NOTAS:
1.ª) Se compararmos o espaço onde decorrem os três atos,
constatamos que há um afunilamento progressivo
desse mesmo espaço. Com efeito, no ato I, a câmara onde a ação decorre tem duas
grandes janelas para o exterior e duas portas desimpedidas. Já o segundo ato
decorre num espaço fechados, sem janelas e com portas cobertas de reposteiros,
ocupando lugar de destaque uma tribuna que comunica com a Capela da Senhora da
Piedade, da igreja de São Paulo dos Domínicos. Por último, o ato III decorre
num espaço ainda mais fechado (o piso inferior do palácio de D. João), cuja
única porta de comunicação para o exterior dá para a tal capela.
2.ª) O espaço em que decorre o último ato é um casarão
sombrio, decorado apenas com objetos litúrgicos, associados às cerimónias
religiosas, em especial à Semana Santa, e com ligação direta à capela (onde
decorrerá a tomada de hábito e se concretizará a morte de Maria), configurando
um afunilamento/concentração do espaço ao longo da peça.
3.ª) O espaço descrito simboliza a clausura e o
aprisionamento das personagens; por outro lado, trata-se de um local que sugere
desconforto, frieza, tristeza.
4.ª) A nota sobre o tempo coloca a ação a decorrer quando é alta noite, o que,
à semelhança do espaço, permite concluir pelo afunilamento desta categoria do texto dramático, o qual é
intencional. Os antecedentes da ação, que abarcam um longo período de 21 anos,
são apenas evocados nas falas das personagens, ocupando a intriga propriamente
dita apenas uma semana. O segundo e o terceiro atos sucedem num dia, o que
confirma que estamos perante uma forte concentração temporal.tt
5.ª) Por outro lado, simbolicamente, a noite está associada
à morte, o que se pode relacionar com o facto de todos os elementos da família
morrerem no final da peça: Manuel de Sousa e D. Madalena morrem para a vida, isto
é, morrem psicologicamente, e Maria morre fisicamente. No entanto, se
considerarmos que a alta noite antecede a manhã de um novo dia, a noite alta
representa simbolicamente a possibilidade de redenção dos pecados através do
renascimento e da purificação proporcionados pela religião, mais concretamente
pela tomada de hábito (estaríamos, assim, na presença do processo de morte
seguida de ressurreição, ideia prenunciada pelos elementos do cenário que
remetem para a Semana Santa).
6.ª) A luminosidade do ambiente é escassa. Mergulhado
na penumbra, o cenário, apenas iluminado por «tocheiras», «tocha acesa e já
gasta», «vela acesa», propicia uma introspecção profunda onde tudo indicia a
“entrada” para a vida religiosa, para a Ordem dos Dominicanos, ideia acentuada
pela presença das «alfaias e guisamentos de igreja» e pelo hábito.
7.ª) A
cruz negra com o letreiro, aliadas aos restantes elementos ligados à vida religiosa,
simboliza que alguém passará por sofrimento, sacrifício, martírio e morte para
a vida mundana.
8.ª) O
jogo penumbra / luz e o ambiente secreto, intimista, de intenso recolhimento
possibilitam o encontro do «eu» com os mais recônditos lugares do seu espaço
interior.
9.ª) A
obra não obedece à unidade de espaço, pois decorre em lugares diferentes,
embora todos os acontecimentos decorram em Almada.
10.ª) O
espaço ganha uma dimensão trágica,
pois fecha-se gradualmente, não possibilitando a saída das personagens para a
dimensão física da vida.
A
progressiva escassez de elementos decorativos e de luminosidade adensam a
atmosfera trágica que culminará na catástrofe.
11.ª) O
espaço, despojado (não há elementos de decoração, os adereços e o mobiliário
são reduzidos ao mínimo), tumular, prenuncia o fim das inquietações terrestres
e a entrega à espiritualidade. Os bens e os valores materiais e mundanos são
abandonados. Predominam os adereços necessários à realização de cerimónias religiosas:
tocheiras, cruzes, círios e outras alfaias e guisamentos de igreja, etc.). Todos
estes elementos se adequam ao desenrolar do terceiro ato, dado que Manuel de
Sousa e D. Madalena vão professar como forma de expiar a sua culpa.
12.ª) O
facto de a ação decorrer de madrugada, de acordo com os princípios românticos,
contribui para adensar a atmosfera funesta.
13.ª) Não
há qualquer ligação ao exterior. As saídas dão unicamente para a capela e para
os baixos do palácio de D. João.
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