Por outro lado, a composição
constitui uma paródia de “Canção do Exílio”, da autoria de Gonçalves Dias, de
1843, uma paródia forte e profundamente crítica contra a alienação social,
marcada pelo humor. Dito de outra forma, estamos perante um diálogo entre um
modernista do século XX (Oswald de Andrade) e um romântico do século XIX
(Gonçalves Dias). O poema deste último, de cariz romântico, foi publicado na
obra Primeiros Cantos, de 1857, e apresenta um sujeito lírico que, distante
da sua terra natal, expressa a saudade da sua pátria através da lembrança da
fauna e da flora características do Brasil. O título é diferente; possuem
praticamente as mesmas palavras, mas, em vez de idealizar, ele exagera. Além
disso, ambos os textos abordam o nacionalismo ao citarem a saudade da terra
natal, paisagens brasileiras e riquezas do país.
A intenção de Oswald de Andrade ao
parodiar o poema de Gonçalves Dias passa por romper com as estruturas do
passado, fazer uma revisão crítica histórico e cultural e evidenciar uma nova
identidade brasileira, tudo características do Modernismo.
O tema da composição prende-se com o
nacionalismo, outro traço modernista, mas, apesar disso, o poema não deixa de
evidenciar os aspetos negativos que fizeram parte da história brasileira ao
mencionar o termo «palmares», que constitui uma alusão ao Quilombo dos
Palmares, símbolo da resistência à escravidão. De facto, ao referir-se-lhes, em
vez de «palmeiras», faz uma alusão a Zumbi dos Palmares, um escravo fugido,
símbolo da abolição, configurando, pois, uma referência crítica à escravidão no
Brasil. De forma sintética, a referida substituição vocabular não foi
aleatória, visto que «palmares” se refere ao local de resistência em que os
negros escravizados se refugiavam, liderados por Zumbi dos Palmares. Assim
sendo, este poema aponta para algo que é ignorado na poesia de Gonçalves Dias:
o período da escravatura, que marca a identidade nacional (do Brasil). Por
outro lado, quando o poeta usa o diminutivo «passarinhos», em vez de «aves»,
usado por Gonçalves Dias, rompe com a estética do Romantismo, uma forma de
aproximar a linguagem da forma mais simples e livre possível, característica do
Modernismo.
Oswald de Andrade joga, logo nos
versos iniciais, com os advérbios de lugar «aqui»/«lá», que sugere a distância
espacial que separa o «eu» da sua terra, sendo que, no caso deste poema, a sua
saudade é delimitada a São Paulo, à Rua 15, ao progresso de São Paulo. Ainda na
primeira estrofe regista-se a quebra do canto do sabiá, na palmeira. A “terra”
do «eu» “tem palmares”, onde quem gorjeia é o mar, facto geograficamente
correto. No terceiro verso, o sujeito poético refere o canto dos passarinhos,
desvinculando-os do espaço-referência da canção matriz (o sabiá a cantar na
palmeira).
A segunda estrofe gira em torno de
uma ideia nacionalista, visto que o «eu» relaciona as virtudes da sua terra (“mais
rosas, mais ouro, mais terra”).
A terceira estrofe é uma sequência
que confirma a ideia da anterior e nela o sujeito poético dirige uma súplica a
Deus: que não o deixe morrer sem voltar à sua terra (“Não permita Deus que eu
morra / Sem que volte para lá”). O último verso desta estrofe é retomado / repetido
no primeiro da quarta e, no seguinte, em sequência, o «eu» especifica e delimita
o «lá»: “Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”. Assim, a sua
terra é São Paulo e o que lhe causa saudade é a Rua 15 (“Sem que veja a Rua 15”),
símbolo do progresso e da pujança económica do Estado.
Este poema expressa a saudade da sua
terra, mas de modo menos idealizado do que os românticos faziam, já que, por
exemplo, os elementos naturais, muitos valorizados pelos poetas românticos,
como as “rosas” e os “passarinhos”, são referidos ao lado de elementos
característicos do século XX, época em que esta composição foi dada à estampa,
como a referência ao “progresso de São Paulo”, a qual sugere a ideia de um país
que se industrializava. Por outro lado, São Paulo sintetiza toda a pátria
brasileira.
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