ou um homem do
mundo, segundo as leves inflexões d’expressão que lhe desse». As divagações que
acompanham a descrição acentuam-lhe os traços românticos.
▪ O
narrador foca especialmente os olhos e o olhar de Carlos: «Os olhos pardos e
não muito grandes». Ora, o olhar do homem romântico vê coisas que os outros não
podem/conseguem ver e transcende a realidade comum. Daí que os olhos da
personagem se caracterizem por «uma luz e viveza imensa, [que] denunciava o
talento, a mobilidade do espírito».
▪ Por outro lado, o narrador
valoriza em especial certos pontos estratégicos da fisionomia, em grande parte
coincidentes com o que em Joaninha é também descrito: os olhos, lugar
preferencial de projeção do temperamento e das emoções, a boca e o rosto.
▪ A
comparação «mas o peito largo e forte como precisa um coração de homem para
pulsar livre» destaca a importância que o coração assume para o homem
romântico. Por outro lado, a antítese entre o «corpo delgado» e o «peito largo»
da personagem realça a valorização dos sentimentos, associada à ideia de um
coração grande e generoso.
▪ A fisionomia revela uma
personagem marcada por traços de excecionalidade bem típicos do herói
romântico:
» a
superioridade e impulsividade;
» o
viver pelo sentimento;
» a
luta por causas;
»
as antinomias (“fácil na ira, fácil no perdão, etc., mas sobretudo a oscilação
entre os polos da mobilidade e da gravidade);
» o
pendor da marginalidade e para o isolamento existencial que se adivinham no
“caráter pouco vulgar e dificilmente bem entendido”;
»
ser incompreendido e com características de uma certa genialidade.
▪ Estes factos são confirmados pela
trajetória biográfica de Carlos: ao contrário de Joaninha, ele é dominado por
uma sistemática tendência para a mudança – a partida do vale de
Santarém, a experiência no exílio, o regresso ao vale, seguido de nova partida
(definitiva), as mudanças no campo amoroso e, por fim, no campo social.
▪ Crítica: o retrato é
interrompido pelo narrador para criticar o desprezo a que foi votado o uniforme
militar nacional (patriotismo romântico): “Uniforme tão militar, tão nacional,
tão caro a nossas recordações…”.
●
Encontro entre Carlos e Joaninha
▪ Joaninha acorda e não quer crer
que é Carlos quem está à sua frente, porque tinha sonhado que ele morrera, tal
como a avó (presságio de tragédia), daí a grande emoção que evidencia,
traduzida pelas pausas no seu discurso, marcadas pelas reticências, pelas
exclamações e pelas repetições de palavras ou expressões.
▪ É revelado o parentesco entre as
duas personagens: são primos (“– Carlos, meu primo…”) e de algo que ultrapassa
o mero parentesco familiar entre primos (“… sonhava com aquilo em que só penso…
em ti.”; “e abraçaram-se num longo, longo abraço – com um longo, interminável
beijo…”).
▪ As duas personagens começam por
se tratar por «prima(o)» e «irmã(o)» e por exprimir a saudade que sentiam um do
outro, mas acabam por manifestar o amor que nutrem mutuamente, selado por um
beijo.
▪ Os sentimentos expressos por
Carlos e Joaninha estão em consonância com o espaço em que se reencontram – o
ambiente natural do vale. Assim, é com naturalidade e espontaneidade que
manifestam os sentimentos puros que nutrem um pelo outro.
▪ São também bem visíveis os
preconceitos sociais que os envolvem: a preocupação com a honra (“E sós,
sozinhos aqui a esta hora! (…) E que dirão? (…) Mas quem não souber, pode
dizer…”).
▪ A felicidade absoluta e perfeita
das duas personagens não pode continuar, porque tudo é efémero. Se assim não
fosse, «os anjos» trocariam o céu pelo paraíso que seria a terra: «Senão…
invejariam os anjos a vida na terra”.
▪ Um outro facto relevante consiste
na revelação a Carlos da cegueira da avó.
●
Informações sobre a família
▪ Introdução de duas novas
personagens: Frei Dinis e a avó, cega.
▪ Joaninha e Carlos são primos.
▪ A cegueira da avó tem uma causa triste,
não revelada ainda.
▪ Carlos desconhece coisas, que Joaninha
contará mais tarde.
▪ Joaninha e a avó pensavam que
Carlos tinha morrido.
●
Linguagem e recurso expressivos
▪
Sinédoque: “o trato das armas” – é uma sinédoque da vida militar, visto que se
associa a parte (as armas) ao seu todo (o exército, a carreira militar, na qual
as armas são elemento essencial).
▪
Estrangeirismos: demi-jour, coquette, boudoir, great coat.
▪
Metáforas:
-
«quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras»: designa o
ato da escrita.
▪
Comparação:
-
com «pintores da Idade Média», que escreviam uma espécie de legendas por baixo
das pinturas que pintavam, para que estas fossem mais bem compreendidas – o
narrador faz o mesmo e as suas divagações correspondem às suas legendas.
▪ Tom coloquial: «Voltemos ao nosso
retrato».
▪ Caracterização pela negativa: «Os olhos
pardos e não muito grandes…».
▪ Frases curtas.
▪ Pontuação expressiva:
» frases exclamativas: «Carlos, meu
primo… meu irmão!»;
» frases interrogativas: «Pois tu
sonhavas?»;
» frases interrompidas pelo uso de
reticências: «Tu não morreste…».
▪ Vocativos: «Carlos, Carlos!».
Os últimos recursos
referidos estão presentes, neste capítulo, de forma a recriar a linguagem
oral e, simultaneamente, sugerir o estado de espírito de Joaninha, colhida
de surpresa pelo inesperado encontro com o primo.
▪ Mistura da cultura erudita e popular:
por um lado, faz-se uso de formas de relacionamento informal com o interlocutor
e, por outro, recorre a referências artísticas que só o leitor culto acompanha:
o teatro, a pintura, a escultura.
▪ Digressão: «Uniforme tão militar, tão
nacional, tão caro a nossas recordações – que essas gentes, prostituidoras de
quanto havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram do exército…
por muito português de mais talvez! deram-lhe baixa para os beleguins da
alfândega, reformaram-no em uniforme da bicha!».
▪ Coloquialidade: «Não pude resistir a
esta reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela o meu
retrato».
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