Português

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Vida e obra de José de Alencar


     José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, Ceará, a 10 de maio de 1829. Fez os seus estudos elementares e secundários no Rio de Janeiro e, em 1843, foi para São Paulo, onde se formou em Direito. Regressou depois ao Rio e iniciou a atividade de jornalista e advogado. Faleceu em 1877.

    A sua produção literária é vastíssima e insere-se em vários domínios: romance, poesia, história, teatro. Dentre as suas obras, destacam-se Cinco Minutos (1860), As Minas de Prata (1862), Diva (1864), Iracema (1865), O Gaúcho (1870), Senhora (1875), O Sertanejo (1875).

    Foi um escritor que gerou muita polémica: uns julgam-no genial, magistral; outros fazem dele um secundário contador de patranhas de índios e vaqueiros. Uns elogiam o seu estilo e amor à "língua brasileira", outros irritam-se perante a exuberância das imagens. Se os comentários negativos são maus, os positivos correm o risco de o transformar num contador de histórias para adolescentes, o que tem criado a imagem de um romancista que não se pode levar a sério.

    Mas, na verdade, Alencar está para a prosa romântica como G. Dias está para a poesia: é o mais importante ficcionista do Romantismo brasileiro, quer pela sua vasta obra, quer pela variedade dos temas versados e pelo estilo. É um marco na tradição literária brasileira e foi o primeiro escritor a devotar-se integralmente à sua obra, mesmo nos momentos em que era um político.

    No prefácio a Sonhos d'Ouro, Alencar discute o período orgânico da literatura brasileira, dividida em três fases:

  • uma fase primitiva ou aborígene, que são as lendas e mitos da terra selvagem e conquistada (ex.: Iracema);
  • a segunda fase é histórica: representa o consórcio do povo com a terra americana (ex.: Guarani);
  • a terceira fase começa com a independência política e espera escritores que formem o verdadeiro gosto nacional (ex.: Gaúcho).
    Isto mostra que Alencar tinha consciência de ter tratado, nos seus romances, os aspetos fundamentais da realidade brasileira. Apesar dos vários domínios que abraçou, é na prosa de ficção que mais se destaca. Aqui, há sempre um elemento fundamental, que é o índio, como protagonista das lendas e factos históricos.

    Dentro do romance alencariano, podemos destacar alguns tipos:

        -» Romance urbano ou citadino, fruto de uma breve experiência jornalística, de uma observação da sociedade fluminense e da fantasia. Temos neste grupo romances como A Viuvinha, Diva, Senhora, A Pata da Gazela, etc. Obedientes ao figurino romântico, empregam os mesmos expedientes narrativos. Romances de intriga, entretenimento e namoro adolescente giram em torno do conflito de duas forças poderosas: amor e dinheiro, podendo surgir um terceiro membro que é a honra. O caso de Aurélia, heroína de Senhora, mostra perfeitamente este duelo de interesses e sentimentos, numa trama em que o dinheiro atribui à mulher o direito de esconder qualquer nódoa do passado e equiparar-se ao homem amado, a quem o dinheiro dá o direito de se render à evidência dos factos e tornar-se merecedor da mulher amada.
    Tais conflitos podiam dar-se apenas no domínio da burguesia, o que seria uma crítica; mas a forma como está organizado contém é uma apologia dessa classe, gozadora de ócios quase sempre néscios, preenchidos com algum negócio, forma de ação social que inclui o amor. Uma forma de pelintras, passando os dias a tentarem resolver o que chamavam de magna questão: sentimento amoroso que devia desembocar no casamento. Tudo se passa em ambientes burgueses, mesmo quando a história decorre em lugares não citadinos.

        -» Romance indianista: na linha de G. Dias, Alencar concebeu uma trilogia que abarcava o «modus vivendi» do indígena brasileiro: o Guarani retrata o encontro de um índio - Peri - com a civilização branca e portuguesa; em Iracema, temos uma intriga oposta: um europeu, Martim, descobre a vida primitiva do índio por meio da heroína que dá o nome ao romance; em Ubirajara, analisa os silvícolas no seu habitat natural. Nos três casos, o índio é visto com lentes cor de rosa, envolto num véu místico.
    Ser místico, o índio de Alencar é cheio de qualidades em flagrante contraste com o branco. Para os silvícolas vão todas as simpatias, aos brancos fica reservada a pior parte no contexto geral: batem-se em lutas fratricidas ou desconhecem os bons sentimentos dos nativos. A explicação para a idealização do índio reside na possível influência do pensamento de Rousseau, filtrado pela poesia de G. Dias e no facto de Alencar não conhecer de "visu" os heróis de suas narrativas. Quando muito teria convivido na infância com pessoas que lhe teriam contado lendas a respeito. A imaginação fizera o resto.
    O gosto de idealizar, que deliciava os românticos ávidos de exotismo paisagístico, eis o que se vê em Alencar. Quer pela ação, quer pelo código moral, os seus índios são talhados pelo molde dos cavaleiros medievais. Possuem apenas virtudes e chegam a superar os brancos nos mesmos valores de caráter que o Romantismo lhes atribui: autênticos cavaleiros andantes. Torna-se evidente o núcleo da resignada paixão de Iracema. Entrega-se a um branco num desprendimento natural; dá-lhe um filho: Martim regressa à pátria e a infeliz morre. É o quadro típico de um romance de cavalaria, onde o trato amoroso obedecia aos impulsos da sinceridade.
    Se virmos o respeito que o índio mostra pela religião cristã, fica desenhada a fisionomia medievalesca do indianismo de Alencar. Peri converte-se como bom cavaleiro à fé de Ceci e com isso descobre a explicação para o seu comportamento trovadoresco de subserviência mística à mulher. E Iracema morre de amor por se ligar ao branco. Sua morte simboliza a redenção do «pecado» de amar incondicionalmente. A morte recoloca-a no seu mundo original.

        -» Romance histórico, onde o medievalismo de Alencar ganha plenitude: As Minas de Prata, Guerra dos Mascates, Alfarrábios. Aqui põe-se à vontade, sem realizar, porém, o melhor da sua obra, pois pesavam-lhe a sombra de W. Scott e o exemplo de Herculano. O ficcionista esmera-se em situar os dramas numa geografia, para que a natureza sirva de pano de fundo e interlocutora. Ora, o romance histórico dispensa o diálogo com a natureza, porque desloca o eixo da efabulação para o facto documentado, a ação que a efetiva e a personagem que o realiza.

        -» Romance regionalista: O Gaúcho, O Sertanejo, O Tronco do Ipê e Til. O primeiro e o segundo passam-se respetivamente no Rio Grande do Sul e no Ceará. A ação dos outros decorre na baixada fluminense e na "confluência do Atibaia com o Piracicaba". Diferencia-os a geografia.
    Alencar quer, assim, oferecer um retrato das particularidades regionais do Brasil, das tradições e costumes ligados ao folclore. Ao longo dos romances históricos e indianistas apresenta as metamorfoses histórico-étnicas sofridas pelo país; agora ensaia um panorama dos vários aspetos do Brasil.
    No cerne deste tipo de romance temos a mesma visão do mundo presente dos anteriores, a demonstrar o truísmo da unidade na diversidade; os dados exteriores e a cenografia mudam sem comprometer o núcleo primitivo. Mas no regionalismo, Alencar pretendia-se realista.
    Como explicar a unidade na visão do brasileiro? De um lado, Alencar descobriria uma essencialidade imutável; de outro, seria incapaz de ver as diferenças entre os vários tipos de brasileiro. Isto reduz-se a um ponto: o encontro de um arquétipo brasileiro que mostrasse unos a respeito das variedades regionais, históricas, etc. Mas Alencar não pretendeu nem podia determiná-lo. Alencar era de um idealismo absoluto: "idealiza tudo, homens e cousas, não em virtude de uma estética preconcebida, mas porque é isso inerente à sua constituição artística."
    Daqui se pode deduzir que os romances regionalistas são ainda históricos, embora duma história contemporânea: fazem uso dos mesmos ingredientes narrativos presentes nos outros tipos de romance e não fogem à estereotípia medievalesca. A imaginação de Alencar socorre-se de um modelo fixo de protagonista, como se bastasse a verosimilhança do cenário e do enredo.
    Alencar movia-se na esfera do onírico e do fantasioso, não raro articulado aos mitos da infância. Implicando uma visão estacionária da história, tal apego à meninice leva-nos a formular uma hipótese de génese literária que também vale para os restantes românticos. A visão que Alencar tem do Brasil ofende os intelectuais brasileiros, porque ele reduz o brasileiro do campo ou da cidade: se homem, a Peri; se mulher, a Ceci. Isto é uma marca da herança portuguesa.

            Estilo de Alencar

    Ele é poeta na essência de sua cosmovisão e vestia o homem e a natureza de maravilhoso e concebia uma harmonia de paraíso para o mundo. Ao dizerem que Iracema é um poema em prosa, os críticos apenas apreendem uma parte da sua mundividência: poesia.
    Ele pinta a natureza com a imaginação, numa subjetividade em que o «eu» mais se contempla na paisagem do que observa, num idealismo de quem apenas encontra no universo as forças mágicas da infância. Ainda quando despido de recursos poéticos, é lírica a sua visão do mundo. A musicalidade é a característica essencial do seu estilo. Alencar concretiza-o pela utilização de ritmos poéticos e metáforas polivalentes.
    Alencar inaugura uma etapa na história do escritor brasileiro: com ele sai-se de uma atividade literária ocasional e diletante e inicia-se o processo de dignificação do homem de letras brasileiro. Nele se configura, pela primeira vez, a noção de literatura como forma de conhecimento da realidade brasileira e veículo de emoção estética superior.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O Romantismo no Brasil


     Em finais do século XVIII e princípio do XIX, houve uma série de fatores sociais que provocaram uma nova forma de escrever com novos valores: Revolução Francesa, Revolução Industrial, que vai originar a ascensão da burguesia. Foram factos que marcaram uma época e uma nova maneira de pensar, que se vai contrapor ao Classicismo. Por exemplo, à fixação de regras contrapõe-se o espírito criativo do escritor.
    A nível social, dá-se o desenvolvimento de certas classes a par da queda de outras: ascende a burguesia e decai a nobreza. Temos ainda outras classes sociais, como o campesinato, a classe operária, que vai influenciar a geografia e o modo de vida nas cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro. E conforme se definem as classes, assim surgem novas formas de pensar:
        = a nobreza vive em função de um sentimento de saudade do que perdera;
        = a burguesia surge como uma visão eufórica do que havia adquirido (uma nova liberdade);
        = o operariado tem uma visão de existência inquieta e de liberdade;
        = o campesinato mantém uma atitude inconsciente, sem se aperceber das modificações que se vão operando.
    Concretamente no Brasil, no século XIX as coisas não eram como tinham sido nos séculos anteriores. Com a independência, as ligações com a metrópole desaparecem, mas mantêm as estruturas que tinham a nível agrícola, social e económico: predomínio dos grandes latifúndios, escravatura e uma economia baseada na exportação. Os latifúndios eram importantes, porque representavam o poder dos grandes senhores que cultivavam a terra mediante a força de trabalho negra. O país não podia desenvolver-se porque tudo era exportado e nada revertia a favor do país.
    Apesar de se ter manifestado antes, é com a independência que o Romantismo se vai constituir e desenvolver. Eram essencialmente os filhos destes grandes latifundiários que procuravam as grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Baía) ou portuguesas (Lisboa, Coimbra) para receberem uma instrução mais profunda, como é o caso de José Alencar. Com efeito, sendo a costa brasileira tão extensa e irregular, ela apresenta pontos que se aproximam mais de Portugal, o que leva alguns poetas e escritores a optarem por Lisboa para se enriquecerem culturalmente, por ser mais perto. Além dos filhos dos grandes senhores, também outros procuravam instrução: filhos de comerciantes e profissionais liberais (ex.: Gonçalves Dias e Castro Alves); e de pessoas mais humildes (ex.: Manuel António de Almeida, que teve de lutar muito para conquistar um lugar na literatura brasileira). Estes três tipos de sociedade respondem às questões mundiais da mesma forma que os europeus.
    Como um dos temas do Romantismo era a procura do passado, José Alencar e G. Dias sentem a necessidade de fundamentar a burguesia e a nova nobreza e, assim, surge Iracema, para fundamentar essas classes num passado mítico. Como eles não tinham um passado medieval como os portugueses para radicarem as suas raízes, voltaram-se para o mundo índio. Também aí aparecem outras temáticas típicas do Romantismo, como o sonho, o exotismo e o evasionismo.
    Castro Alves pertence a um outro momento do Romantismo, que era um movimento mais de caráter oratório; não tinha uma verdadeira preocupação pelo que se passava. Mas claro que em Castro Alves nós vamos encontrar uma escrita preocupada com a defesa do negro e a abolição da escravatura, mas uma escrita muito imbuída de oratória.

        Alguns temas do Romantismo

        1. Exotismo e Medievalismo: o romântico é um ser desiludido com a realidade envolvente, que para ele representa algo de efémero, finito e imperfeito. Entra, então, em conflito com essa realidade e procura uma evasão no tempo e no espaço. A evasão no espaço conduz ao exotismo, ou seja, à busca de paisagens estranhas; uma fuga no tempo condu-lo ao medievalismo, ou seja, a época preferida para a evasão é a Idade Média.
    Por outro lado, o romântico procura fazer uma reprodução fiel e pitoresca do país, região ou época, ao que se chama «cor epocal». Ele procura a valorização do espírito do povo: volksgeist. Cada povo tem um espírito e uma genuinidade que devem ser respeitados e as suas características deviam passar para a literatura.

        2. Atitude egocentrista: o sujeito é o fulcro, que entra em conflito com a sociedade e daí procurar uma evasão no tempo e no espaço. Outro modo de solucionar esse conflito é procurar a solidão.
    Na base de todas as teorias românticas, encontramos a doutrina do «eu absoluto», caracterizado como possuindo uma energia infinita e um dinamismo infinito.

        3. A natureza é expressiva, ou seja, tem um significado próprio. A natureza aparece em função do estado de espírito do sujeito, que não é alegre; pelo contrário, o romântico manifesta o gosto pelo anoitecer, pelas florestas, castelos, abismos, etc. É um tipo de natureza que favorece a imaginação, a evasão, o sonho e a contemplação. A natureza chega a encarnar expressões anímicas. Por exemplo, em Gonçalves Dias aparecem expressões como "silêncio do ocaso", "ímpeto do vento", etc. Estas expressões, que são sentidas pelo homem, passam a ser sentidas pela natureza com os românticos.

        4. Saudade do que se julga perdido.

        5. «Sehnsucht» e «mal du siècle»: a busca do «eu absoluto» é um incentivo para o romântico, só que esta também se torna um drama porque surge o desencanto quando não se alcança esse absoluto. No Romantismo, há sempre uma busca, o que traduz um estado de permanente ansiedade, porque se caminha para algo longínquo. Aqui, surgem os dois lados da moeda, isto é, a procura da realização das potencialidades consideradas infinitas do «eu» - sehnsucht - e, por outro lado, temos a frustração por não se conseguir essa realidade absoluta - mal du siècle.

        6. Amor e morte: estas duas realidades, para os românticos, andam sempre ligadas. O amor surge como destino, que eleva o poeta a sofrer. O amor raramente é felicidade; é sempre dor, sofrimento e ciúme. Além disso, o amor há de levar à morte (ex.: Iracema).

        7. Herói e nação: para os românticos, a ideia de nação é muito forte, porque representa uma força edificante. Daí a preocupação que o romântico manifesta ao intervir na vida política do seu país. Veja-se em Portugal o exemplo de Alexandre Herculano e Almeida Garrett. A ideia de nação está sempre presente, até porque vínhamos de um período de lutas liberais, que no Brasil vão fortalecer a ideia de nação.

        8. Florescimento da História.

        9. Valorização de elementos indígenas e culto do folclore: os românticos procuram sobretudo uma revitalização das línguas com os seus elementos específicos.
    Isto vai originar no Brasil dois movimentos importantes: indianismo e regionalismo, que se ligam ao aspeto da «cor epocal», o que vai definir sobretudo o Romantismo de Alencar, que apresenta uma visão totalmente diferente do índio, não referindo a cor da sua pele.
    Quanto ao herói, ele é a pessoa que traz a verdade e que deve cumprir grandes missões, isto não só em relação às personagens das obras, mas também em relação ao poeta, que tinha a obrigação de modificar o que estava mal na sociedade. Claro que estes temas não aparecem todos na literatura brasileira, onde há características que definem cada um dos temas gerais do Romantismo.
    A nível estético, o Romantismo traz consigo importantes modificações. A obediência a regras e a formas fixas desaparece em face da necessidade de liberdade dos românticos, que viam as regras como um corte no ímpeto dos poetas.
    Os estudantes brasileiros não vêm agora para Portugal, mas vão para outros países europeus, como a França e a Inglaterra. Começam mesmo a afastar-se dos modelos estéticos portugueses. Aliás, não foi em Portugal que o Romantismo primeiro surgiu, mas sim em alguns países da Europa e, por isso, é natural que algumas ideias que surgem no Brasil não tenham chegado a Portugal, mas resultassem do contacto dos brasileiros com o Romantismo europeu. Surge uma nova escrita que reflete a liberdade expressiva do sujeito.
    A nível de formas, o soneto e a ode e a epopeia são substituídos por formas representativas do movimento: a balada, a canção, que eram tipos de poemas sem forma fixa. A rima é um pouco deixada de lado, bem como a divisão em estrofes. É também com o Romantismo que surge o romance histórico, que tinha a mesma função da epopeia, mas sem regras fixas. Surge ainda o género dramático e aqui foi fundamental a negação da lei das 3 unidades, que era importantíssima no teatro clássico e, assim, surge o drama romântico.
    A nível métrico, retoma-se a forma medieval da redondilha maior e menor com ritmo regular e a quadra. Como já disse, aparece ainda o romance, que é um dos géneros mais importantes do Romantismo: romance autobiográfico, epistolar, histórico, etc. O romance é privilegiado por ser mais acessível ao público, que aí procurava encontrar a projeção dos seus conflitos pessoais e das suas realizações. Surge também a novela.

    
    Houve uma primeira forma de introdução ao Romantismo, que surge em França e que foi introduzido por G. Magalhães. É um romantismo muito artificial, ou seja, usam-se os temas românticos, mas de forma artificial, porque não está ligado ao Brasil. Por exemplo, o tema do amor surge de forma abstrata e sem ligação à realidade brasileira.
    São importantes dois tipos de publicações:
        » Saudades e suspiros poéticos (1836);
        » Revista "Niterói" (1836).
    A data de 1836 corresponde à primeira data, em que um brasileiro escreve algo com características românticas, mas sem ligação à realidade brasileira. Ele continua ligado a formas fixas, a manifestações neoclássicas. Além de não retomar os temas principais do Romantismo, não usa certos princípios como a liberdade de expressão. Escreveu poesia, romance e um poema épico chamado "Confederação dos Tamoios". Mas entretanto Alencar já tinha escrito Iracema e, por isso, o seu objetivo de escrever um poema indígena ficou em segundo lugar.
    A segunda forma surge no Brasil com Gonçalves Dias e José Alencar. Apresenta os seguintes subtítulos:
        » A busca dos elementos que definem a nacionalidade.
        » Retorno ao medievalismo e orgulho das raízes do Brasil, que radicam no índio.
    Porém, esta evolução cultural resulta de uma mutação política. Tudo começou em 1808, quando D. João VI se muda para o Brasil, levando consigo a corte, fugidos das Invasões Francesas. Este facto vem dar um grande poder ao Brasil, além de que D. João abre os portos ao comércio estrangeiro, o que é importante, porque todo o comércio era feito antes através de Lisboa. O rei levou também um património cultural importante. Liberaliza também a economia brasileira e Portugal fica sem a sua principal fonte de riqueza. Em 1822, seu filho, D. Pedro I declara a independência do reino, o "Grito do Ipiranga", que se reflete ao nível da literatura. A independência literária manifesta-se no falar das coisas e das origens e na linguagem falada.
    A sintaxe de Gonçalves Dias é diferente da de Alencar.
    Dentro desta segunda forma, temos dois momentos:
        » O primeiro momento é marcado por Alencar e G. Dias (índio).
        » O segundo momento é o de Castro Alves (negro).
    Na Europa, o operariado evidencia-se; há a luta pela defesa do homem e da mulher. Tudo isto são questões sociais que influenciam a literatura romântica. Nos EUA, surge o abolicionismo, que vai influenciar o Brasil com Castro Alves, que escreve uma poesia abolicionista, que vai defender o negro, sendo contra a escravatura e a exploração do negro. Ele vai assim constituir o segundo momento.
    Em todo este movimento, há outros autores importantes, como Manuel António de Almeida, Álvares de Azevedo, Laurindo Rabelo, etc.
    Embora ainda haja um compromisso com temas e valores europeus, a literatura brasileira romântica apresenta já uma faceta a nível de temas e linguagem. Dentro do Romantismo brasileiro, há autores com diferentes facetas:
        » Gonçalves Dias: nasceu no Maranhão e estudou em Portugal. A sua poesia é formada pelos cânones clássicos, tendência europeia e uma sintaxe portuguesa resultante do facto de ter feito os seus estudos em Portugal.
        » José Alencar: nasceu no Ceará e deslocou-se para o Rio de Janeiro, São Paulo, onde se formou. É um poeta brasileiro sem preocupação pelos modelos portugueses.
        » Castro Alves: é natural da Baía.
    Um tema muito caro aos românticos brasileiros é o indianismo, com as suas características e valores.

        Indianismo

     Esta é uma das principais características do Romantismo brasileiro, ou seja, é um item identificador do Romantismo brasileiro. A independência foi um fator fundamental no desenvolvimento do Romantismo, sobretudo a independência política e cultural. Mas para o desenvolvimento do Romantismo contribuíram outros fatores:
        - expressão do orgulho de ser brasileiro;
        - extensão do antigo nativismo (indianismo), tema relacionado com poetas como Bento
           Teixeira, Santa Rita, etc.;
        - desejo de criação de uma literatura independente e diversa, em que teria parte funda-
           mental a atividade intelectual.
    Havia, assim, a necessidade de criar uma literatura brasileira e nacional e uma das formas mais justificadas da literatura brasileira verdadeira radica no indianismo (anos 40-6o), cujos principais autores foram Alencar e Gonçalves Dias.

    Quanto às origens do indianismo, este resulta da busca de algo que fosse específico do Brasil e, assim, surge uma crescente utilização alegórica do índio. Esta utilização veio a servir como passado histórico, mas também como passado místico e lendário. O índio é utilizado enquanto protagonista de factos verídicos, mas também de lendas. É interessante a utilização do tema indígena como compensação pela inexistência de um passado medieval. Houve a necessidade de os autores brasileiros suscitarem um mundo poético que fosse digno e estivesse a par do manancial poético suscitado pelos europeus. Se estes procuram o passado no medievalismo, os brasileiros iam buscar o passado histórico ao índio e às suas lendas e, por isso, surge uma idealização do índio. Esta utilização do indígena como motivo corresponde a um desejo de individualização nacional e esta corresponde a uma individualização pessoal, que se reflete numa autonomia estética e política e no direito de exprimir direta e abertamente os sentimentos pessoais.

Bibliografia:
    - BOSI, História concisa da literatura brasileira (pp. 99-108).
    - COUTINHO, Afrânio, Literatura no Brasil.
    - CÂNDIDO, António, Formação da literatura brasileira, vol. I (pp. 9-22).

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Análise de Macunaíma, de Mário de Andrade


     É a ideia de «olhar com olhos livres» que vamos encontrar nesta obra, não só ao nível do assunto, de caráter quotidiano, mas também no uso de palavras simples; as palavras eruditas têm um uso ridículo.
    Esta convivência do bacharelismo é que vai dar a ideia de herói «sem caráter», o que não significa mau caráter; «sem caráter» tem o sentido de incaracterístico: não é índio, europeu ou negro, não é bacharel nem iletrado, mas a confluência de tudo isto.
    Tudo começa no nome: Macunaíma não é um nome propriamente brasileiro, mas sul-americano.
    Nesta obra, já não se nota a influência futurista, como nos textos de Oswald de Andrade: foi escrita em 1928, quando já tinham corrido seis anos após a realização da Semana de Arte Moderna. Já tinha decorrido também, em 1926, o Encontro Regionalista do Recife, que pretendia afirmar a brasilidade.
    Mário de Andrade escreve este texto como uma espécie de rapsódia, uma mistura de vários elementos, o que vem reforçar a ideia de herói sem caráter; é uma rapsódia de várias lendas brasileiras ou não.
    Na base da composição do romance está o fragmento, que se nota em dois níveis: ao nível temático e ao nível da descontinuidade narrativa. Em Macunaíma, não há uma sequência na ação, embora haja um fio condutor: a busca da Muiraquitã. O herói varia de espaço com incrível facilidade; ora quer uma coisa, ora quer outra; ora luta, ora deixa de lutar; ora "brinca", ora sente preguiça, etc. Isto ajuda a conceber Macunaíma igualmente como ser fragmentário: ora é corajoso, ora é covarde; ora é trabalhador, ora preguiçoso. Não tem um caráter definido, nem a nível moral, nem a nível físico (nasce preto, torna-se branco, mas tem características de índio).
    Em suma, é um herói incaracterístico e neste aspeto vamos encontrar um lado muito nacional e muito universal.

    Algumas características universais de Macunaíma são as seguintes:

        a) Tal como Galaaz, Macunaíma revela uma grande capacidade de deslocação rápida. É a característica do maravilhoso universal que se encontra também nas lendas (ex.: "Gato das Botas").

        b) Outra característica de Macunaíma, que é comum às narrativas de cavalaria, é a reversibilidade, capacidade de transformação.

        c) Outra característica partilhada por Galaaz e Macunaíma é a excecionalidade, a sobre-humanidade.

        d) O anacronismo é outra característica, também da lenda: não se subscreve a um tempo.

        e) Outro aspeto que caracteriza Macunaíma é o facto de ser um herói do povo, ser o ídolo das massas e não de uma elite (universalidade).

    O romance também tem características sul-americanas:

        a) O nome: Macunaíma.

        b) Certas lendas.

    A obra manifesta ainda dados de brasilidade:

        a) O caráter de miscelânea da obra faz-se sentir no próprio aspeto físico do herói: nasce preto, torna-se branco e tem características de índio.

        b) É raquítico, situação típica de fome, tão abundante no Brasil na época.

        c) Miscigenação cultural e religiosa: a religião de Macunaíma é uma religião de fachada, feita por imitação. Aqui faz-se uma crítica não só à literatura, mas à própria maneira de ser brasileira, que imita as coisas sem as interiorizar.

        d) É típico do brasileiro viver ao sabor do acaso, a sua falta de persistência.

        e) A luxúria: Macunaíma vive para "brincar".

        f) Caracterização típica do brasileiro: Macunaíma, por exemplo, quer trabalhar mas não sozinho, não tem persistência.

        g) Individualismo: é típico do brasileiro fazer o que quer sem pensar nas consequências sociais. Nota-se a falta de espírito coletivo.

        h) Macunaíma não se preocupa com os outros e faz o que lhe apetece, mesmo no momento mais inoportuno.

    Apesar de ser um livro «muito brasileiro», contém uma caricatura, uma crítica à maneira de ser brasileira. Não analisa o brasileiro do ponto de vista europeu, mas brasileiro. A obra contém uma forte crítica ao falso brilho: as personagens, quando se cansam, transformam-se em estrelas e o brilho alcançado é falso, alcançado sem esforço. É uma censura aos estilos anteriores, uma crítica ao artista ornamental (ex.: parnasiano); uma censura aos exageros sexuais e à linguagem balofa).

    Macunaíma nasce "no fundo do mato virgem", o que faz supor que era índio; mas, pelo contrário, era "preto retinto". Podia ser filho de índio, mas ter saído preto: caráter mestiço de Macunaíma.
    Ele é caracterizado como herói lendário (nasceu num momento de silêncio); é dotado de excecionalidade ("Já na meninice fez coisas de sarapantar"), mas também de uma grande preguiça, que vai caracterizar o povo brasileiro.
    No romance, temos um nítido dado do Modernismo brasileiro: o herói não é o índio como em Alencar, nem o negro como em Castro Alves, nem o branco, mas o herói mestiço. Tempos, por isso, uma linguagem igualmente mestiça: termos de origem tupi não para enfeitar, mas para afirmar a brasilidade; convivência do tupi com o português ("dandava para ganhar vintém"). Além de preguiçoso, Macunaíma gostava muito de "brincar".
    O facto de o herói respeitar os velhos e frequentar as danças religiosas da tribo caracterizam-no como índio. À dança vão-se juntando outros aspetos que corroboram o facto de ele gostar do ornamental. Ele gosta do brilho inútil que critica nas "cartas pra icamiabas". Ele é o símbolo do brasileiro na sua complexidade paradoxal. As suas contradições são resultado da mestiçagem.
    Até aos seis anos, Macunaíma não falou; depois passou a falar de repente e por um facto excecional. Outro tópico do Modernismo é o uso de uma linguagem do dia a dia, onde convivem o português literário com o popular ou vulgar. Está dentro daquilo que o Manifesto Pau Brasil chama "convivência de todos os erros".
    A natureza em Macunaíma não é idealizada como em Iracema, mas também participa dos sentimentos do herói como a jandaia. É uma natureza brejeira, que gosta de brincadeira. Há apenas a constatação de uma beleza natural.
    A nível linguístico, notamos um certo conservadorismo, mais comum no português do Brasil que no português de Portugal (ex.: "avoando").
    Desde pequeno, Macunaíma é visto como luxurioso, como tendo a capacidade de se transformar. Este facto vai repetir-se algumas vezes ao longo do capítulo, mas a repetição dos factos faz parte da estruturação lendária de Macunaíma; a repetição tem uma função fática na lenda.
    Temos um outro tipo de transformação em relação aos pássaros, que se transformam em pedra com o berreiro do herói.

    No capítulo II, temos o aproveitamento de várias lendas indígenas.
    Convém ainda referir o facto de ele matar a mãe e nada lhe acontecer (lenda americana), indício da falta de padrão, dado da brasilidade, o que não quer dizer falta de moral. Macunaíma vai ter um padrão de branco, pois aprecia as coisas da civilização, o que mostra uma colagem de elementos da selva e elementos da civilização.
    A transformação não é apenas apanágio de Macunaíma, mas no fim acontece com todas as personagens da história, ele é o "herói da nossa gente". Isto está bem patente na cena da lagoa, onde a personagem fica branca, ao contrário dos irmãos.
    Há uma tentativa de procurar um herói índio e nisto existe uma espécie de aceitação do olhar do branco sobre o negro, que sempre valorizou o índio. O padre António Vieira pedia aos negros que trabalhassem, pois os índios eram muito fraquinhos.

    A "Carta pras Icamiabas" é um elemento importante do romance. Se toda a obra realiza as propostas da Semana de Arte Moderna, valorizando o que há de brasileiro em termos temáticos e linguísticos, esta carta pode considerar-se uma espécie de antimanifesto; uma manifesto do que não se quer que aconteça. Toda a carta é uma grande paródia, não só da linguagem parnasiana, mas de toda a literatura anterior.
    Ao contrário de toda a obra, onde temos um discurso na 3.ª pessoa, aqui é Macunaíma que tem voz. O narrador do romance usa sempre uma linguagem moderna, em que convivem todos os erros; Macunaíma, que é o protótipo do herói brasileiro, vai usar uma linguagem que critica no resto do romance.
    Logo no início, "As mui queridas súbditas nossas, Senhoras Amazonas", critica o caráter de imitação do brasileiro, porque, ao invés de olhar para as icamiabas como icamiabas que são, as vê como as amazonas do mito clássico, marca claramente parnasiana. Usa a ironia para desmascarar a realidade brasileira.
    Macunaíma critica ainda abertamente as reflexões filosóficas de fim de século, quando fala da muiraquitã, palavra de origem indígena e que os sábios discutem por causa da grafia. O absurdo está em discutir a grafia de uma palavra que não se destinava a ser grafada. Tudo o que Macunaíma faz é colocar a ridículo a situação urbana, numa constante oposição entre floresta e escola.
    Ao usar expressões latinas como "sub tegmine faci", tece mais uma crítica ao Parnasianismo e, neste caso, a Bilac, que tem um poema em torno desta expressão. A correspondente brasileira é "ficar à sombra da bananeira". Macunaíma usa o brilho inútil da linguagem parnasiana.
    Ao dizer "Assim a palavra miraquitã, que fere já os ouvidos latinos do vosso Imperador..." mostra que já está imbuído de elementos da civilização. O Frei Luís de Sousa aqui referido não é a personagem da peça de Garrett, mas a personalidade verdadeiramente existente, um classicista do século XVI. Aqui é apontado como exemplo da linguagem clássica. Rui Barbosa foi não só um defensor da pátria, mas também um sábio que falava todas as línguas, como diz a lenda. Era um clássico da língua portuguesa, um cultor do português, que segue os padrões de Portugal e não do português importado, onde convivem "todos os erros", como querem os modernistas. É o símbolo do conservadorismo de valores culturais e nacionais. O seu conservadorismo está bem patente na crítica à citação, exemplo do brilho inútil.
    Ao falar de Freud, brinca com o saber de fim de século das descobertas psicanalistas. Mas será que está a aludir ao cientificismo do fim de século ou por aqui passa uma alusão já presente no Manifesto Pau Brasil em relação aos estilos de época anteriores? No Manifesto, afirma-se que quadro que não tivesse carneiro com lã virgem não prestava, uma clara crítica ao Realismo/Naturalismo, estilos vigentes na prosa, quando na poesia tínhamos o Parnasianismo.
    Por outro lado, tece uma crítica feroz à ancestralidade, pretendida nobre, das famílias brasileiras, à semelhança do que fizera Gregório de Matos em relação aos Caramurus da Baía. Aqui, Macunaíma critica os Cavalcantis de Pernambuco, que advogam ser descendentes de italianos (florentinos).
    Em vez de muiraquitã, usa agora uma palavra clássica, "velocino roubado", a que se referem a Medeia e os Argonautas. Toda a paródia se estrutura na linguagem clássica. Usa expressões clássicas para criticar não só o Parnasianismo, mas toda a importação de poesia que foi feita no Brasil até ao Modernismo. A paródia resulta ainda do uso da segunda pessoa do plural, que no Brasil é algo absurdo, bem como do uso da inversão ("Imperator vosso").
    A "Carta pras Icamiabas" mostra Macunaíma como um ser mestiço, biológica e culturalmente. É a junção de um comportamento civilizado com um selvagem.

    Na parte XVII, "Ursa Maior", Macunaíma, agora cansado e doente, vive sozinho, só acompanhado pelos papagaios, que se transformavam em periquitos para irem roubar o milho aos ingleses.
    Temos ainda uma postura de Macunaíma, que é uma postura típica do brasileiro: gosto pelo brilho inútil, como comportamento importado (pelo Parnasianismo), mas também assumido por ele. Até ao Modernismo, toda a literatura brasileira fora de importação: começou no Barroco e foi até ao Parnasianismo. O grande símbolo do brilho inútil será a última transformação de Macunaíma, que, não tendo conseguido os seus intentos, se transforma em estrela.
    Este capítulo tem ainda outra recusa do que é importado: troca-se o saber do cientista alemão pelo saber popular. A ideia do cientista dizer que a Ursa Maior tem relação com o saci mostra o engano da investigação de quem é de fora. Mas o facto de se referir a Ursa Maior, que tem uma configuração que lembra o Brasil, mostra que Macunaíma é o símbolo do brasileiro.
    Além da junção de elementos da civilização com elementos da selva ("com todo o estenderete dele, galo galinha gaiola revolver relógio numa constelação"), que mostra o perfil de Macunaíma, temos também a recuperação de lendas nacionais com uso de uma linguagem popular. Macunaíma aponta para muitas ideias do Manifesto Pau Brasil: "Bárbaro e nosso"; "contribuição de todos os erros".

    Como elementos modernistas temos:
        👉 crítica à importação: ninguém mais conhece as lendas pátrias;
        👉 recurso ao lendário nacional, aos elementos da selva, à linguagem universal.
    O caráter de inverosimilhança do romance tem um objetivo: não é dar-lhe um tom mítico, porque o mito é algo que não aceita discussão, mas um tom mitológico, porque gira em torno de lendas. Só é um mito na medida em que explica as lendas, mas afasta-se dele por causa da crítica ao brasileiro e à importação.
    Macunaíma é um herói doente, que vive rodeado de saúva; é o símbolo que usa a feitiçaria, que vive rodeado, mas não pensa nela. É um herói que tanto usa as coisas da civilização, como as renega. As atitudes paradoxais da personagem têm, no romance, um sentido crítico.
    O romance, embora difícil de entender, insere-se perfeitamente no ideário do Modernismo; embora pareça desestruturado, tem uma estrutura lógica interna: impossibilidade de ver o Brasil com olhos de fora.

Análise do poema "O Capoeira", de Oswald de Andrade


  
– Qué apanhá sordado?
– O quê?
– Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
 
            Este poema de Oswald de Andrade traz para a poesia um facto quotidiano: nos quatro versos, o «eu» poético sugere um confronto entre um capoeirista e um soldado. Esse confronto sucede, porque o capoeirista provoca o soldado (“Qué apanhá sordado?”) e o chama para a luta.
            Durante muito tempo, os capoeiristas foram vistos de forma preconceituosa, isto é, como arruaceiros, e muitas vezes eram presos por praticar a sua arte. No caso desta composição, o «eu» propõe uma inversão: em vez de o capoeirista ser vítima da arbitrariedade da polícia, é ele quem provoca o soldado.
            O último verso indicia a concretização da luta: o capoeirista investe contra o soldado, derruba-o, provavelmente com um golpe de capoeira. Note-se que o conflito é descrito à maneira cubista, isto é, em partes, como um mosaico de imagens.
            O registo de língua predominante no diálogo é o popular: “qué”, “apanhá”, “sordado”, vocábulos repetidos anaforicamente no terceiro verso, à exceção do último. Qual é o objetivo do poeta ao colocar na boca do capoeirista a linguagem popular? Deste modo, ele reproduz a fala de um indivíduo simplório, uma linguagem dinâmica que traduz a visão da briga, semelhante à capoeira. No último verso, chave de ouro do texto, terminado o diálogo, a sintaxe está correta, isto é, de acordo com a norma gramatical.
            O diálogo e a linguagem quotidiana são características do Modernismo. Temos então a anulação das fronteiras que encontramos no Manifesto. Outra coisa que é típica do Modernismo, mas principalmente de Oswald de Andrade, é a ideia de progresso, de rapidez; é a poesia feita rapidamente. Por outro lado, no poema está presente a visão da literatura nacionalista, fundamentada nas características naturais do povo brasileiro.

Análise do poema "Canto do regresso", de Oswald de Andrade


             Este poema foi escrito por Oswald de Andrade em 1924, quando o poeta regressou ao Brasil após a sua estadia na Europa, e publicado pela primeira vez na revista “Pau Brasil”, aparecendo posteriormente no livro homónimo, de 1925.

            Por outro lado, a composição constitui uma paródia de “Canção do Exílio”, da autoria de Gonçalves Dias, de 1843, uma paródia forte e profundamente crítica contra a alienação social, marcada pelo humor. Dito de outra forma, estamos perante um diálogo entre um modernista do século XX (Oswald de Andrade) e um romântico do século XIX (Gonçalves Dias). O poema deste último, de cariz romântico, foi publicado na obra Primeiros Cantos, de 1857, e apresenta um sujeito lírico que, distante da sua terra natal, expressa a saudade da sua pátria através da lembrança da fauna e da flora características do Brasil. O título é diferente; possuem praticamente as mesmas palavras, mas, em vez de idealizar, ele exagera. Além disso, ambos os textos abordam o nacionalismo ao citarem a saudade da terra natal, paisagens brasileiras e riquezas do país.

            A intenção de Oswald de Andrade ao parodiar o poema de Gonçalves Dias passa por romper com as estruturas do passado, fazer uma revisão crítica histórico e cultural e evidenciar uma nova identidade brasileira, tudo características do Modernismo.

            O tema da composição prende-se com o nacionalismo, outro traço modernista, mas, apesar disso, o poema não deixa de evidenciar os aspetos negativos que fizeram parte da história brasileira ao mencionar o termo «palmares», que constitui uma alusão ao Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência à escravidão. De facto, ao referir-se-lhes, em vez de «palmeiras», faz uma alusão a Zumbi dos Palmares, um escravo fugido, símbolo da abolição, configurando, pois, uma referência crítica à escravidão no Brasil. De forma sintética, a referida substituição vocabular não foi aleatória, visto que «palmares” se refere ao local de resistência em que os negros escravizados se refugiavam, liderados por Zumbi dos Palmares. Assim sendo, este poema aponta para algo que é ignorado na poesia de Gonçalves Dias: o período da escravatura, que marca a identidade nacional (do Brasil). Por outro lado, quando o poeta usa o diminutivo «passarinhos», em vez de «aves», usado por Gonçalves Dias, rompe com a estética do Romantismo, uma forma de aproximar a linguagem da forma mais simples e livre possível, característica do Modernismo.

            Oswald de Andrade joga, logo nos versos iniciais, com os advérbios de lugar «aqui»/«lá», que sugere a distância espacial que separa o «eu» da sua terra, sendo que, no caso deste poema, a sua saudade é delimitada a São Paulo, à Rua 15, ao progresso de São Paulo. Ainda na primeira estrofe regista-se a quebra do canto do sabiá, na palmeira. A “terra” do «eu» “tem palmares”, onde quem gorjeia é o mar, facto geograficamente correto. No terceiro verso, o sujeito poético refere o canto dos passarinhos, desvinculando-os do espaço-referência da canção matriz (o sabiá a cantar na palmeira).

            A segunda estrofe gira em torno de uma ideia nacionalista, visto que o «eu» relaciona as virtudes da sua terra (“mais rosas, mais ouro, mais terra”).

            A terceira estrofe é uma sequência que confirma a ideia da anterior e nela o sujeito poético dirige uma súplica a Deus: que não o deixe morrer sem voltar à sua terra (“Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”). O último verso desta estrofe é retomado / repetido no primeiro da quarta e, no seguinte, em sequência, o «eu» especifica e delimita o «lá»: “Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”. Assim, a sua terra é São Paulo e o que lhe causa saudade é a Rua 15 (“Sem que veja a Rua 15”), símbolo do progresso e da pujança económica do Estado.

            Este poema expressa a saudade da sua terra, mas de modo menos idealizado do que os românticos faziam, já que, por exemplo, os elementos naturais, muitos valorizados pelos poetas românticos, como as “rosas” e os “passarinhos”, são referidos ao lado de elementos característicos do século XX, época em que esta composição foi dada à estampa, como a referência ao “progresso de São Paulo”, a qual sugere a ideia de um país que se industrializava. Por outro lado, São Paulo sintetiza toda a pátria brasileira.

            Outro traço modernista presente no poema prende-se com o uso da forma reduzida da preposição «para» no antepenúltimo do verso do poema, muito comum na oralidade e que se afasta da norma gramatical, em razão de os modernistas subvertem os padrões gramaticais com o intuito de aproximar a literatura da oralidade do português do Brasil.

Análise do "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade


             O Manifesto Antropófago (ou Manifesto Antropofágico) foi escrito por Oswald de Andrade e publicado na primeira edição da Revista de Antropofagia, lançada em 1928, constituindo o principal texto do movimento modernista brasileiro.

            Este manifesto tem como vertentes a recusa da importação literária e a ideia de uma poesia e literatura realmente brasileiras: “olhar com olhos livres” foi a ideia que ficou como grande marca, pois significa que não se deve seguir nenhuma escola, mas usar as coisas como elas são. De facto, antes a cultura brasileira em geral limitava-se a reproduzir o que era feito no estrangeiro; agora, este texto clama aos artistas brasileiros por originalidade e criatividade, pretendendo celebrar o multiculturalismo, a miscigenação.

            A intenção passava por não negar a cultura estrangeira, mas absorvê-la, processá-la e misturá-la com os elementos da cultura brasileira, visando a promoção de uma independência cultural, a partir da intertextualidade e do beber em diversas fontes.

            O manifesto foi buscar a designação ao grego «Anthropos» (antropo), termo que significava “homem” e que está na origem de múltiplas palavras da língua portuguesa (antropologia, antropólogo, etc.). Por seu turno, “fagia” (fago) advém do grego «phagein», que queria dizer “comer”. Assim sendo, “antropófago” remete para a ideia de canibalismo, que, no manifesto, ganha um sentido simbólico e metafórico. Logo no início, o autor afirma o seguinte: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Ora, estas frases sintetizam a ideia central do documento. Já no título encontrávamos uma palavra que remetia para o mesmo campo semântico. Neste caso, a ideia é a de que a cultura brasileira deve «comer», «deglutir» a cultura do «outro» (estrangeira) e incorporá-la na brasileira, expandindo-se para outros setores: social, económico e filosófico. Por outro lado, estamos na presença de outro dado simbólico: o canibalismo do índio tinha como objetivo incorporar as características positivas da sua vítima.

            Em sentido semelhante vai a apropriação adulterada de um extrato de Hamlet, peça de Shakespeare (“To be or not to be”): «Tupi, or not tupi that is the question». Trata-se de intertextualidade, da apropriação da cultura de outro povo para a adaptar à realidade local. Por outro lado, estamos na presença de uma forma de homenagem ao autor britânico e um gesto de criatividade ao proceder-se à reinterpretação de uma frase clássica.

            Por outro lado, o termo «manifesto» remete para uma “declaração pública em que se expõem os motivos que levaram à prática de certos atos que interessam a uma comunidade” ou para um “texto programático de uma escola literária ou de um movimento literário” (in Infopédia). Assim sendo, a escrita de um manifesto possui um viés político e ideológico e visa a persuasão.

            A ideia do manifesto surgiu quando Tarsila do Amaral, casada com Oswald de Andrade, lhe deu como presente de aniversário o quadro “Abaporu” (aba = homem; poru = que come), pintado em 1928. Ao ver a pintura, o poeta Raul Bopp questionou Oswald: “Vamos fazer um movimento em torno desse quadro?”


domingo, 11 de setembro de 2022

Análise do Manifesto modernista brasileiro


     O Manifesto é escrito de uma forma parodística. A paródia é uma composição paralela, podendo ser corrosiva ou não. Pode, então, ser só mera paráfrase ou corrosiva; normalmente, teve o sentido corrosivo. É o que acontece aqui.
    O primeiro poema que vai abrir o Manifesto Pau-Brasil intitula-se "escapulário". Foi escrito em minúsculas, porque os autores não pretendiam valorizar coisa alguma; apenas igualar. O poema é o seguinte:
                No Pão de Açúcar
                De cada dia
                Dai-nos senhor
                A Poesia
                De cada dia.
    Escapulário é um saco com algo bento para proteger o seu usuário. O texto reitera o título, pedindo proteção. Em vez da poesia ser elaborada, ela já está pronta. A paródia é evidentemente ao Pai Nosso, escapulário e à religião. O Modernismo entra nesse tipo de paródia para mostrar que a poesia está em tudo.
    O primeiro nome do Brasil foi Ilha de Vera Cruz; nasce, portanto, sob o signo da religião católica. Os autores iniciais da literatura brasileira mostram a sua preocupação em salvar as almas e no lucro da terra. Temos a associação entre a fé e o império.
    O Pão de Açúcar é um tipo de forma de montanha da idade terciária. O escapulário dá a ideia de proteção. A ideia de usar a paródia serve para mostrar que a poesia está em tudo e não vem do trabalho de elaboração nem de exploração.
    As correntes anteriores baseavam-se na elaboração no trabalho. A grande crítica que tecem é dirigida ao Parnasianismo: veem este movimento como uma importação descabida.

            Análise do Manifesto

    1. Não vai atrás se coisas elevadas. Em nenhum momento procura coisas poéticas; vai acabar com a distinção entre factos poéticos e não poéticos, palavra poética e palavra não poética.
    Também é evidente o gosto pela cor forte ("acre", "verde", "azul"), que vai ser acatado também pelo Cubismo, que defende a geometria da forma.
    O Modernismo brasileiro vão aceitar a mestiçagem. Na poesia barroca, temos a recusa da ancestralidade da mestiçagem indígena. Temos também uma crítica à componente negra do Brasil. Por seu lado, no Romantismo valoriza-se o índio, mas não é colocado em papéis principais. O Parnasianismo não fala nela. Cruz e Sousa, casado com uma negra, quando fala dela, é como se a visse como uma deusa.
    Aqui as coisas são aceites como elas são. O Carnaval é uma festa, tão importante como qualquer outra festa religiosa, apesar de pagã.
    Temos também a desvalorização da música de elite: "Wagner submerge ante os cordões do Botafogo".
    O Pau-Brasil é constituído por uma mistura de tudo, aceitando a miscigenação, Apagam-se as fronteiras entre a fé e o pagão, entre música de composição erudita e a popular: vatapá / o ouro / dança - coisas díspares.
    N.B.
        - Rompe as fronteiras entre arte e não arte.
        - Usa elementos considerados poéticos e não poéticos.
        - Vale-se da paródia.

    2. Nesta parte, começa a falar de um aspeto importante da cultura do Brasil.
    Rui Barbosa, autor da viragem do século, foi um grande orador baiano: defendeu o Brasil na questão das fronteiras, nos tribunais de Haia na Holanda, conseguindo ganhar a causa. O mito que o rodeia fez dele um homem mais inteligente do que o que é na realidade.
    É um representante daquela linha de Parnasianismo/Positivismo que inspira a Academia Brasileira de Letras.

    3. Alusão à saudade de Coimbra. A ideia que a poesia do Brasil vem sempre da Europa, tinha de ser importada.

    4. Alusão à especialização.

    5. Crítica às correntes anteriores. O teatro é algo mais popular; a invenção e a imaginação pertencem a uma visão algo romântica.

    6. O Modernismo inspira-se mesmo na "língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neo- / lógica. A contribuição milionária de todos os erros. / Como falamos. Como somos."

    7. Critica a advocacia: desde a colonização que temos estudantes de Direito; a primeira faculdade criada foi precisamente a de Direito.

    8. "Houve um fenómeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo". A obra de arte única cai por terra e todas as pessoas podem ser artistas.
    A escultura como obra única também cai por terra: "Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano." Temos a paródia dos parnasianos.
    Fica a ideia de que o progresso faz cair a ideia da obra de arte única.

O Modernismo no Brasil


     Como reação à poesia de viragem do século XIX (Simbolismo, Parnasianismo...), vai aparecer, já em pleno século XX, um movimento que teve os seus antecedentes, mas cujo marco foi uma semana de três dias: a "Semana de Arte Moderna", que decorreu nos dias 20, 21 e 22 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.
    Porquê São Paulo? É que, no final do século, houve um facto que provocou uma grande alteração na economia brasileira: a abolição da escravatura e a consequente falta de mão de obra nas grandes fazendas. Isto fez surgir a necessidade de importar mão de obra barata e estrangeira. Esta imigração tem várias precedências: Portugal (temos como exemplo de emigrantes portugueses o bem sucedido representado por Miranda, o razoavelmente sucedido - Romão, e o que tenta ganhar o pão do dia a dia, de que são exemplo Jerónimo e Piedade); Itália e Alemanha, depois da guerra. Esta imigração vai trazer o desenvolvimento económico de S. Paulo e o consequente desenvolvimento cultural.
    Mas a Semana de Arte Moderna congrega também artistas do Rio de Janeiro e vai projetar-se noutros estados, que não apenas São Paulo.
    Os modernistas eram vistos como pessoas doidas; na Semana de Arte Moderna, recusaram com fundamento as estéticas anteriores, aludindo que eram importadas. As estéticas podem ser construtivistas e não construtivistas. As primeiras são aquelas que dizem como deve ser a nova estética; as segundas só dizem como não deve ser. O Futurismo e o Cubismo são movimentos construtivistas.
    O movimento Dada, que teve origem em Berlim no início do século XX, não deixa coisas escritas, porque não é construtivista. As suas ideias consistem em acabar com toda a perenidade da arte; assim, insurgem-se contra os museus, porque estes são vistos como elementos de consagração.
    As suas primeiras exposições de arte plástica continham objetos que não eram dignos de serem expostos: esta era uma forma de dizer que cada um consagra aquilo que quer. Criam uma forma de arte designada «ready-made» - já pronto. Passou-se do conceito de arte elaborada para o já feito; a poesia é o que se diz a qualquer momento.
    Este movimento teve por chefe Tzvetan Tzara. A palavra «dada» tem várias interpretações: não quer dizer coisa nenhuma; cavalo. Ao que parece, não queria dizer nada. Quando os elementos que pertencem a este movimento tentaram escrever algo, o «Dada» desapareceu porque ele pretendia a desconstrução.
    O Futurismo tenta consagrar o progresso, a máquina, o movimento, etc. É isto que vamos encontrar no movimento Pau-Brasil e nos poemas de Oswald de Andrade. Este movimento também tem o seu lado Dada, porque rompe com as correntes anteriores. Tem como objetivo voltar às origens do Brasil.

HM Queen Elizabeth II (VIII)


Ruben Oppenheimer

 

Análise do poema "Crê"


    O uso do soneto serve para o desenvolvimento racional do tema, mas serve também para sugerir. O «crê» é uma exortação, um incentivo que já estava presente no poema anterior. O clima de exortação vai conferir ao poema um tom de idealização, que é próprio do Romantismo, usando uma forma do Parnasianismo. É um poema herdeiro do idealismo romântico: "Toda a alma necessita / De uma esfera de cânticos, bendita, / Para andar crendo e para andar gemendo!" Assim, neste poema temos ideias e tópicos de escolas diferentes: a exortação remete-nos para o idealismo romântico; o partir do particular para o genérico é uma técnica parnasiana e a ideia de transcendência aproxima-o do Simbolismo.
    A ideia de transcendência também aparece em Antero, mas neste o alcance do «êxtase bendito» é feito por uma depuração do espírito; é muito racionalista, ao contrário de Cruz e Sousa, que é mais emocional: é a dor que transcendentaliza. Há quase um certo gozo na dor.
    O último terceto envolve o poema num certo clima etéreo, clima este que nos vai ser proporcionado pelo Simbolismo.

sábado, 10 de setembro de 2022

Análise do poema "Acrobata da dor"


     Este poema está mais próximo do Parnasianismo. O tema - o contraste entre o interior e o exterior - é desenvolvido de forma racional, sem apelo à sugestão. É um soneto com todos os requisitos que esta forma impõe:
        . colocação
        . desenvolvimento
        . síntese do tema
    O tema fala da superação da dor pelo palhaço, designado por quatro diferentes: "palhaço", "clown", "gravoche" e "acrobata da dor".
    Enquanto o Parnasianismo preferia paisagens físicas, aqui temos alguém que fala do sentimento de um palhaço, mas mascarado pelo riso. Há um distanciamento do «eu» lírico. Esta forma racional de abordar o tema é já parnasiana.
    Mas quem é o palhaço? O palhaço é o coração: "Ri! coração, tristíssimo palhaço." Ao usar a terceira pessoa, há um distanciamento relativamente ao objeto: o coração pode ser o dele ou o de outro qualquer.
    Esta forma de abordar o interior sem cair no lirismo derramado do Romantismo, mas abordando-o de forma racionalista é o que vamos encontrar em Antero de Quental, que procurou um Romantismo racionalista. Ora, também o soneto era uma forma cara a Antero, que foi apreciado por Cruz e Sousa.

Análise do poema "Arte", de Cruz e Sousa


     "Arte" é um poema claro, conciso e com certa objetividade. A maneira de expor é parnasiana, mas a busca de palavras raras, velhas mostra já um certo simbolismo. Está numa confluência de estilos. Há a ideia simbolista do conteúdo se sobrepor à forma. Daí a ideia de que o verso deve ser certeiros, mas ter um grande alcance. Não há o submeter da ideia à forma, como em Bilac.
    Neste poema, temos ainda presentes as ideias de sugestão e de apelo a todos os sentidos, o que é típico do Simbolismo. Mas ao longo de todo o texto, assistimos a uma tenção entre o Parnasianismo e o Simbolismo, alternando estrofe a estrofe, ora ideias parnasianas, ora simbolistas.

    No Brasil, foram os poetas parnasianos que tiveram projeção; os simbolistas eram vistos como poetas de subúrbio. Isto acontece por aspetos variados. Por exemplo, quando Bilac era rico e médico, Cruz e Sousa era negro e filho de escravos e um autodidata. É a imagem do poeta marginal. Isto é importante inclusive para ver como a cultura brasileira se organiza nesta época. Daí o Modernismo ir contra o Parnasianismo.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...