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domingo, 12 de janeiro de 2020

Análise da Cena 4 do Ato III de Frei Luís de Sousa

Assunto

Nesta cena, Telmo, num monólogo em forma de solilóquio, expressa em voz alta as suas preocupações, as suas dúvidas, em suma, o seu dilema.


Elementos da cena

Segundo Carlos Reis (Frei Luís de Sousa, Leituras Orientadas, pp. 80-81, Porto Editora), neste monólogo «estão concentrados dois sentidos, que dizem respeito a um drama interior vivido por Telmo:
. O sentido da fidelidade ao antigo amo, uma fidelidade que agora está em crise.
. O sentido da culpa pelo facto de a fidelidade ao passado ter sido perturbada: o afeto sentido por Maria foi mais forte.
Para além disso, as palavras de Telmo confirmam os presságios e as ameaças: ou seja: quem por várias vezes, no primeiro ato (sobretudo na cena 2), expressou a crença de que o passado não estava morto, confirma agora, pela chegada do romeiro, que os presságios estavam certos. Convém lembrar; neste momento Telmo ainda não sabe que o romeiro é o próprio D. João de Portugal, seu antigo amo.».


Conflito interior de Telmo

Telmo Pais sempre desejou o regresso de D. João de Portugal e sempre acreditou que estaria vivo e iria, efetivamente, regressar. Porém, agora que sabe que está vivo é confrontado com um dilema terrível: o amor a Maria versus o amor a D. João.
No momento em que o sonho alimentado durante 21 anos (a vida e o regresso de D. João, que ele criou como um filho) está prestes a concretizar-se, Telmo não se sente feliz, pois apercebe-se de que vive um conflito insanável, já que tem dois filhos, mas, para um existir, o outro tem de desaparecer: «Virou-se-me a alma toda com isto: não sou já o mesmo homem.». Além disso, conclui que o amor por Maria superou («apagou») o que dedicava ao antigo amo, por isso fica amargurado com a possibilidade de ela morrer em resultado dos recentes acontecimentos. A jovem é um anjo que não merece tanto sofrimento. E tudo isto o deixa dividido, confuso e aterrado.
Com efeito, Telmo já não é o mesmo homem, dado que já não tem a certeza de desejar o regresso do primeiro amo e dado que o amor por este foi suplantado pelo amor por Maria.
Na parte da final da cena, Telmo oferece a sua vida em sacrifício em troca da de Maria, pois pressente a morte próxima desta: «Levai o velho que já não presta para nada, levai-o, por quem sois!».

Estilisticamente, o conflito de Telmo é traduzido pelo recurso às reticências e frases interrompidas, as quais traduzem fielmente a dificuldade que a personagem tem em concluir os seus pensamentos, que se cruzam, atropelam e precipitam. Por outro lado, as exclamações refletem a sua emotividade, enquanto as interrogações traduzem as suas dúvidas.
Relativamente à adjetivação, possuem uma carga profundamente negativa (“aterrado”, “confuso”, “terrível”), traduzindo o estado de espírito de Telmo e a sua lancinante divisão interior. Nota também para determinadas expressões que exprimem, igualmente, o conflito, a dor e a angústia da personagem: «Virou-se-me a alma toda»; «Perdoe-me Deus se é pecado», etc.
O uso do diminutivo “inocentinho” reflete o carinho e o amor de Telmo por Maria, mas, por outro lado, evidencia a fragilidade desta.


Personagens e linguagem dramática

Citando novamente Carlos Reis (op. cit.), «Embora esteja só em cena, Telmo parece acompanhado por duas figuras ausentes:
. Maria, esta “última filha” (II. 10-11), “aquele anjo” (ll. 12-13) que ocupou o lugar que antes pertencia a D. João. Maria é filha, evidentemente, apenas no sentido afetivo.
. D. João de Portugal, o “filho que eu criei nestes braços” (l. 6), assim considerado no mesmo sentido afetivo.
Estas duas personagens são a razão do dilema de Telmo, como se nele existissem duas personalidades em conflito: uma que está ligada ao passado, outra que está situada no presente.
Pela intensidade daquele dilema (que não atinge nenhuma outra personagem do Frei Luís de Sousa), Telmo já foi considerado a personagem principal da ação. O seu comportamento, nesta cena, apresenta, além disso, uma forte teatralidade, criada por recursos de linguagem dramática:
. Toda a fala de Telmo revela as emoções que ele expressa através de exclamações, reticências e interrogações.
. Junta-se a isto a linguagem do corpo, quando Telmo se ajoelha.
. Em certo momento, a personagem dirige-se a Deus e transforma o monólogo em diálogo com essa divindade invisível.
A cena termina com uma situação tipicamente teatral. Telmo não vê que o romeiro entra em cena; ao falar no ser “inocentinho que eu criei para Vós, Senhor” (ll. 18-19), ele é entendido pelo romeiro como estando a referir-se a D. João, É isso que se percebe logo na abertura da cena seguinte: “Não pedias tu por teu desgraçado amo, pelo filho que criaste?”, pergunta o romeiro a Telmo. A resposta confirma o engano e deixa o romeiro/D. João de Portugal consciente de que todos o abandonaram.».

Didascália inicial do ato III de Frei Luís de Sousa


NOTAS:

1.ª) Se compararmos o espaço onde decorrem os três atos, constatamos que há um afunilamento progressivo desse mesmo espaço. Com efeito, no ato I, a câmara onde a ação decorre tem duas grandes janelas para o exterior e duas portas desimpedidas. Já o segundo ato decorre num espaço fechados, sem janelas e com portas cobertas de reposteiros, ocupando lugar de destaque uma tribuna que comunica com a Capela da Senhora da Piedade, da igreja de São Paulo dos Domínicos. Por último, o ato III decorre num espaço ainda mais fechado (o piso inferior do palácio de D. João), cuja única porta de comunicação para o exterior dá para a tal capela.

2.ª) O espaço em que decorre o último ato é um casarão sombrio, decorado apenas com objetos litúrgicos, associados às cerimónias religiosas, em especial à Semana Santa, e com ligação direta à capela (onde decorrerá a tomada de hábito e se concretizará a morte de Maria), configurando um afunilamento/concentração do espaço ao longo da peça.

3.ª) O espaço descrito simboliza a clausura e o aprisionamento das personagens; por outro lado, trata-se de um local que sugere desconforto, frieza, tristeza.

4.ª) A nota sobre o tempo coloca a ação a decorrer quando é alta noite, o que, à semelhança do espaço, permite concluir pelo afunilamento desta categoria do texto dramático, o qual é intencional. Os antecedentes da ação, que abarcam um longo período de 21 anos, são apenas evocados nas falas das personagens, ocupando a intriga propriamente dita apenas uma semana. O segundo e o terceiro atos sucedem num dia, o que confirma que estamos perante uma forte concentração temporal.tt

5.ª) Por outro lado, simbolicamente, a noite está associada à morte, o que se pode relacionar com o facto de todos os elementos da família morrerem no final da peça: Manuel de Sousa e D. Madalena morrem para a vida, isto é, morrem psicologicamente, e Maria morre fisicamente. No entanto, se considerarmos que a alta noite antecede a manhã de um novo dia, a noite alta representa simbolicamente a possibilidade de redenção dos pecados através do renascimento e da purificação proporcionados pela religião, mais concretamente pela tomada de hábito (estaríamos, assim, na presença do processo de morte seguida de ressurreição, ideia prenunciada pelos elementos do cenário que remetem para a Semana Santa).

6.ª) A luminosidade do ambiente é escassa. Mergulhado na penumbra, o cenário, apenas iluminado por «tocheiras», «tocha acesa e já gasta», «vela acesa», propicia uma introspecção profunda onde tudo indicia a “entrada” para a vida religiosa, para a Ordem dos Dominicanos, ideia acentuada pela presença das «alfaias e guisamentos de igreja» e pelo hábito.

7.ª) A cruz negra com o letreiro, aliadas aos restantes elementos ligados à vida religiosa, simboliza que alguém passará por sofrimento, sacrifício, martírio e morte para a vida mundana.

8.ª) O jogo penumbra / luz e o ambiente secreto, intimista, de intenso recolhimento possibilitam o encontro do «eu» com os mais recônditos lugares do seu espaço interior.

9.ª) A obra não obedece à unidade de espaço, pois decorre em lugares diferentes, embora todos os acontecimentos decorram em Almada.

10.ª) O espaço ganha uma dimensão trágica, pois fecha-se gradualmente, não possibilitando a saída das personagens para a dimensão física da vida.
A progressiva escassez de elementos decorativos e de luminosidade adensam a atmosfera trágica que culminará na catástrofe.

11.ª) O espaço, despojado (não há elementos de decoração, os adereços e o mobiliário são reduzidos ao mínimo), tumular, prenuncia o fim das inquietações terrestres e a entrega à espiritualidade. Os bens e os valores materiais e mundanos são abandonados. Predominam os adereços necessários à realização de cerimónias religiosas: tocheiras, cruzes, círios e outras alfaias e guisamentos de igreja, etc.). Todos estes elementos se adequam ao desenrolar do terceiro ato, dado que Manuel de Sousa e D. Madalena vão professar como forma de expiar a sua culpa.

12.ª) O facto de a ação decorrer de madrugada, de acordo com os princípios românticos, contribui para adensar a atmosfera funesta.

13.ª) Não há qualquer ligação ao exterior. As saídas dão unicamente para a capela e para os baixos do palácio de D. João.

sábado, 11 de janeiro de 2020

Análise da Cena 1 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Esta primeira cena do terceiro ato liga-se à última do anterior. Essa ligação é estabelecida pela fala inicial de Manuel de Sousa: “Oh minha filha, minha filha!”. Ora, o ato precedente termina com D. Madalena a sair espavorida da sala, gritando por Maria, a principal vítima da desgraça que se abateu sobre a família após a certeza de que D. João de Portugal está vivo.


Assunto

Nesta cena, apresentam-se as decisões tomadas após a descoberta de que D. João de Portugal está vivo (e regressou, embora deste último facto tenham conhecimento unicamente Frei Jorge, Manuel de Sousa e o arcebispo).


Caracterização de Manuel de Sousa Coutinho

▪ Manuel de Sousa sente-se extremamente infeliz e conturbado por causa da ilegitimidade da filha, pela qual se sente responsável. Mais concretamente, a sua preocupação centra-se nos efeitos que os novos desenvolvimentos terão na frágil saúde de Maria e com as consequências sociais da sua ilegitimidade. Ele está convicto que a filha acabará por morrer perante a «afronta» que lhe é feita: a doença vai-a minando e debilitando, o que faz com que a sua resistência aos acontecimentos será muito pouca.

▪ Manuel de Sousa considera que o seu casamento com D. Madalena foi um erro e não um crime (faz tal afirmação, pois casou-se sem uma prova inequívoca da morte de D. João de Portugal, não obstante a esposa o ter procurado durante 7 anos por todo o lado). Porém, não considera o seu casamento um crime, visto que as suas ações foram praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério e bigamia. Dito de outra forma, um crime deve ser punido, enquanto um erro, ainda por cima involuntário, pode ser cometido sem se ter a consciência de que se está a errar, pelo que merecerá uma sanção menos pesada.

▪ Pode ler-se aqui uma crítica velada à sociedade da época, pois condena uma família à destruição, por causa do desaparecimento de alguém ocorrido há mais de vinte anos.

▪ É um homem dominado por um profundo sentimento de culpa: sente-se culpado pela ilegitimidade da filha, pelo mal causado a D. João e pela vergonha com que cobriu o nome da família.

▪ Considera-se mais infeliz do que o Romeiro, pois, além de tudo, carrega a certeza de ser o verdadeiro culpado pela desgraça que recai sobre todos. De facto, Manuel de Sousa considera ter sido ele (1) o causador da destruição de D. João; (2) o causador da sua desonra, da da esposa e da filha; (3) o culpado de toda a desgraça, mas ser a filha inocente a grande vítima da situação.

▪ A situação de Maria leva-o a, por um lado, desejar que ela viva (“Peço-te vida, meu Deus, peço-te vida, vida… vida para ela,”), pois é uma vítima inocente (é o amor de pai a falar), e, por outro, a pedir a sua morte (“meu Deus! eu queria pedir-te que a levasses já”), já que tem consciência das consequências que se irão abater sobre a filha, que será marginalizada pela sociedade (“vai cair toda essa desonra, toda a ignomínia, todo o opróbrio.”). É um pai a sangrar pela desonra que se abateu sobre a filha.

▪ Considera D. Madalena uma «infeliz» e «desgraçada» por ter sido arrastada por ele para a vergonha e para a infâmia.

▪ As atitudes corporais de Manuel de Sousa (os atos de se levantar e de apertar a mão do irmão enquanto fala) demonstram o seu nervosismo e a sua aflição.

▪ O seu discurso reflete a emotividade que o caracteriza ao longo da cena: frases curtas (“Oh, minha filha, minha filha!”), alternando com frases longas de construção erudita (terceira fala de Manuel de Sousa); apóstrofes (“Olha Jorge”); hipérboles (“bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”; “A lançar sangue?... Se ela deitou o do coração”); metáforas (“para pôr tudo na testa branca e pura de um anjo”); frases de tipo exclamativo e interrogativo. Todos estes recursos conferem ao discurso uma grande intensidade dramática.

▪ Manuel de Sousa está prestes a ingressar no convento e a tornar-se Frei Luís de Sousa.

▪ Note-se o contraste entre o Manuel de Sousa Coutinho que encontramos nos atos I e II e aquele que nos é dado a conhecer nesta cena. De facto, nos atos anteriores, a personagem surgiu em palco como um homem sensato, racional, determinado, pragmático e corajoso, porém, agora, após a chegada do Romeiro e o agravamento do estado da filha, revela-se uma figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado, quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família, quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.

▪ Nesta mesma cena, é possível observar que a personagem oscila entre a emotividade e a racionalidade. A primeira, bem ao gosto romântico, manifesta-se essencialmente sempre que se refere a Maria, enquanto a racionalidade que o caracterizava anteriormente aflora quando, após analisar a situação em conjunto com Frei Jorge, assume a tomada de hábito como a solução mais adequada para o problema.


Caracterização de Frei Jorge

▪ A principal função de Frei Jorge é ser o confidente e conselheiro do irmão, informando-o (sobre o destino da mulher e da filha), orientando-o e consolando-o, após as terríveis notícias.

▪ Quando Manuel de Sousa se diz o homem mais infeliz na Terra, Frei Jorge recorda-lhe a situação de D. João de Portugal, que perdeu tudo quanto tinha.

▪ Procura consolar o irmão, dizendo-lhe que encontrará a paz e a redenção na religião, mas não deixa de o chamar à razão de forma inflexível, impedindo-se de se deixar cegar pelo seu sofrimento e desespero.

▪ A sua fé e a sua lucidez orientam as ações de Manuel de Sousa, que está incapaz de decidir racionalmente.

▪ Procura manter-se tranquilo e sensato, não se deixando dominar pelos acontecimentos funestos. Ele aceita-os como resultado da vontade divina, que não pode ser contestada.

▪ É um homem prático perante as circunstâncias, por isso prepara a entrada de Manuel de Sousa e de D. Madalena no convento, que considera ser a única possibilidade para o casal remediar a situação.


Informações sobre o passado recente

O diálogo que ocorre nesta cena entre os dois irmãos veicula um conjunto de informações sobre o que se passou no curto espaço de tempo que mediou entre o final do ato anterior e o início deste:
- D. Madalena e Manuel de Sousa decidiram entrar na vida religiosa como solução para o problema;
- o estado de saúde agravou-se desde a chegada a Lisboa;
- somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei Jorge conhecem a identidade do Romeiro, que chegará ao conhecimento das outras personagens por fases (“Demais, o segredo de seu nome verdadeiro está entre mim e ti, além do arcebispo.”);
- Maria não sabe dos últimos acontecimentos em torno de D. João de Portugal;
- Telmo irá encontrar-se com o Romeiro, a pedido deste.


Linguagem e recursos estilísticos

Metáforas e hipérboles: de caráter religioso, traduzem o sofrimento das personagens e apontam para a ideia de morte:
. “bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”;
. “cobri-lhas de um véu de infâmia que nem a morte há de levantar, porque lhe fica perpétuo e para sempre lançado sobre o túmulo a cobrir-lhe a memória de sombras… de manchas que se não lavam!”;
. “Já que te não pode apartar o cálix dos beiços”;
. “cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a sepultura uma loisa de ignomínia, um epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre mim”.


Características românticas:
. forma do texto: escrito em prosa;
. religiosidade: referências ao cristianismo e ao culto religioso – preparação da tomada de hábito;
. o tema da morte, encarada como a melhor solução para os conflitos;
. o individualismo: o confronto entre o indivíduo e a sociedade.


Características trágicas

▪ A hybris de Manuel de Sousa, que chega a desejar a morte da filha face à sua ilegitimidade.

▪ Os indícios de tragédia: quando Manuel de Sousa a designa por «anjo» , prenuncia a sua morte, o seu abandono do mundo terreno, visto que os anjos não pertencem ao mundo físico terreno.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Análise da Cena 15 do Ato II de Frei Luís de Sousa

Comentário da cena

Frei Jorge, atónito, ainda não completamente esclarecido, interroga o Romeiro para desfazer as últimas dúvidas. No entanto, é para ele que está reservada a última surpresa:
JORGE – «Romeiro, romeiro, quem és tu?»
ROMEIRO (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal) – «Ninguém».
O vocábulo posto na boca do Romeiro – ninguém (pronome indefinido) – encerra uma grande carga dramática e psicológica. Por um lado, é o desenlace trágico de uma situação insustentável; por outro, resume todo o sofrimento e a desilusão do Romeiro, que nada mais pode esperar da vida familiar. De facto, o sentido da palavra é abrangente: D. João de Portugal é ninguém no sentido de não ser esperado por nenhum dos seus familiares, que organizaram a sua vida na base da sua morte; a sua própria casa já não lhe pertence, está ocupada por um intruso. Assim, o Romeiro anula-se enquanto pessoa com identidade própria, por não ter existência para os outros, por não ter a vida a que tinha direito, uma vez que a sua própria família construiu, a partir da sua «morte», uma à sua. De facto, o Romeiro fizera todos os esforços para se manter vivo na Palestina e regressar a Portugal para a sua esposa, mas esta não só já não o esperava, como também construíra a sua felicidade em cima da sua «morte». Assim, apagado da memória da mulher que amava e era toda a sua família, D. João de Portugal perdeu tudo durante os 20 anos de cativeiro: – a família; – a identidade (ninguém o reconhece); – o lugar que era seu / a sua casa. D. João de Portugal, aniquilado, é o símbolo de Portugal. Além deste sentido, pode também ser interpretada como outra prolepse, uma antecipação do desenlace de D. João: o anonimato.
E ali está presente e vivo D. João, alçado no meio da casa, com aspeto severo e tremendo. Ele vem reclamar tudo a que tem direito: a casa, a esposa, o nome... Quem poderá negar-lhe esse direito? Que lei, divina ou humana, poderá ser invocada para, com justiça, lho negar?
Frei Jorge compreende, por fim, toda a verdade. E só então parece medir o alcance das implicações desastrosas que essa descoberta vai trazer para D. Madalena, para Manuel de Sousa e para Maria. Daí que Frei Jorge caia prostrado no chão, com os braços estendidos diante da tribuna, como a implorar do Céu remédio, para o que, desde agora, já não tem nem pode ter remédio.

NOTAS:

1.ª) A figura do Romeiro concretiza a figura de D. João:
. sem o seu aparecimento não haveria drama;
. é o agente destruidor da tranquilidade da família, aparentemente feliz;
. é uma espécie de fantasma ou entidade abstrata nos dois primeiros atos, que absorve os pensamentos de Madalena, Telmo, Manuel e do próprio Frei Jorge;
. no ato III, vai precipitar o desenlace trágico, apesar da sua atuação como personagem ser reduzida.
Sobre a figura do Romeiro, informa António José Saraiva: "O Romeiro é o portador da fatalidade: o aparecimento dele vem anular toda a vida que se erguera sobre o pressuposto da morte de D. João de Portugal; anular o segundo casamento da sua esposa viúva e riscar do rol dos vivos a filha que desse casamento nascera. O passado, que se julgava morto como um vulcão extinto, vem tragar os vivos que se tinham instalado na sua cratera.".

2.ª) O tempo (hoje) e o espaço (a área da moldura do retrato) atingem forte concentração, direcionando a ação dramática para a catástrofe.

3.ª) Esta é uma cena dispensável para os espectadores/leitores, que já sabem tudo; todavia, é importante para Frei Jorge que, além de acumular o máximo de informações, terá um papel importante a cumprir.

4.ª) Comparando esta cena com a última do primeiro ato, constata-se que são ambas espetaculares e que o paralelismo de construção é uma constante no Frei Luís de Sousa.

5.ª) Quem, além dos espectadores/leitores, fica a saber, no final do segundo ato, que o Romeiro é o próprio D. João de Portugal?
D. Madalena, ausente desde o fim da cena anterior, só ficou a saber pelas palavras do Romeiro-mensageiro que D. João de Portugal esteve sempre vivo durante todos aqueles anos, que estava ainda vivo nessa altura, que lhe enviou aquele estranho recado.
As restantes personagens encontram-se em Lisboa.
Só Frei Jorge, confidente qualificado, na dupla posição de irmão de Manuel de Sousa e cunhado de D. Madalena, e de sacerdote, recebe e percebe totalmente a informação de que conclui, sem dúvida, estar em presença do próprio D. João de Portugal.
Por isso, haverá outros momentos de anagnórise, de modo que todas as outras personagens, frente a frente, reconheçam no Romeiro o próprio D. João de Portugal.


Características trágicas (cenas 14 e 15)

▪ O simbolismo do tempo: D. João regressa numa sexta-feira (o4/08/1599), no vigésimo primeiro aniversário da batalha de Alcácer Quibir (sexta-feira)  21 = 7 (tragédia) x 3 (perfeição) = tragédia perfeita.

▪ Semelhança do assunto com as antigas tragédias gregas: a volta de D. João sob disfarce de um mendigo (Ulisses).

Hybris de D. João de Portugal
A hybris de D. João é anterior ao início da ação:
-» abandona a esposa, embora por razões nobres: acompanha o rei à guerra, em defesa do reino e da Fé, por motivos cavaleirescos; na sociedade feudal, aos nobres cabia combater, pelo rei e pela grei, e em defesa da Fé. Era este um dos ideais da cavalaria medieval. Por esse ideal se arriscava a vida, se sofria a morte, ou o cativeiro, e se atingia a glória: como diz Manuel de Sousa: "... não hajais medo que nos venha perseguir neste mundo aquela santa alma que está no céu, e que em tão santa batalha, pelejando por seu Deus e por seu rei, acabou mártir às mãos dos infiéis" (I, 8);
-» o abandono da esposa é um crime contra as leis e os direitos da família, porque a destrói. É um crime de impiedade;
-» embora vivo, depois da batalha, fica prisioneiro, é levado cativo para Jerusalém e, durante quase 21 anos, não dá notícias suas, embora contra vontade;
-» todos o consideram morto.

Agón de D. João de Portugal
Antes do regresso, na figura do romeiro-mensageiro, os conflitos com as outras personagens manifestam-se:
1. em D. Madalena, na consciência atormentada pelos remorsos;
2. em Telmo:
- nos ciúmes, nos agouros e profecias, na crença no regresso de seu amo, baseado nos dizeres de a célebre carta, escrita na madrugada da batalha;
- nas prevenções e nas opiniões desfavoráveis a Manuel de Sousa, em confronto com as qualidades de D. João;
- na animadversão contra Maria;
3. em Maria, nos sonhos premonitórios e na sagacidade com que perscruta as palavras e as meias-palavras, os silêncios, os olhares, os gestos da mãe e do pai, o conflito com Telmo, até lhe ser revelada a identidade da figura do retrato (II, 2).
Mas o conflito, face a face, com D. Madalena, verifica-se com a entrada do romeiro-mensageiro (II, 14), em todo esse diálogo de grande densidade.
Nessas frases do Romeiro, carregadas de duplos sentidos, de alusões veladas ou claras, mas sempre diretas, de ironias, de sarcasmos, de graves acusações, as palavras ferem como punhais; por isso este diálogo é, antes de tudo, um autêntico duelo de palavras, em que D. Madalena por fim sucumbe, naquele grito espantoso, em tom cavo e profundo, grito de coração – como indicam as rubricas
Em primeiro lugar, o Romeiro não é apenas um mensageiro, um qualquer que traz um recado. É um português "como os melhores": os melhores são os nobres, os aristocratas. É esse mesmo o significado da palavra. Em segundo lugar. Viveu nos Santos Lugares "vinte anos cumpridos". Em terceiro, operou-se nele uma grande mudança entretanto: "Estou tão velho e mudado do que fui". Em quarto, se houve mudanças físicas, os sentimentos, as paixões permaneceram: "... as paixões mundanas, e as lembranças dos que se chamavam meus segundo a carne travavam-me do coração e do espírito...". Em quinto, não tinha deixado descendência: "Eu não tenho filhos, padre". Em sexto, já não tem família: "Já não tenho família". A frase é ambígua; os advérbios marcam, com amarga ironia, o presente estado de coisas no seu lar, em confronto com o passado. E parentes? Amigos? "Os mais chegados, os que me importava achar... contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela". Esta resposta é uma alusão pungente e de amarga ironia à esposa infiel. E segue-se-lhe outra grave acusação: "Necessidade pode muito. Deus lho perdoará, se puder". Que sarcasmo e que crueldade do Romeiro contra D. Madalena. E ele prossegue: "De parentes já sei mais do que queria. Amigos, tenho um; com esse conto", numa referência óbvia a Telmo. Qual será a sua desilusão, quando mais tarde verificar que também perdeu esse amigo? Por fim, nova cruel ironia, novo sarcasmo: "Agora acabo; sofrei, que ele também sofreu muito".

Há ainda outros elementos desse conflito, na progressiva identificação do romeiro-mensageiro com a figura de D. João de Portugal:
1. Quem o encarregou de trazer o recado foi "... um honrado homem... a quem unicamente devi a liberdade... a ninguém mais". Esta frase ambígua é, todavia, muito clara para quem tivesse ouvidos para ouvir.
2. "... lágrimas de sangue que lhe vi chorar, que muitas vezes me caíram nestas mãos, que correram por estas faces. Ninguém o consolava, senão eu... e Deus!". A identificação está bem clara. Só uma espécie de anestesia moral muito inquietante, dadas as circunstâncias, é que poderá explicar a falta de clarividência de D. Madalena.
3. Mais claro ainda, se é possível: conhecê-lo-ia "Como se me visse a mim mesmo num espelho".
Mas, afinal, não bastou tudo isto. Foi preciso que Frei Jorge tomasse a iniciativa de obrigar o Romeiro a procurar, de entre os retratos, aquele que representava D. João de Portugal, para D. Madalena abrir por fim os olhos à evidência, e sucumbir, no fim deste duelo, desta luta de golpes certeiros.

▪ O aparecimento do Romeiro, pelo aspeto com que se apresenta, pela determinação de quem sabe o que faz e o faz do modo que quer, pela terrível mensagem de que é portador, pelo reconhecimento da sua verdadeira identidade:
. não é um acontecimento gratuito;
. nem desprovido de significado;
. antes verosímil e necessário, porque o argumento da tragédia gira à volta de um regresso do marido ausente, e porque assim o sentem as personagens envolvidas;
. constitui, portanto, uma autêntica peripécia, que se caracteriza por ser imprevista e imprevisível quanto ao mandatário, quanto ao teor da mensagem, quanto ao reconhecimento da personagem oculta.

▪ A peripécia é dinâmica, porque faz progredir e intensificar a ação (clímax) até ao ponto culminante (acmê).

▪ A intensificação da ação provoca sofrimentos terríveis (pathos), sobretudo em D. Madalena, mas também em Frei Jorge e, posteriormente, nas outras personagens.

▪ O ponto culminante corresponde ao momento do reconhecimento (anagnórise) da última cena.

▪ Verdadeira «reviravolta da fortuna», na designação aristotélica, a anagnórise precipita, por fim, o desfecho (catástrofe), pela grave modificação das posições relativas de cada personagem.


Duas notas finais:

1.ª) a extrema economia de meios, a densidade da «trama dos factos» e a concentração de efeitos (cenas 11 a 15);

2.ª) a forma como Garrett segue o preceito aristotélico: "A mais bela forma de reconhecimento é a que se dá com a peripécia".


sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Vida de Manuel de Sousa Coutinho

Antes de ser frade, chamava-se Manuel de Sousa Coutinho, nascido em Santarém cerca de 1555. Cavaleiro da Ordem Militar de Malta, Manuel de Sousa foi aprisionado por piratas e esteve algum tempo cativo em Argel (1576-77?), onde teria conhecido outro cativo ilustre, Cervantes. Por volta de 1584-86, de regresso a Portugal depois de dois anos passados em Valência, casou com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, desaparecido com D. Sebastião em Alcácer Quibir. Em 1599, foi nomeado capitão-mor de Almada. Em 1600, lançou fogo a uma das suas casas, para impedir que ali se hospedassem os governadores do Reino em nome do rei Filipe de Espanha, fugidos da peste que grassava em Lisboa. A causa do incêndio assenta em razões pessoais e não em hostilidade ao rei castelhano, de quem até recebera, em 1592, uma recompensa de 200$000.
Em 1613, quando já lhes falecera a única filha, Manuel e D. Madalena seguiram o exemplo recente dos Condes de Vimioso, professando ambos, ele no convento de S. Domingos de Benfica e ela no convento, dominicano também, do Sacramento. Sobre esta sua decisão de professar, entre várias opiniões que corriam, o primeiro biógrafo de Frei Luís de Sousa, Frei António da Encarnação, elegeu a seguinte e pouco verosímil versão: um peregrino trouxera a nova inesperada de que D. João de Portugal, desaparecido trinta e cinco anos atrás, vivia ainda na Terra Santa; assim, a vida em comum de Manuel e D. Madalena tornara-se impossível, pois este segundo casamento era nulo e insustentável. Foi esta versão que constituiu o ponto de partida do Frei Luís de Sousa.
No convento, levou uma vida austera e dedicou-se à escrita, tendo desempenhado também a função de enfermeiro – ele que fora guarda-mor da Saúde de Lisboa. Da sua pena saiu a obra Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga. Ainda se dedicou à ordenação e redação da História de S. Domingos particular do Reino e Conquistas de Portugal, um conjunto de monografias sobre os conventos dominicanos do país. Finalmente, escreveu por incumbência de Filipe III uns Anais de D. João III, publicados por Alexandre Herculano em 1844. Consta que terá escrito ainda outras obras, que se perderam.
Faleceu em 1632.

sábado, 30 de novembro de 2019

Análise da Cena IV do Ato I de Frei Luís de Sousa

Caracterização das personagens (a partir das cenas III e IV)

a. Maria:
. sebastianista fervorosa e nacionalista, crê que D. Sebastião está vivo e vai regressar;
. é uma espécie de porta-voz da sabedoria popular: “Voz do povo, voz de Deus”;
. lê muito (novelas de cavalaria e romances populares);
. manifesta interesse por temas impróprios para a sua idade: romances populares sobre D. Sebastião e a batalha de Alcácer Quibir;
. sofre ao observar o sofrimento da mãe, que não compreende;
. é bondosa, carinhosa e terna com a mãe;
. muito precoce, possui uma imaginação e curiosidade pouco próprias da sua idade: “Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas que são tão pouco para a tua idade”;
. pensa muito (“passo noites inteiras em claro a lidar nisto”; “a pensar em tudo”): Maria passa as noites em claro, a rever as suas atitudes e as dos pais, para tentar descobrir as razões da sua preocupação, por considerar que há algo que não lhe é revelado;
. tem sonhos estranhos, em cuja interpretação revela poderes de profecia: lê nos olhos e nas estrelas;
. é muito intuitiva;
. é alegre, mas sente-se subitamente invadida por grande tristeza (“uma tristeza muito grande que eu tenho”): essa tristeza está relacionada com a constante preocupação dos pais com ela; o seu poder intuitivo e de observação permitem-lhe perceber a preocupação dos pais com a sua saúde e crenças; quando pergunta à mãe por que razão o pai não tinha permanecido na Ordem de Malta e deixara o hábito, parece expressar o desejo de que o pai nunca o tivesse feito, o que corresponderia à sua inexistência; ela compreende que há algo que lhe escondem;
. é visionária e muito sensível: “não quero sonhar, que me faz ver coisas lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas…”;
. possui um conhecimento íntimo de si própria que escapa aos familiares: “O que eu sou… só eu o sei, minha mãe… E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou…”;
. é corajosa, de personalidade forte, destemida e idealista, dotado de caráter varonil, revelado no desejo de ter um irmão e de resistência aos governadores: “um galhardo e valente mancebo capaz de comandar os terços de meu pai”; “Tomara eu ver seja o que for que se pareça com uma batalha!”;
. insurge-se contra as injustiças sociais: “Coitado do povo!”; “… onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para atender com remédios e amparo aos necessitados (cena V);
. Frei Jorge chama-lhe Teodora, nome que significa sábia (cena V);
. é idealista e patriota, manifestando toda a sua vontade de resistir aos governadores: “Fechamos-lhes as portas. Metemos a nossa gente dentro e defendemo-nos.” (cena VI);
. fica entusiasmada com a notícia trazida pelo pai, dando largas à sua imaginação, ao seu idealismo e ao seu patriotismo;
. sofre de tuberculose, a doença dos românticos – sintomas:
- a febre
- as mãos a queimar
- as rosetas nas facetas
- a audição a grandes distâncias (cena VI)
modelo da heroína romântica:
. ideais de liberdade
. exaltação de valores de feição popular
. crença na independência nacional
. atração pelo mistério
. intuição
. doença da época (tuberculose)
. linguagem:

NOTAS:
1.ª) A doença de Maria favorece ao longo da obra a sua extraordinária fantasia e a morte no final.
2.ª) Maria tem duas atitudes contrastantes: uma de crítica, outra de afeto para com sua mãe. A alteração deve-se à observação do aspeto doloroso da sua mãe.

b. D. Madalena:
. sofre (chora) com as palavras de Maria;
. evidencia uma grande tensão psicológica, agravada pela menção inconsciente de Maria a aspetos que a aterrorizam;
. manifesta grande preocupação perante a precocidade da filha.

c. Telmo Pais:
. tem uma presença silenciosa, mas identifica-se com os ideais de Maria;
. contribui para o clima de opressão;
. aparenta resignação e convencimento;
. manifesta preocupação com a debilidade de Maria.


Características da tragédia

Agón de D. Madalena:
- com Maria: para esta, há um enigma que nem a mãe, nem o pai, nem mesmo Telmo se prontificam a decifrar; são segredos e mistérios intuitivamente pressentidos que não consegue desvendar:
. a razão por que nem a mãe nem o pai, apesar do seu patriotismo (“… que ele não é por D. Filipe, não é, não?”) acreditavam no regresso de D. Sebastião;
. a razão por que, quando em tal se falava, o pai mudava de semblante, e a mãe se afligia e até chorava;
- com D. João de Portugal, nas reações de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à crença popular da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião – cena III.

Agón de Maria:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (cena III) – D. Madalena não acredita, nem lhe convém acreditar nem uma coisa nem outra. Maria acredita firmemente;
. desconfia que a mãe oculta alguma coisa muito importante; por isso, está sempre atenta, a observar os sobressaltos, a ansiedade da mãe a seu respeito; por isso, lê nas palavras, nas ações e nos gestos da mãe (e do pai), à procura de indícios, de respostas para a sua curiosidade (cena IV);
. não pode cumprir as esperanças nela depositadas (cena IV);
. por isso, desejaria ter um irmão (cena IV);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (cena III), por causa das atitudes que ele toma, ao ouvir falar de D. Sebastião: “Ó minha mãe, pois ele não é por D. Filipe, não é, não?”;
. a hipótese não tem fundamento.
NOTA:
Este conflito de Maria com os pais, pois ambos não aceitam ouvir falar do regresso de D. Sebastião, tem razões óbvias: se o monarca não morreu, também não terá morrido D. João de Portugal; o segundo casamento de D. Madalena seria nulo.
- com D. João de Portugal (antes da mudança de palácio – cena IV):
. pressente intuitivamente que alguém, fazendo sofrer a mãe, também não a deixa ser feliz;
. por isso, procura uma resposta, com os meios ao seu dispor: “… leio… nas estrelas do céu também, e sei cousas…”; “… não quero sonhar, que me faz ver coisas… lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas”.
NOTA:
É da essência do drama provocar situações e sentimentos incompatíveis no interior das personagens:
. Maria não consegue explicar a perturbação dos pais;
. D. Madalena não pode revelar a causa das suas preocupações, o que se passa no foro da sua consciência.

▪ D. Madalena parece caída nas garras de um destino inexorável: a última fala de Maria da cena IV lança nela a dúvida se teria valido a pena ter casado uma segunda vez.

▪ A constatação de algo misterioso que paira sobre a ação e as personagens.

Presságios:
. as flores murchas e os sonhos deixam antever a tragédia com que encerra a obra: a morte progressiva de Maria (ela colheu papoilas para pôr debaixo do travesseiro, por estas estarem associadas ao sono e ao sonho, acreditando que, assim, terá uma noite descansada; no entanto, as flores, que representam, entre outras coisas, a beleza efémera, murcharam rapidamente, indiciando a proximidade da morte;
. a contemplação do retrato do pai remete para a intuição do malogro do casamento dos pais.


Características românticas

▪ O sebastianismo de Telmo e Maria.

▪ O nacionalismo e patriotismo de Maria, visível na resistência aos governadores castelhanos.

▪ Linguagem: exclamações, interrogações, reticências, frases curtas, adequação ao íntimo e ao estado de espírito das personagens, etc.

▪ Caracterização de Maria:
. o modelo da mulher-anjo;
. os ideais de liberdade;
. exaltação de valores de feição popular;
. atração pelo mistério;
. intuição;
. tuberculose, a doença dos românticos.

▪ Crenças: agouros, superstições, sonhos, visões de Madalena, Telmo e Maria (cenas II e IV).



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