As
cantigas de amor não são originárias da Península, ao contrário das de amigo,
mas sim do Sul de França, da Provença. Guilherme de Poitiers, duque da Aquitânia,
é considerado o primeiro trovador, pois a primeira cantiga de amor conhecida é
da sua autoria e data de 1100: "Com a doçura da Primavera".
terça-feira, 21 de novembro de 2017
Origem da cantiga de amor
Definição de cantiga de amor
As cantigas de amor são composições poéticas ao sabor provençal,
cujo sujeito de enunciação é o trovador apaixonado que consagra à sua
"senhor" um amor platónico, sem esperança, um amor-adoração.
Valor documental da cantiga de amigo
. Artístico:
decoração, iluminuras;
o
paralelismo com origem no ritmo natural do trabalho e da dança ou nos cânticos
litúrgicos dialogados.
.
Histórico: - costumes;
-
maneiras de ser;
-
formas de pensar;
-
formas de vestir;
-
elementos do al-Andaluz:
- a
dança:
- as
motivações bucólicas;
- a
importância do mar;
-
a guerra: - o fossado / ferido (guerras
da reconquista) (1);
- Castela (1).
(1)
De facto, o período da Poesia Trovadoresca coincide com a época de reconquista
de terras aos mouros, luta em que se envolveram todos os reis peninsulares,
dada a necessidade de afastar os mouros para África e retomar os territórios
por eles conquistados. E as cantigas de amigo recriam esta época conturbada:
. a donzela, cheia
de saudades do amigo, não sabe dele, pode estar em “cas del-rei”;
. na véspera da partida do amigo, despede-se
dele, muito triste e preocupada;
. desabafa com a mãe
a sua preocupação pelo amigo, que vai ou já partiu para o ferido.
Além disso, convém também não
esquecer as frequentes escaramuças com os castelhanos.
.
Linguístico: fase do Português
Arcaico.
. Social: -
actividades domésticas (fiação, busca de água na fonte, etc.);
-
a importância social da mulher -
autoridade materna (a mãe proíbe ou permite os encontros amorosos da
filha); o seu papel de mulher--mãe, que fica sozinha a resolver
os problemas familiares, pois o homem está ausente;
-
ausência dos homens (no "fossado", no "ferido" ou no mar);
-
vida colectiva: romarias, bailes, festas populares;
-
a hierarquia familiar;
-
os sentimentos da mulher (donzela): a timidez, o pudor, a inexperiência do amor,
a travessura, a alegria, a traquinice, a refilice, a mentirinha para esconder os primeiros amores à mãe, a
ansiedade de amar, a tristeza, a
saudade, a impaciência, o ciúme, o arrependimento, a alegria da reconciliação,
a morte de amor, a ingenuidade, etc.;
-
as ofertas de namorados.
.
Religioso: - romarias;
- forte
religiosidade epocal (2):
® a fé;
® o aspecto lúdico.
(2)
a) A religiosidade do homem medieval
está bem representada na cantiga de amigo, até porque se vivia em constante
ambiente de guerra e era necessário rezar muito a "Nostro Senhor",
pedindo-lhe protecção.
b)
As romarias reflectem esta preocupação, e os cânticos singelos e espontâneos
transbordam de queixumes, anseios e preces a Deus. Daí as romarias, por
exemplo, a Santiago de Compostela. Mas o povo, sobrecarregado de impostos e
taxas e cheio de afazeres, não tem tempo nem dinheiro para se deslocar tão
longe, por isso "limita-se" às pequenas ermidas, disseminadas por
todo o lado. Essas romarias descrevem-nos uma variedade de situações
apreciável:
*
a donzela, chorosa, vai à ermida de San Simon, junto ao mar, pedir ao santo
pelo seu amigo e lá fica à sua espera;
* se ele não voltar,
está disposta a morrer;
* a menina ia também à
ermida do Soveral, onde viu o amigo traidor;
*
a donzela adorava ir a "San Simon de Val de Prados": as mães iam
rezar, elas, eufóricas e traquinas, aproveitavam para bailar;
*
um cavaleiro ficou desatinado quando foi a Santiago de Compostela e viu uma
pastora muito bela.
c)
As fórmulas de juramento revestem muitas cantigas, recriando-nos a mundividência
do homem medieval. Tudo gira à volta de Deus, é um mundo teocêntrico:
*
por Santa Maria, roga a mãe à filha, por que não vai ela bailar para o amigo,
não vá ficar encalhada para toda a
vida;
*
a donzela acredita em Santa Cecília e solicita-lhe ajuda para o amigo que
partiu para o "fossado";
*
a pastor, tão afastada de casa, no souto de Crexente, a falar, só, com um
cavaleiro, mostra-se preocupada com a sua honra, com o que dirão as pessoas, e,
então, pede-lhe, por Santa Maria, que se vá embora;
*
por vezes, é o cavaleiro que exclama
"par Deus de Cruz"
ao ouvir cantar a mulher, sentindo de imediato que ela
sofre uma grande "coita de amor";
*
noutras ocasiões é a amiga da donzela que lhe pede, por Deus, que tenha pena
dele, porque o viu sofrendo tanto.
Paralelismo perfeito
A cantiga de
amigo galego-portuguesa apresenta vestígios de uma poesia tradicional muito
antiga. Em muitos poemas, encontramos um esquema estrófico e rimático em que
predomina o chamado paralelismo, que revela o seu caráter popular.
1. Definição
O
paralelismo consiste na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe
seguinte, substituindo-se, nos versos paralelos, apenas as palavras em posição
de rima por outras que sejam sinónimas.
2. Tipos de paralelismo
1.º)
Literal ou sinonímico: consiste na repetição literal ou com recurso a sinónimos.
2.º)
Estrutural ou de construção: consiste na repetição de uma determinada construção
sintática e rítmica.
3.º)
Concetual ou de pensamento: consiste na repetição de conceitos.
3. Refrão
O refrão é
um verso ou conjunto de versos que se repete integralmente no fim de cada
estrofe.
A presença
do refrão constitui outra caraterística das cantigas paralelísticas.
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo! → Refrão
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo! → Refrão
4. Paralelismo perfeito
As cantigas
de amigo são paralelísticas perfeitas / de paralelismo perfeito quando possuem
as seguintes características:
▪ Cada estrofe é um
dístico monórrimo (isto é, constituída por dois versos com uma só rima),
seguido de refrão de rima diferente (o refrão pode também surgir intercalado
nos dísticos.
▪ O número de
coblas/estrofes é sempre par: o primeiro dístico do par emparelha com o segundo
dístico, isto é, este repete o conteúdo do primeiro, alterando-se apenas as
palavras finais, que rimam – geralmente de vogal tónica a num dos dísticos de cada par e i ou e no
outro (ou seja, os versos dos dísticos ímpares repetem-se nos pares, variando
apenas a palavra da rima.
▪ A unidade rítmica não é
a estrofe, mas o par de estrofes, ou, mais precisamente, o par de dísticos,
dentro do qual ambos os dísticos querem dizer o mesmo, diferindo só, ou quase
só, nas palavras da rima, que são de vogal tónica a
num dos dísticos de cada par e i ou ê no outro.
▪ O último verso de cada
estrofe é o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte.
▪ Uso do leixa-pren,
isto é, deixa-toma ou larga-pega.
5. Leixa-pren
▪ O leixa-pren
aproxima-se das desgarradas populares (ou cantigas ao desafio) e consiste em
começar cada estrofe repetindo o último verso de uma estrofe anterior.
▪ O 1.º verso do terceiro
dístico retoma o 2.º verso do primeiro dístico = o 2.º verso da 1.ª estrofe é o
1.º verso da 3.ª estrofe.
▪ O 2.º verso do quarto
dístico retoma o 2.º verso do segundo dístico e repete, com variação, o 2.º
verso do terceiro dístico = o 2.º verso da 2.ª estrofe é o 1.º verso da 4.ª; e
assim sucessivamente.
▪ A progressão do
pensamento verifica-se apenas no 2.º verso das estrofes ímpares.
Através do
paralelismo perfeito, é possível construir uma composição de 6 estrofes e 18
versos em que apenas há 5 versos semanticamente diferentes, incluindo o refrão.
Originalidade da lírica trovadoresca galaico-portuguesa
-
Sujeito de enunciação feminino.
-
Situações do quotidiano (rural, popular, doméstico): fiar o linho, ir à fonte
buscar água, ir lavar a roupa e outros trabalhos domésticos.
-
Espontaneidade sentimental/sinceridade.
-
Paralelismo.
Características da cantiga de amigo
1.ª. Muitas cantigas de
amigo são constituídas por dois versos paralelos, seguidos de refrão.
Estas composições estavam associadas
ao canto e à dança: dois coros cantavam as estrofes alternadamente e o refrão
era cantado pelos dois coros simultaneamente ou por um solista.
2.ª.
Existe também a repetição de versos, iguais ou muito semelhantes, de forma a
constituir-se uma unidade rítmica.
3.ª.
As ideias repetem-se através de versos iguais ou muito semelhantes e de forma simétrica.
É o chamado paralelismo.
4.ª.
Algumas cantigas paralelísticas apresentam alternância da rima de i ou e em a ou vice-versa: amigo - amado, sofrer - endurar.
5.ª.
Podemos também constatar o processo de leixa-prem,
que consiste em retomar, no todo ou em parte, o último verso da estrofe
anterior:
"Ondas
do mar levado
se vistes meu amado!
E
ai Deus, se verrá cedo!
Se vistes meu amado
o que mentiu
do que m'a jurado
E
ai Deus, se verrá cedo!"
6.ª.
Apresentam grande simplicidade.
7.ª.
A narratividade.
8.ª.
A donzela (moça solteira) exprime a situação amorosa ou os seus dramas na relação
com o amigo.
9.ª.
A donzela é uma moça simples, por vezes ingénua, mas enamorada.
10.ª.
O amor é um sentimento natural e espontâneo.
11.ª.
O ambiente é natural e familiar. A natureza surge muitas vezes como confidente
e reflecte o estado de espírito da donzela.
12.ª.
São de origem autóctone, galaico-portuguesa, de carácter popular e de tradição
oral.
Estética da cantiga de amigo (simbolismo)
* A cantiga de amigo contém uma
certa componente simbólica, metafórica:
- a luz remete para o deslumbramento do amor;
-
os cervos do monte turvando a água
significam as primeiras perturbações do amor;
-
a noite: fugidia quando a donzela
está com o amigo, interminável quando está sozinha;
-
as aves que cantam: são indício de felicidade,
de relação amorosa – o renascer contínuo do amor;
- as ondas do mar são traiçoeiras como o
amor/amigo.
*
Testemunhando e refletindo uma vida primitiva, a natureza surge personificada
(as coisas, os animais), quase à maneira das sociedades primitivas.
*
O vocabulário é pobre e a adjectivação convencional e repetitiva, recorrendo-se
muito a uma certa sinonímia: a donzela é quase sempre louçana, velida, ben talhada, fremosa, fremosinha, mesurada, de corpo delgado, coitada, leda, bela, de bom parecer.
* Domina o paralelismo vocabular, de
construção e semântico.
*
Apóstrofes, metáforas, repetições, anáforas, aliterações e inversões são as
figuras de estilo mais frequentes.
*
O trovador coloca na boca da donzela arcaísmos para recriar o aspecto antigo
destes cantares da alma popular.
*
O ritmo embalador de arte maior e a musicalidade impregnam estes cantares de
grande encanto e ternura, para os quais contribui muito a alternância da vogal
tónica em i e a,
ou então na sua traquinice e garridice (ex.: "Sedia la fremosa seu sirgo lavrando").
O tempo na cantiga de amigo
O tempo está presente em várias
composições, integrando a menina na realidade quotidiana.
. As albas evocam o despontar da aurora, bem
perigosa para os namorados, e a donzela aconselha o amigo a ir-se depressa, não
vão olhos curiosos criar-lhe problemas.
. A noite surge misteriosa e convidativa ao amor,
bem fugaz, quando está com o amigo, mas longa e angustiante, que parece nunca
mais acabar quando ele não está e a donzela fica sozinha.
. Daqui se conclui que o tempo aparece na sua
dimensão psicológica, que se concretiza à noite e de manhã, a passar bem rápido
quando a donzela está feliz com o amigo, ou lento e cruel quando ele se
encontra ausente.
. A Primavera.
O espaço da cantiga de amigo
Enquanto na cantiga de amor não há
lugar para a natureza porque a paixão domina, nada mais permite ao trovador ver
e sentir o mundo exterior, tudo se resume a um grande queixume; na cantiga de
amigo, a natureza surge como um quadro, um cenário,
ou, personificada, como confidente
ou mensageira da donzela. Podemos
até afirmar que a natureza, frequentemente, participa das alegrias e tristezas
da donzela, reflectindo o seu estado de espírito: se está feliz e enamorada, as
avelaneiras estão floridas e até as aves cantam o seu amor; mas se o amigo
partiu e a donzela ficou triste, os ramos onde as aves pousavam ficaram
partidos e as fontes onde se banhavam e bebiam secaram.
Dentro do espaço físico, há a
destacar alguns componentes:
* a fonte: pretexto para se encontrar com o amigo
e namorar;
*
o adro da igreja: espaço procurado pelas
donzelas para bailarem e namorarem;
*
a praia / o mar:
aí pergunta às ondas pelo amigo; triste e apaixonada, receia que ele não
regresse;
*
o rio: local onde decorrem os diálogos
líricos com a mãe e onde encontramos a donzela ocupada com os trabalhos
domésticos.
A natureza está sempre presente e a
donzela bem integrada em espaços/ambientes: é a fonte, é o Souto de Crexente, é
no campo, junto dos pinheiros ou das avelaneiras, ou vai pelo caminho francês,
ou está junto do rio ou a ermidas, ou parte contente em romaria. De facto, a
Natureza possui muitos recantos convidativos ao amor.
. Papel
da Natureza:
-
cenário;
-
confidente;
-
mensageira;
-
comparticipante;
-
hostil.
sábado, 18 de novembro de 2017
Classificação formal da cantiga de amigo
* Cantigas de refrão.
* Cantigas de mestria: cantigas que não possuem refrão ou estribilho
* Tenções: são cantigas dialogadas entre
a donzela e a mãe, a irmã, a amiga ou o amigo.
*
Cantigas paralelísticas perfeitas:
cantigas com refrão em que a ideia expressa numa estrofe se repete na estrofe
seguinte, substituindo-se apenas nos versos paralelos as palavras finais por
sinónimos (incluem o leixa-prem).
*
Cantigas paralelísticas imperfeitas:
cantigas que não respeitam as regras do paralelismo perfeito.
* Cantigas de finda (raras).
Classificação temática da cantiga de amigo
. Barcarolas ou marinhas: cantigas onde predominam os
motivos marinhos (mar, ondas, praia, barcos...).
. Cantigas de romaria: cantigas que referem
romagens/peregrinações a santuários.
. Albas, alvas ou serenas: descrevem encontros amorosos que ocorrem com a alvorada,
de madrugada.
. Bailias ou bailadas: contêm referências a bailes.
.
Pastorelas: são cantigas postas na boca de pastores.
Têm um carácter híbrido: contêm
características da cantiga de amor e da cantiga de amigo, muito influenciadas
pelas pastorelas francesas.
O trovador afonsino integrou a
pastorela no quadro da cantiga de amigo, à maneira da pastorela francesa.
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
As confidentes da cantiga de amigo
A função do confidente é levar e
trazer recados, ouvir os desabafos da donzela, conciliar namorados desavindos,
aconselhar a tomada de decisões e justificar atitudes.
1.º. A mãe (ver papel da mãe).
2.º. A irmã (geralmente a mais velha, porque
conhece bem as preocupações da donzela, dado que já as viveu, ou a mais nova,
que lhe deve obediência): a donzela pede-lhe que a acompanhe ao local onde o
amigo se encontra.
3.º. A amiga / vizinha.
4.º. A natureza
(as flores, as ondas ...):
-
a donzela desabafa com a natureza, que surge personificada, animizada, e
pergunta-lhe pelo amigo;
-
esta, condoída da menina, procura sossegá-la, afirmando-lhe que o amigo estará
com ela antes do prazo combinado terminar (intermediária);
-
a natureza pode também despertar na donzela a saudade, o amor; as ondas do mar
tão traiçoeiras, como traiçoeiro pode ser o amigo, devem saber dele, e ela
pergunta-lhes onde ele se encontra.
NOTA:
|
casos há em que a
confidente acaba por querer roubar o namorado.
|
Papel da mãe na cantiga de amigo
Os condicionalismos históricos
ditaram a ausência do pai; com efeito, este acompanhava o rei ao fossado, isto
é, na guerra contra os mouros. Ora, na ausência do marido, era a mulher quem
assumia todas as responsabilidades da casa: podia vender e comprar, tinha de
vigiar os comportamentos das filhas, etc. Quando o marido voltasse, cumpria-lhe
prestar contas de tudo.
A mãe desempenha um papel
importantíssimo na cantiga de amigo e uma pluralidade de funções.
1.ª. Opositora
/ controladora:
* o
namorado da filha não lhe agrada e ela opõe-se ao namoro;
* a
mãe gostaria de ser ela própria a escolher o namorado para a filha.
2.ª. Conselheira:
*
a mãe, sozinha e muito sobrecarregada, preocupa-se com a sorte da filha e,
frequentemente, aconselha-a a não ir encontrar-se com o amigo, pois este partiu
e não a quis ver;
*
outras vezes interroga a filha, desconfia dela, porque tardou "na fontana
fria"; ela desculpa-se com os cervos que turvaram a água, mas a mãe,
experiente, não se deixa enganar;
*
noutras ocasiões, a donzela pede à mãe para ir a uma romaria com as suas
amigas, ou avisa-a apenas de que vai dançar;
*
menos frequentemente, é a própria mãe quem incita a filha a ir bailar para que
o amigo a veja ou mesmo a falar com ele;
*
quando, apesar das suas advertências, não há já nada a fazer, a mãe aconselha a
filha a não deixar o amigo e a procurá-lo nos lugares habituais.
3.ª. Confidente / amiga:
*
a donzela desabafa com a mãe a sua "coita de amor" ou a sua preocupação
(o prazo expirou e o amigo não voltou ainda, o que a deixa a morrer de amor);
*
outras vezes queixa-se, "sanhuda", à mãe porque ele não veio ao
encontro;
*
mas, mesmo que o amigo lhe tenha mentido, ela esquece, porque morre de amores
por ele, por isso não admite a crítica ou a censura da mãe por o ver de novo;
*
noutras ocasiões, a donzela desabafa com a mãe: viu o amigo e não lhe falou,
apesar de o amar; quer-lhe "mui ben", mas quis "armar-se em
boa", como se queixariam os rapazes de hoje das "meninas convencidas".
E ela está arrependida e morre de amores por ele;
*
desabafa ainda a sua tristeza e preocupação pelo facto de o amigo andar no
ferido, ou na pesca, e ela receia que ele pereça lá.
Afinal, quem melhor do que a mãe
compreende o que vai no coração da filha? Quem melhor do que a mãe sabe o que é
a coita de amor?
4.ª. Medianeira:
* a
donzela solicita a intercessão da mãe junto do amigo.
Caracterização do amigo
-»
frequentemente ausente (no “ferido” ou “fossado”, em “cas d’el-rei” ou na
pesca);
-»
amante;
-»
herói;
-»
bom companheiro;
-»
cúmplice;
-»
objecto de saudade;
-»
infiel;
-»
cruel;
-»
quando o amigo se enamora dela, promete-lhe coisas e dá-lhe presentes, em sinal
do seu amor – são as "dõas":
-
toucas;
-
"cintas das fivelas";
-
cintas de Rocamador;
-
"pano pera gomela";
-
anéis.
Caracterização da donzela
Através da análise das cantigas de amigo,
perscrutamos a alma da donzela, os seus sentimentos, os seus anseios, a sua
natureza rebelde.
. A donzela, bela, formosíssima, sofre de amor
pelo amigo:
- um
cavaleiro passou por ali e deixou-a numa grande paixão;
-
a sua "coita de amor" é tão grande que, se não o vir, nunca mais se
casará, enlouquecerá ou morrerá.
. Quando está enamorada, baila contente no adro da
igreja, por exemplo:
- alegre / feliz;
- eufórica, diz à mãe que vai bailar;
-
o amor pelo amigo é tão grande, que sofre martírios com a família;
-
de vez em quando, encontramos uma donzela narcisista,
contente com a sua beleza, diz que se "achou" na fonte o seu amor, o
seu amigo;
-
convida as amigas a bailarem com ela, junto das avelaneiras floridas;
-
mesmo que a avisem que ele não comparecerá ao encontro porque quer "mui
gran ben a outra mulher", ela não acredita, segura do seu amor;
-
está tão contente com o amigo que as próprias aves cantam o seu amor.
. Mas o amor durou
pouco tempo:
- ele
partiu e deixou-a triste, tristeza
que se reflecte na natureza;
-
a donzela chora o dia em que se enamorou e experimentou o que era o amor e
maldiz o dia em que viu o amigo.
. Quando assim não
acontece, é o amigo que partiu (para a guerra ou para a pesca):
- e a
saudade, a ansiedade e a angústia
apoderam-se da donzela:
. ele não vem;
. quer notícias dele;
. quer vê-lo;
. já deveria estar com ela e não está.
. Porém, por vezes,
o amigo mente-lhe e a reação da donzela caracteriza-se:
-
pelo ciúme, pela fúria e descrença no amado;
-
pela revolta e pela promessa de
nunca mais acreditar no amor.
. Após tantas
peripécias, a donzela parece ter aprendido a lição e reage:
-
se ele se assanha com ela, a menina assanha-se com ele;
-
convencida do seu amor, faz-se cara;
-
vinga-se: se ele ficou de falar com
ela e não o fez, a jovem, quando ele quiser falar com ela, não quererá;
-
perdoa-lhe, mas não o quer mais.
. Todavia e afinal,
o amor acaba por imperar (ninguém
pode mandar no coração) e a donzela pede à mãe que não se zangue e a culpe
porque quer ir falar com o amigo à ermida, onde tantas vezes esperou por ele em
vão.
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