Português: O Romantismo no Brasil

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O Romantismo no Brasil


     Em finais do século XVIII e princípio do XIX, houve uma série de fatores sociais que provocaram uma nova forma de escrever com novos valores: Revolução Francesa, Revolução Industrial, que vai originar a ascensão da burguesia. Foram factos que marcaram uma época e uma nova maneira de pensar, que se vai contrapor ao Classicismo. Por exemplo, à fixação de regras contrapõe-se o espírito criativo do escritor.
    A nível social, dá-se o desenvolvimento de certas classes a par da queda de outras: ascende a burguesia e decai a nobreza. Temos ainda outras classes sociais, como o campesinato, a classe operária, que vai influenciar a geografia e o modo de vida nas cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro. E conforme se definem as classes, assim surgem novas formas de pensar:
        = a nobreza vive em função de um sentimento de saudade do que perdera;
        = a burguesia surge como uma visão eufórica do que havia adquirido (uma nova liberdade);
        = o operariado tem uma visão de existência inquieta e de liberdade;
        = o campesinato mantém uma atitude inconsciente, sem se aperceber das modificações que se vão operando.
    Concretamente no Brasil, no século XIX as coisas não eram como tinham sido nos séculos anteriores. Com a independência, as ligações com a metrópole desaparecem, mas mantêm as estruturas que tinham a nível agrícola, social e económico: predomínio dos grandes latifúndios, escravatura e uma economia baseada na exportação. Os latifúndios eram importantes, porque representavam o poder dos grandes senhores que cultivavam a terra mediante a força de trabalho negra. O país não podia desenvolver-se porque tudo era exportado e nada revertia a favor do país.
    Apesar de se ter manifestado antes, é com a independência que o Romantismo se vai constituir e desenvolver. Eram essencialmente os filhos destes grandes latifundiários que procuravam as grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Baía) ou portuguesas (Lisboa, Coimbra) para receberem uma instrução mais profunda, como é o caso de José Alencar. Com efeito, sendo a costa brasileira tão extensa e irregular, ela apresenta pontos que se aproximam mais de Portugal, o que leva alguns poetas e escritores a optarem por Lisboa para se enriquecerem culturalmente, por ser mais perto. Além dos filhos dos grandes senhores, também outros procuravam instrução: filhos de comerciantes e profissionais liberais (ex.: Gonçalves Dias e Castro Alves); e de pessoas mais humildes (ex.: Manuel António de Almeida, que teve de lutar muito para conquistar um lugar na literatura brasileira). Estes três tipos de sociedade respondem às questões mundiais da mesma forma que os europeus.
    Como um dos temas do Romantismo era a procura do passado, José Alencar e G. Dias sentem a necessidade de fundamentar a burguesia e a nova nobreza e, assim, surge Iracema, para fundamentar essas classes num passado mítico. Como eles não tinham um passado medieval como os portugueses para radicarem as suas raízes, voltaram-se para o mundo índio. Também aí aparecem outras temáticas típicas do Romantismo, como o sonho, o exotismo e o evasionismo.
    Castro Alves pertence a um outro momento do Romantismo, que era um movimento mais de caráter oratório; não tinha uma verdadeira preocupação pelo que se passava. Mas claro que em Castro Alves nós vamos encontrar uma escrita preocupada com a defesa do negro e a abolição da escravatura, mas uma escrita muito imbuída de oratória.

        Alguns temas do Romantismo

        1. Exotismo e Medievalismo: o romântico é um ser desiludido com a realidade envolvente, que para ele representa algo de efémero, finito e imperfeito. Entra, então, em conflito com essa realidade e procura uma evasão no tempo e no espaço. A evasão no espaço conduz ao exotismo, ou seja, à busca de paisagens estranhas; uma fuga no tempo condu-lo ao medievalismo, ou seja, a época preferida para a evasão é a Idade Média.
    Por outro lado, o romântico procura fazer uma reprodução fiel e pitoresca do país, região ou época, ao que se chama «cor epocal». Ele procura a valorização do espírito do povo: volksgeist. Cada povo tem um espírito e uma genuinidade que devem ser respeitados e as suas características deviam passar para a literatura.

        2. Atitude egocentrista: o sujeito é o fulcro, que entra em conflito com a sociedade e daí procurar uma evasão no tempo e no espaço. Outro modo de solucionar esse conflito é procurar a solidão.
    Na base de todas as teorias românticas, encontramos a doutrina do «eu absoluto», caracterizado como possuindo uma energia infinita e um dinamismo infinito.

        3. A natureza é expressiva, ou seja, tem um significado próprio. A natureza aparece em função do estado de espírito do sujeito, que não é alegre; pelo contrário, o romântico manifesta o gosto pelo anoitecer, pelas florestas, castelos, abismos, etc. É um tipo de natureza que favorece a imaginação, a evasão, o sonho e a contemplação. A natureza chega a encarnar expressões anímicas. Por exemplo, em Gonçalves Dias aparecem expressões como "silêncio do ocaso", "ímpeto do vento", etc. Estas expressões, que são sentidas pelo homem, passam a ser sentidas pela natureza com os românticos.

        4. Saudade do que se julga perdido.

        5. «Sehnsucht» e «mal du siècle»: a busca do «eu absoluto» é um incentivo para o romântico, só que esta também se torna um drama porque surge o desencanto quando não se alcança esse absoluto. No Romantismo, há sempre uma busca, o que traduz um estado de permanente ansiedade, porque se caminha para algo longínquo. Aqui, surgem os dois lados da moeda, isto é, a procura da realização das potencialidades consideradas infinitas do «eu» - sehnsucht - e, por outro lado, temos a frustração por não se conseguir essa realidade absoluta - mal du siècle.

        6. Amor e morte: estas duas realidades, para os românticos, andam sempre ligadas. O amor surge como destino, que eleva o poeta a sofrer. O amor raramente é felicidade; é sempre dor, sofrimento e ciúme. Além disso, o amor há de levar à morte (ex.: Iracema).

        7. Herói e nação: para os românticos, a ideia de nação é muito forte, porque representa uma força edificante. Daí a preocupação que o romântico manifesta ao intervir na vida política do seu país. Veja-se em Portugal o exemplo de Alexandre Herculano e Almeida Garrett. A ideia de nação está sempre presente, até porque vínhamos de um período de lutas liberais, que no Brasil vão fortalecer a ideia de nação.

        8. Florescimento da História.

        9. Valorização de elementos indígenas e culto do folclore: os românticos procuram sobretudo uma revitalização das línguas com os seus elementos específicos.
    Isto vai originar no Brasil dois movimentos importantes: indianismo e regionalismo, que se ligam ao aspeto da «cor epocal», o que vai definir sobretudo o Romantismo de Alencar, que apresenta uma visão totalmente diferente do índio, não referindo a cor da sua pele.
    Quanto ao herói, ele é a pessoa que traz a verdade e que deve cumprir grandes missões, isto não só em relação às personagens das obras, mas também em relação ao poeta, que tinha a obrigação de modificar o que estava mal na sociedade. Claro que estes temas não aparecem todos na literatura brasileira, onde há características que definem cada um dos temas gerais do Romantismo.
    A nível estético, o Romantismo traz consigo importantes modificações. A obediência a regras e a formas fixas desaparece em face da necessidade de liberdade dos românticos, que viam as regras como um corte no ímpeto dos poetas.
    Os estudantes brasileiros não vêm agora para Portugal, mas vão para outros países europeus, como a França e a Inglaterra. Começam mesmo a afastar-se dos modelos estéticos portugueses. Aliás, não foi em Portugal que o Romantismo primeiro surgiu, mas sim em alguns países da Europa e, por isso, é natural que algumas ideias que surgem no Brasil não tenham chegado a Portugal, mas resultassem do contacto dos brasileiros com o Romantismo europeu. Surge uma nova escrita que reflete a liberdade expressiva do sujeito.
    A nível de formas, o soneto e a ode e a epopeia são substituídos por formas representativas do movimento: a balada, a canção, que eram tipos de poemas sem forma fixa. A rima é um pouco deixada de lado, bem como a divisão em estrofes. É também com o Romantismo que surge o romance histórico, que tinha a mesma função da epopeia, mas sem regras fixas. Surge ainda o género dramático e aqui foi fundamental a negação da lei das 3 unidades, que era importantíssima no teatro clássico e, assim, surge o drama romântico.
    A nível métrico, retoma-se a forma medieval da redondilha maior e menor com ritmo regular e a quadra. Como já disse, aparece ainda o romance, que é um dos géneros mais importantes do Romantismo: romance autobiográfico, epistolar, histórico, etc. O romance é privilegiado por ser mais acessível ao público, que aí procurava encontrar a projeção dos seus conflitos pessoais e das suas realizações. Surge também a novela.

    
    Houve uma primeira forma de introdução ao Romantismo, que surge em França e que foi introduzido por G. Magalhães. É um romantismo muito artificial, ou seja, usam-se os temas românticos, mas de forma artificial, porque não está ligado ao Brasil. Por exemplo, o tema do amor surge de forma abstrata e sem ligação à realidade brasileira.
    São importantes dois tipos de publicações:
        » Saudades e suspiros poéticos (1836);
        » Revista "Niterói" (1836).
    A data de 1836 corresponde à primeira data, em que um brasileiro escreve algo com características românticas, mas sem ligação à realidade brasileira. Ele continua ligado a formas fixas, a manifestações neoclássicas. Além de não retomar os temas principais do Romantismo, não usa certos princípios como a liberdade de expressão. Escreveu poesia, romance e um poema épico chamado "Confederação dos Tamoios". Mas entretanto Alencar já tinha escrito Iracema e, por isso, o seu objetivo de escrever um poema indígena ficou em segundo lugar.
    A segunda forma surge no Brasil com Gonçalves Dias e José Alencar. Apresenta os seguintes subtítulos:
        » A busca dos elementos que definem a nacionalidade.
        » Retorno ao medievalismo e orgulho das raízes do Brasil, que radicam no índio.
    Porém, esta evolução cultural resulta de uma mutação política. Tudo começou em 1808, quando D. João VI se muda para o Brasil, levando consigo a corte, fugidos das Invasões Francesas. Este facto vem dar um grande poder ao Brasil, além de que D. João abre os portos ao comércio estrangeiro, o que é importante, porque todo o comércio era feito antes através de Lisboa. O rei levou também um património cultural importante. Liberaliza também a economia brasileira e Portugal fica sem a sua principal fonte de riqueza. Em 1822, seu filho, D. Pedro I declara a independência do reino, o "Grito do Ipiranga", que se reflete ao nível da literatura. A independência literária manifesta-se no falar das coisas e das origens e na linguagem falada.
    A sintaxe de Gonçalves Dias é diferente da de Alencar.
    Dentro desta segunda forma, temos dois momentos:
        » O primeiro momento é marcado por Alencar e G. Dias (índio).
        » O segundo momento é o de Castro Alves (negro).
    Na Europa, o operariado evidencia-se; há a luta pela defesa do homem e da mulher. Tudo isto são questões sociais que influenciam a literatura romântica. Nos EUA, surge o abolicionismo, que vai influenciar o Brasil com Castro Alves, que escreve uma poesia abolicionista, que vai defender o negro, sendo contra a escravatura e a exploração do negro. Ele vai assim constituir o segundo momento.
    Em todo este movimento, há outros autores importantes, como Manuel António de Almeida, Álvares de Azevedo, Laurindo Rabelo, etc.
    Embora ainda haja um compromisso com temas e valores europeus, a literatura brasileira romântica apresenta já uma faceta a nível de temas e linguagem. Dentro do Romantismo brasileiro, há autores com diferentes facetas:
        » Gonçalves Dias: nasceu no Maranhão e estudou em Portugal. A sua poesia é formada pelos cânones clássicos, tendência europeia e uma sintaxe portuguesa resultante do facto de ter feito os seus estudos em Portugal.
        » José Alencar: nasceu no Ceará e deslocou-se para o Rio de Janeiro, São Paulo, onde se formou. É um poeta brasileiro sem preocupação pelos modelos portugueses.
        » Castro Alves: é natural da Baía.
    Um tema muito caro aos românticos brasileiros é o indianismo, com as suas características e valores.

        Indianismo

     Esta é uma das principais características do Romantismo brasileiro, ou seja, é um item identificador do Romantismo brasileiro. A independência foi um fator fundamental no desenvolvimento do Romantismo, sobretudo a independência política e cultural. Mas para o desenvolvimento do Romantismo contribuíram outros fatores:
        - expressão do orgulho de ser brasileiro;
        - extensão do antigo nativismo (indianismo), tema relacionado com poetas como Bento
           Teixeira, Santa Rita, etc.;
        - desejo de criação de uma literatura independente e diversa, em que teria parte funda-
           mental a atividade intelectual.
    Havia, assim, a necessidade de criar uma literatura brasileira e nacional e uma das formas mais justificadas da literatura brasileira verdadeira radica no indianismo (anos 40-6o), cujos principais autores foram Alencar e Gonçalves Dias.

    Quanto às origens do indianismo, este resulta da busca de algo que fosse específico do Brasil e, assim, surge uma crescente utilização alegórica do índio. Esta utilização veio a servir como passado histórico, mas também como passado místico e lendário. O índio é utilizado enquanto protagonista de factos verídicos, mas também de lendas. É interessante a utilização do tema indígena como compensação pela inexistência de um passado medieval. Houve a necessidade de os autores brasileiros suscitarem um mundo poético que fosse digno e estivesse a par do manancial poético suscitado pelos europeus. Se estes procuram o passado no medievalismo, os brasileiros iam buscar o passado histórico ao índio e às suas lendas e, por isso, surge uma idealização do índio. Esta utilização do indígena como motivo corresponde a um desejo de individualização nacional e esta corresponde a uma individualização pessoal, que se reflete numa autonomia estética e política e no direito de exprimir direta e abertamente os sentimentos pessoais.

Bibliografia:
    - BOSI, História concisa da literatura brasileira (pp. 99-108).
    - COUTINHO, Afrânio, Literatura no Brasil.
    - CÂNDIDO, António, Formação da literatura brasileira, vol. I (pp. 9-22).

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