Português: Análise do poema "Canto do regresso", de Oswald de Andrade

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Análise do poema "Canto do regresso", de Oswald de Andrade


             Este poema foi escrito por Oswald de Andrade em 1924, quando o poeta regressou ao Brasil após a sua estadia na Europa, e publicado pela primeira vez na revista “Pau Brasil”, aparecendo posteriormente no livro homónimo, de 1925.

            Por outro lado, a composição constitui uma paródia de “Canção do Exílio”, da autoria de Gonçalves Dias, de 1843, uma paródia forte e profundamente crítica contra a alienação social, marcada pelo humor. Dito de outra forma, estamos perante um diálogo entre um modernista do século XX (Oswald de Andrade) e um romântico do século XIX (Gonçalves Dias). O poema deste último, de cariz romântico, foi publicado na obra Primeiros Cantos, de 1857, e apresenta um sujeito lírico que, distante da sua terra natal, expressa a saudade da sua pátria através da lembrança da fauna e da flora características do Brasil. O título é diferente; possuem praticamente as mesmas palavras, mas, em vez de idealizar, ele exagera. Além disso, ambos os textos abordam o nacionalismo ao citarem a saudade da terra natal, paisagens brasileiras e riquezas do país.

            A intenção de Oswald de Andrade ao parodiar o poema de Gonçalves Dias passa por romper com as estruturas do passado, fazer uma revisão crítica histórico e cultural e evidenciar uma nova identidade brasileira, tudo características do Modernismo.

            O tema da composição prende-se com o nacionalismo, outro traço modernista, mas, apesar disso, o poema não deixa de evidenciar os aspetos negativos que fizeram parte da história brasileira ao mencionar o termo «palmares», que constitui uma alusão ao Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência à escravidão. De facto, ao referir-se-lhes, em vez de «palmeiras», faz uma alusão a Zumbi dos Palmares, um escravo fugido, símbolo da abolição, configurando, pois, uma referência crítica à escravidão no Brasil. De forma sintética, a referida substituição vocabular não foi aleatória, visto que «palmares” se refere ao local de resistência em que os negros escravizados se refugiavam, liderados por Zumbi dos Palmares. Assim sendo, este poema aponta para algo que é ignorado na poesia de Gonçalves Dias: o período da escravatura, que marca a identidade nacional (do Brasil). Por outro lado, quando o poeta usa o diminutivo «passarinhos», em vez de «aves», usado por Gonçalves Dias, rompe com a estética do Romantismo, uma forma de aproximar a linguagem da forma mais simples e livre possível, característica do Modernismo.

            Oswald de Andrade joga, logo nos versos iniciais, com os advérbios de lugar «aqui»/«lá», que sugere a distância espacial que separa o «eu» da sua terra, sendo que, no caso deste poema, a sua saudade é delimitada a São Paulo, à Rua 15, ao progresso de São Paulo. Ainda na primeira estrofe regista-se a quebra do canto do sabiá, na palmeira. A “terra” do «eu» “tem palmares”, onde quem gorjeia é o mar, facto geograficamente correto. No terceiro verso, o sujeito poético refere o canto dos passarinhos, desvinculando-os do espaço-referência da canção matriz (o sabiá a cantar na palmeira).

            A segunda estrofe gira em torno de uma ideia nacionalista, visto que o «eu» relaciona as virtudes da sua terra (“mais rosas, mais ouro, mais terra”).

            A terceira estrofe é uma sequência que confirma a ideia da anterior e nela o sujeito poético dirige uma súplica a Deus: que não o deixe morrer sem voltar à sua terra (“Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”). O último verso desta estrofe é retomado / repetido no primeiro da quarta e, no seguinte, em sequência, o «eu» especifica e delimita o «lá»: “Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá”. Assim, a sua terra é São Paulo e o que lhe causa saudade é a Rua 15 (“Sem que veja a Rua 15”), símbolo do progresso e da pujança económica do Estado.

            Este poema expressa a saudade da sua terra, mas de modo menos idealizado do que os românticos faziam, já que, por exemplo, os elementos naturais, muitos valorizados pelos poetas românticos, como as “rosas” e os “passarinhos”, são referidos ao lado de elementos característicos do século XX, época em que esta composição foi dada à estampa, como a referência ao “progresso de São Paulo”, a qual sugere a ideia de um país que se industrializava. Por outro lado, São Paulo sintetiza toda a pátria brasileira.

            Outro traço modernista presente no poema prende-se com o uso da forma reduzida da preposição «para» no antepenúltimo do verso do poema, muito comum na oralidade e que se afasta da norma gramatical, em razão de os modernistas subvertem os padrões gramaticais com o intuito de aproximar a literatura da oralidade do português do Brasil.

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