Português

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

'Os Lusíadas': VI, 95-99


         Nos quatro versos iniciais da estância 95, o poeta refere, genericamente, como se alcança a imortalidade (“honras imortais”) e as maiores distinções – a fama e a glória: através da coragem, da capacidade de luta e sofrimento demonstradas em situações de perigo, como fica visível nas seguintes expressões textuais: “hórridos perigos” e “trabalhos graves e temores”. Nestes versos, há a realçar a adjetivação, que, por um lado, intensifica a dureza e a amplitude (“hórridos” e “grandes”) das dificuldades a que se sujeitam todos aqueles que, como os portugueses, desejam cometer grandes feitos, e, por outro, reforça o valor das recompensas (“imortais” e “maiores”) que, desse modo, atingem.
         Um segundo momento do texto localiza-se entre o verso 5 da estância 95 e o verso 4 da estância 98. Aí, são identificados os obstáculos à obtenção da fama e da glória, isto é, o poeta põe em evidência aquilo que não são os meios de as atingir (logo atos a evitar):
a. viver à custa do que os antepassados conseguiram (= a glória não é herdada dos antepassados) ‑ 95, 5-6;
b. viver rodeado de conforto (95, 7);
c. viver rodeado de luxo e de requintes supérfluos (95, 8);
d. os “manjares novos e esquisitos” (96, 1);
e. os passeios ociosos (96, 2);
f. os deleites / prazeres (96, 3) que efeminam, isto é, enfraquecem, os fidalgos;
g. viver para saciar os apetites / caprichos insaciáveis;
h. ficar indiferente face a uma “obra heroica de virtude”.
         Assinale-se o recurso à enumeração e à anáfora na estância 96. Por um lado, o poeta enumera diferentes caminhos que não conduzem à verdadeira glória. Através da repetição anafórica, reitera a ideia de que esses caminhos devem ser postos de lado.
         Sintetizando, o poeta critica todos os que desejam ser reconhecidos na vida, apreciados apenas na genealogia, nos luxos, nos prazeres e numa vida ociosa, sem praticarem qualquer “obra heroica de virtude” (96, v. 8).
         A partir do verso 1 da estância 97, introduzido pela conjunção coordenativa adversativa «mas», sinónima de ideia oposta, Camões vai enumerar as ações que fazem o verdadeiro herói e que permitem alcançar a fama e a glória (ou seja, vai apresentar as alternativas aos comportamentos anteriormente descritos), salientando a dureza dessas ações através do recurso ao adjetivo (“forçoso”, “forjado”, “cruas”, “frios”, “nuas”, “corrupto”, “árduo”, …). Essas ações são as seguintes:
a. a obtenção das honras pelos seus atos, ações a que possa chamar suas (97, 1-2);
b. a disponibilidade para a guerra (97, 3);
c. o enfrentar/sofrer tempestades e “ondas cruas” (97, 4);
d. as navegações árduas por regiões inóspitas à custa de enorme sofrimento pessoal (97, 3-8);
e. o consumo de alimentos deteriorados;
f. a resignação ao sofrimento;
f. a vitória sobre as limitações pessoais, de forma a enfrentar as situações mais difíceis ou dolorosas – o enfrentar a guerra com ar seguro / confiante e alegre (por exemplo, manter um rosto “seguro” ao assistir a acidentes dos companheiros.
         Entre os versos 5 da estância 98 e 4 da 99, é feita uma espécie de síntese das qualidades necessárias àqueles que buscam a virtude:
i. o “calo honroso” no peito;
ii. o desprezo das honras e do dinheiro trazidos pela «ventura» e não pela «virtude»;
iii. o entendimento esclarecido e temperado pela experiência e a libertação dos interesses mesquinhos (“O baxo trato humano embaraçado” – 99, v. 4).
         Nos últimos quatro versos da estância 99, o poeta clarifica que só quem percorrer este caminho poderá e deverá ascender ao poder (“ilustre mando”, 99 – v.7), sempre contra a sua vontade e nunca a pedido, isto é, fá-lo-á de forma desinteressada. No fundo, ao concluir esta sua reflexão, Camões retoma o que afirmara na introdução: é através do esforço próprio e não das “honras e dinheiro” que se pode/deve ascender ao estatuto de herói. O verdadeiro herói despreza as “honras e dinheiro” (est. 98, v. 6) trazidos pela sorte e não produto do esforço pessoal. A sua experiência dar-lhe-á o conhecimento da verdadeira virtude e um estatuto superior ao dos homens de “baixo trato” (est. 99, v. 4). Desse modo, num mundo justo, “Subirá” (est. 99) a posições de poder por mérito pessoal e “não rogando” (est. 99, v. 6) favores.

         Em suma, é digno de louvor e merecedor de glória aquele que se dignifica através do seu esforço, da sua capacidade de sofrimento, perseverança e humildade, bem como através do desprezo das honras e do dinheiro conquistado graças à sorte e não ao mérito pessoal. Só quem "preencher estes requisitos" poderá conquistar o "ilustre mando", não porque o peça, mas contra a sua vontade. Tal significa que só a honra e a glória alcançadas por mérito próprio poderão ser valorizadas.


         Relativamente à estrutura interna, o excerto pode dividir-se em três momentos:
. 1.º momento (vv. 1-4, est. 95): o poeta elogia a coragem de quem, como os portugueses, pratica atos gloriosos dignos de honra.
. 2.º momento (v. 5, est. 95 ‑ v. 5, est. 98):
2.1. enumeração das renúncias (v. 5, est. 95 – est. 96);
2.2. atos a praticar por quem deseja alcançar a verdadeira fama (est. 97 – v. 4, est. 98);
. 3.º momento (v. 5, est. 98 – est. 99): conclusão das reflexões do poeta, que salienta o esforço sincero e desprendido como motor da glória.

         As reflexões feitas pelo poeta nestas estâncias sugerem o perfil do herói épico, que se resigna à dureza da vida e enfrenta com convicção, abnegação, espírito de sacrifício e coragem as dificuldades que se lhe apresentam. O herói é o que concretiza trabalhos árduos e perigosos na guerra e no mar, em condições climatéricas e existenciais deploráveis. Só deste modo, conseguindo superar todas as dificuldades e provações, é possível alcançar um estatuto honroso, destacando-se dos restantes seres humanos pelo seu carácter grandioso. Por outro, indiretamente, pode ver-se neste passo da obra a crítica camoniana à elite do seu tempo, “acusando” os nobres de serem passivos, fracos, privilegiados, insatisfeitos e alienados da realidade.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Análise de Os Lusíadas: Canto I, estâncias 105-106


● Contextualização
 
            Nestas estâncias, o Poeta interrompe subitamente a narrativa para iniciar a reflexão, a qual mostra que o Homem dificilmente encontra segurança e paz, na sua curta e frágil vida, tendo em conta o ambiente hostil que o rodeia. Apesar disso, começa a desenhar-se a mitificação dos Portugueses enquanto heróis.

            Com efeito, após a realização do Consílio dos Deuses no Olimpo, onde se formaram duas correntes – uma de apoio à empresa do Gama – liderada por Vénus – e outra de oposição – chefiada por Baco – e onde Júpiter toma a decisão de auxiliar os Portugueses a chegarem à Índia, Baco prepara-lhes várias ciladas em Quiloa – Moçambique – e Mombaça – atual Quénia –, cujo rei tinha sido convencido por ele a aniquilar a frota lusitana.


 
● Motivação da reflexão
 

            A reflexão do Poeta nestas duas estâncias é motivada por um acontecimento respeitante ao plano da Viagem: a chegada da armada portuguesa a Mombaça, após várias peripécias ocorridas em Moçambique e Quiloa, urdidas por Baco. Os primeiros quatro versos, por isso, constituem a articulação da reflexão com o episódio anterior.

            Note-se que não é por acaso que esta reflexão está situada no final do canto I, quando o herói tem de enfrentar o longo e penoso trajeto para atingir os seus objetivos, tendo de superar, nomeadamente, inúmeros perigos e obstáculos que o querem impedir de prosseguir. Contudo, o seu heroísmo leva-o a superar o seu estatuto de “bicho da terra tão pequeno” e a sua coragem e ousadia vencem a fragilidade da sua condição, para atingir o estatuto de herói.

 
 
● Estrutura interna
 
            Esta reflexão pode dividir-se em três momentos:

Introdução (vv. 1-4, estância 105): narração da traição urdida aos Portugueses.
 
Desenvolvimento (v. 5, est. 105 – v. 4, est. 106): enumeração...


Continuação da análise → Análise do Canto I, estâncias 105-106.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Miguel Relvas visto e «ouvisto»!


     Qualquer português conhece o modo como o ministro Miguel Relvas se licenciou.

     Quem o conhece diz que é um «doer» e um criativo. Bem, este brilhante momento televisivo vem comprovar isso mesmo, no exato momento em que o sr. ministro cria um neologismo: OUVISTO. Fico à espera de saber qual é o infinitivo do novo verbo da língua portuguesa.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

'A Literatura'

     «Não sei se já repararam nisso mas quando lemos - estou a falar para a ínfima minoria de espectadores que além de virem ao teatro ainda lêem... 2 ou 3 pessoas, hoje -, bom, mas quando lemos livros estrangeiros, raramente nos detemos nos nomes. Eu pelo menos faço isso. Mas eu tenho um desconto, que ainda por cima venho todos os dias ao teatro. É que um personagem dum romance russo, por exemplo, pode chamar-se Ievguénhi Ponomarev Tsugorski! E então estamos nós a ler: «O cavalo corria louco pela estepe, mas, de repente, estacou tão abruptamente que I-e-v-g aaa... Pino... Poni... Pinto... bom, Tsa... Tsu... chiça! foi cuspido violentamente e esmagou o crânio instantaneamente. Mas o bravo amigo... japonês... Os-ss-u-ga-ro- I-o-mi-akei, ok, Iomiakei Kawa-ka-ta-mi - fo-go! -, deitando-se sobre o corcel, consegue ainda apanhar o valioso documento que I... I-e-v-g-u pffff Pinto Tsar transportava tão ciosamente.. Osss.... u Io, io, io! Kawa... saki! Lançou-se a toda a brida.» Uff! «Mas o cruel mongol que os perseguia aproximava-se cada vez mais. Com efeito, Li-ao Tse Xi-ong» - e este é fácil! Eu já estou a simpatizar com o mau da fita... - «Liao Tse Xiong tinha prometido ao condutor de riquexó Sun Wang Ião (...) não só resgatar o valioso documento que tinha viajado pelo Japão e chegado à Sibéria trinta e seis anos depois» isto é fácil porque não está em numeração romana... «não só resgatar o trararara como também aniquilar... I-ev-g... Ivo Pinto Tsu e o nipónico Osso Io Kawasaki.»
     Eu compreendo que se leia cada vez menos. Literatura estrangeira, pelo menos... para mim tem o problema dos nomes.»
José Pedro Gomes, O País dos Jeitosos 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Morte ao idoso doente

Ministro japonês diz que idosos doentes devem “morrer rapidamente” para o bem da economia
Os custos dos tratamentos que prolongam a vida a pessoas com doenças sem recuperação são desnecessários para a economia japonesa, defende Taro Aso.
O ministro já veio admitir que as suas declarações foram desapropriadas KIM KYUNG-HOON/REUTERS




O ministro japonês das Finanças, em funções há cerca de um mês, defende que os cuidados de saúde para doentes mais idosos significam um custo desnecessário para o país e que a estes pacientes deveria ser permitido morrer rapidamente para aliviar a pesada carga financeira que representa o seu tratamento na economia japonesa.
“Que Deus não permita que sejam forçados a viver quando querem morrer. Eu iria acordar sentindo-me incrivelmente mal por saber que o tratamento era totalmente pago pelo Governo”. A frase de Taro Aso, citada pelo Guardian, foi proferida durante uma reunião do conselho nacional dedicada às reformas da segurança social e ao orçamento para a saúde. As declarações tornam-se ainda mais polémicas quando o ministro defendeu que “o problema só será resolvido” se se deixar os idosos “morrer rapidamente”.

Num país com quase um quarto de uma população de 128 milhões de pessoas com mais de 60 anos, Taro Aso, de 72 anos, acrescenta que vai recusar qualquer assistência médica se ficar gravemente doente. “Não preciso desse tipo de cuidados”, disse, citado pela comunicação social japonesa, segundo a qual o ministro terá dado indicações à família para que não receba qualquer tratamento que lhe prolongue a vida.

Após tornadas públicas as declarações, Taro Aso terá tentado explicar-se aos jornalistas. O ministro das Finanças admitiu que utilizou uma linguagem “desapropriada”, mas sublinhou que apenas se referia às suas opções pessoais. “Disse o que pessoalmente acredito e não o que deveria ser o sistema nacional de saúde”.

Esta não é a primeira vez que o responsável japonês se vê envolvido em polémica. No passado, fez piadas sobre doentes de Alzheimer e disse que gostaria que o Japão fosse um país tão bem-sucedido que “os judeus mais ricos ali quisessem viver”.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O crime de Lance Armstrong


Por Ferreira Fernandes
     DEPOIS de dez anos a pedalar pela inocência, Lance Armstrong largou o selim, sentou-se num sofá e confessou o que sabíamos: é um mentiroso. Valha-nos como consolação que aquele que venceu centenas de grandes atletas secos e musculados acabou em lágrimas nas duas etapas com a gordinha Oprah Winfrey. A frase mais citada da famigerada entrevista: "Dopei-me porque queria ganhar a qualquer preço." Que tomava EPO suspeitou-se, provou-se e, desde esta semana, confessou-se. Agora que fosse a qualquer preço... Só em prémios pelas vitórias em sete Tours de France ganhou três milhões de euros, o que levou a uma bola de neve de 100 milhões de euros amassados numa carreira de mentira. Daí que a sessão de psicoterapia entre Armstrong e Oprah não deva iludir. 
     Nas estatísticas oficiais da Volta à França, o quadro de honra ocupa-se com os vencedores: o 1.º da classificação geral, o 1.º do prémio da montanha e o 1.º da classificação por pontos. Os outros, são os outros. Não reza a história. Sendo que nesse quadro de honra, de facto, o vencedor é só um, o camisola amarela. Ora de 1999 a 2005, esse quadro de honra do Tour é omisso sobre o camisola amarela. Foi varrido, não pelo carro vassoura, mas pela justiça que provou que Lance Armstrong fizera batota. Sete anos em que talvez tenha havido um campeão que quis ganhar mas não "a qualquer preço", ganhou, mas chegou só a segundo de Armstrong. E, graças ao mentiroso, deixou de existir.
Diário de Notícias, 20 de janeiro de 2013

Golpe de misericórdia

(c) Henricartoon

Trabalho - Leitura de imagem

1. Ir ao sítio www.artgalleryabc.com/next90.html.
.
2. Selecionar um dos 100 quadros aí disponibilizados.
.
3. Escrever um texto de apreciação crítica, de acordo com a seguinte estrutura:
          - Introdução:
                    . apresentação da imagem (imagem, autor - dados sobre o autor, data do
                      quadro, nome, história do quadro - se houver -, curiosidades (se houver),
                      local onde está exposto, etc.).
          - Desenvolvimento:
                    . descrição do quadro;
                    . apreciação crítica (simbolismo / significado dos elementos do quadro,
                      cores, texturas, explicação do título, etc.).
          - Conclusão:
                    . síntese da apreciação;
                    . apelo / conselho à apreciação do quadro por parte do leitor (2 / 3
                      razões).
.
4. Indicar a bibliografia consultado, incluindo sítios da Internet.
.
5. Data de entrega: até às mini-férias de Carnaval.
.
6. Extensão - limite máximo: 500 palavras.
.
7. Apresentação oral do trabalho realizado: a partir das mini-férias de Carnaval (incluir esquema da presentação - em suporte papel, power point, vídeo, etc.).
.
P.S. O quadro / a pintura selecionado(a) para análise pode ser outro(a) que não um(a) do(a)s constantes no sítio indicado.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Génese de 'Os Lusíadas'


            Publicada em 1572, numa altura em que o império português mostrava já sinais claros de crise e ruína próxima, a obra canta a Glória do povo português (“o peito ilustre lusitano”), com incidência no seu período de maior fulgor – a época dos Descobrimentos, representada pela viagem de Vasco da Gama de 1498 – descoberta do caminho marítimo para a Índia.
            Sendo a epopeia considerada a expressão mais alta da literatura, a necessidade do surgimento de uma epopeia portuguesa que glorificasse a gesta heroica do povo lusitano vinha a ser sentida e reclamada desde há muito. A partir do século XV, tinham começado a surgir alguns poemas de conteúdo histórico, mas sem relevância literária. No século XVI, autores como Garcia de Resende, no prólogo do Cancioneiro Geral, João de Barros, Diogo de Teive, Angelo Poliziano e, sobretudo, António Ferreira. Começaram a alertar para a necessidade de se cultivar o género épico, estimulando outros poetas à criação da epopeia portuguesa.
            E Portugal tinha, de facto, todas as condições para a criação de um grande poema épico. Com efeito, as andanças pelo mundo, as descobertas e o heroísmo dos navegantes lusos eram comparáveis às viagens marítimas descritas na Odisseia e na Eneida. Por outro lado, a empresa dos Descobrimentos, para além do interesse nacional, revestia-se de carácter universal. Além disso, o orgulho nacional estimulava a celebração dos feitos portugueses e à corte interessava a apresentação da política de expansão ultramarina como forma de dilatação da fé cristã, na tentativa de contrariar a ideia de que a verdadeira motivação dessa política fosse meramente comercial.
            Em suma, todos tinham consciência clara do caráter épico da história nacional e de que a empresa requeria alguém de génio invulgar. E esse génio será Camões, que responderá ao apelo e realizará a empresa: dotar o mundo moderno com uma réplica dos poemas épicos antigos; conferir aos feitos dos portugueses uma categoria nacional; enobrecer a língua com a realização nela do género literário considerado máximo. O seu génio fá-lo-á adotando com originalidade a estrutura clássica da epopeia a narração da viagem de Vasco da Gama, à volta da qual se inseriu a História de Portugal. Note-se que alguns dos feitos extraordinários dos portugueses ocorreram durante a juventude do escritor, o qual também andou pela Índia (a partir de 1553) e deambulou pelo Oriente durante muitos anos.

            Observemos agora o contexto de produção. A obra demorou, aproximadamente, vinte anos a ser elaborada. Esse espaço de tempo coincidiu com o momento posterior ao auge da expansão, a saber:
. após a fase das descobertas da Índia, do Extremo Oriente e da conquista de Malaca;
. após a fase da consolidação do Império, que ocorre no tempo dos dois primeiros vice-reis da Índia – D. Francisco de Almeida (1505-1509) e Afonso de Albuquerque (1509-1515).
            Em meados do século XVI, ocorre uma série de acontecimentos nefastos para Portugal:
. o abandono de algumas praças do Norte de África que exigiam um enorme esforço financeiro (Sanfim e Azamor em 1541; Arzila em 1549; Alcácer Quibir em 1550) – conservam-se apenas Ceuta, Tânger e Mazagão;
. o ponto anterior enfatiza as dificuldades sentidas pelo reino português para manter um império vasto e disseminado, possuindo o reino um diminuto número de habitantes;
. a morte, em 1554, do princípio D. João, herdeiro da coroa e filho único sobrevivente dos dez que D. João III tivera;
. o nascimento de D. Sebastião, em 1554, em quem são concentradas todas as esperanças da sobrevivência da dinastia;
. a morte, em 1555, do infante D. Luís, irmão do rei, figura culta e estimada que era vista como solução para a sucessão ao trono, morte essa que agravou o sentimento de insegurança nacional quanto ao futuro da independência nacional;
. a morte do rei D. João III em 1557, que deu origem à regência da sua viúva, dada a tenra idade de D. Sebastião;
. a sobreposição da exploração nacional e dos interesses económicos ao espírito de serviço e de dedicação à pátria.

Jornalismo de treta

Assim se faz a História...

     Repare-se nestas notícias, tal como figuram, neste preciso momento, nos media. Apesar dos pormenores que 'enriquecem' a primeira versão (informação da Autoridade Nacional da Proteção Civil), o mais provável é que a correcta seja a de baixo - e, no entanto, é a outra que continua a ser divulgada.

Epopeias


Época
Data
Epopeia
Autor
Antiguidade
Civilização grega
VIII a.C.
Odisseia
Homero (?)
VII (?) a.C.
Ilíada
Homero (?)
Civilização
romana
I a.C.
Eneida
Virgílio
Idade Média
XI (?)
Cantar de Mio Cid
(?)
XI (?)
Chanson de Roland
(?)
XIV
Divina Comédia
Dante Alighieri
Renascimento
XVI
Orlando Enamorado
Mateo Boiardo
XVI
Orlando Furioso
Ludovico Ariosto
XVI
Jerusalém Libertada
Torquato Tasso
XVI (1572)
Os Lusíadas
Luís de Camões
XVI
The Faerie Queen
Edmund Spenser
Pós-Renascimento
XVII
Paraíso Perdido
John Milton

'Os Lusíadas'

Definição de epopeia

  • Definição: do grego epos, palavra que significava canto ou narrativa, o texto épico diz respeito à narração, em verso ou em prosa, em estilo elevado / grandioso, de feitos heróicos passados. Desde a Antiguidade, o texto épico recebe o nome de epopeia quando constitui uma narrativa, em forma de verso, que retrata as façanhas de um povo com interesse nacional e projeção universal.
  • Interesse nacional: em Os Lusíadas, encontramos a sublimação dos heróis nacionais que culmina na deificação e imortalização ("Ilha dos Amores"), com o objetivo de incentivar a geração do seu tempo no sentido de restaurar uma velha grandeza decadente. Ao longo da obra, perpassam as características da alma nacional: a fidelidade (em Egas Moniz),o heroísmo guerreiro (em Nuno Álvares Pereira), o espírito de aventura (no Magriço), a tenacidade e a persistência (em Vasco da Gama e seus companheiros...).
  • Projeção universal: ela encontra-se na revelação ao mundo da grandeza de um povo que "deu novos mundos ao mundo", ao ligar continentes, cristianizar partes do mundo, abrir novas vias comerciais, etc.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Classicismo

         O Classicismo é uma estética que estabelece um rigoroso sistema de regras próprias dos vários géneros literários: o épico (representado entre nós pel' Os Lusíadas); o lírico (com as suas formas fixas, como o soneto e o seu verso decassílabo, a canção, a écloga, a elegia, a epístola, o epigrama, a ode, a sextilha, o epitalâmico e o ditirambo); dramático, representado pela tragédia e pela comédia.

         As suas principais características são as seguintes:

. Exaltação do Homem (antropocentrismo), em contraste com o teocentrismo medieval.
. A verdadeira Arte tem por base a imitação, ou seja, deve haver a imitação da Natureza pela Arte, sendo a paisagem sempre amena ("locus amoenus"), idealizada, convencional e artificial, excluindo o insólito ou acidental, a fim de poder refletir o intemporal, o eterno, o essencial.
. Predomínio da razão sobre o sentimento, evitando-se os voos da imaginação e os caprichos da fantasia.
. Imitação dos autores gregos e latinos, adotando temas, usando a mitologia, criando formas poéticas e introduzindo géneros literários.
. Valorização da Arte como expressão de cultura, estudo e bom gosto.
. Sujeição a regras rígidas de conteúdo e forma.
. Justa proporção, equilíbrio e comedimento, de tal forma que as personagens se comportassem de harmonia com a sua condição social, se omitissem expressões e vocábulos grosseiros, não se tratassem assuntos escabrosos, se proscrevessem cenas violentas e cruéis.

Humanismo

         O Humanismo parte do estudo da cultura antiga e, com base nela, valoriza tudo o que é humano e exalta os valores do Homem como centro do Universo (antropocentrismo). O Homem é a "medida de todas as coisas", ou seja, passa a ser encarado como o pólo central, o valor máximo. O Renascimento representou uma viragem decisiva em relação às conceções medievais, que podemos sintetizar opondo a conceção antropocêntrica (o Homem no centro das preocupações) à conceção teocêntrica da Idade Média (Deus é o centro de universo).
         Reagindo ao período da Idade Média, os humanistas voltam-se para a Antiguidade clássica greco-latina, centrando a sua atenção no Homem (antropocentrismo), em substituição do teocentrismo tradicional.
         De facto, a ação dos humanistas, nome que designa os intelectuais deste período, correspondeu a um desejo de abandono dos padrões medievais e à instauração de uma mundividência nova.
         O homem medieval tinha uma visão pessimista da existência, encarando-a como uma penosa passagem que encarava o encontro com Deus após a morte como a realização única. Já o homem renascentista acredita em si mesmo e na sua realização terrena, dado que se realiza na sua obra. Seguindo a máxima de Protágoras, os humanistas defendiam que “o Homem é a medida de todas as coisa”.
         Deste modo, as qualidades mais valorizadas no ser humano deixam de ser apenas a religiosidade, o heroísmo e a honra cavaleiresca, para passarem a ser a inteligência, o saber e o mérito, veículos para a realização de obras para a posteridade. Através delas, o artista liberta-se da “lei da morte”, tornando-se imortal. Em simultâneo, imortaliza os seus mecenas, ou os heróis e os seus feitos da sua pátria.
         A confiança nas capacidades humanas e a busca do saber e da cultura implicavam a valorização da razão e da experiência. Ao espiritualismo medieval, o homem renascentista prefere o racionalismo, à crença em verdades impostas, prefere a certificação da verdade através da experimentação. Assim sendo, o saber resulta do estudo conjugado com a experiência, configurando este dado as bases do conhecimento científico.
         Neste contexto, os Descobrimentos portugueses desempenham um papel central no Renascimento por causa de:
. descoberta de novas terras e povos desconhecidos;
. descoberta de nova fauna e flora;
. inovações tecnológicas exigidas pelas viagens marítimas (ex.: o astrolábio);
. conhecimento dos ventos e das correntes marítimas;
. surgimento e adaptação de embarcações;
. desenvolvimento da cartografia;
. etc.

Fontes:
     . Manual Plural 12;
     . A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa

Renascimento

         O Renascimento pode definir-se como a "adoção das formas artísticas greco-latinas e a assimilação do espírito que as anima". O Renascimento é, portanto, uma aceitação e não uma ressurreição das formas greco-latinas, pois a ressurreição supõe a morte e as formas greco-latinas nunca morreram.
         Nos finais do século XV e princípios do século XVI, a literatura portuguesa começou a registar algumas ténues influências da literatura italiana, nomeadamente ao nível da poesia produzida em contexto palaciano, nas cortes de D. João II e depois, mais acentuadamente, de D. Manuel. Esses poemas, da autoria de muitos nobres para quem a arte de versejar era um atributo muito importante, eram portadores, com assinalável frequência, de uma atitude amorosa e poética que revelava a influência do poeta italiano Petrarca, o precursor do Renascimento.
         Em 1516, Garcia de Resende publicou a compilação desses poemas palacianos numa obra intitulada Cancioneiro Geral, dedicada ao príncipe e futuro rei de Portugal D. João III, afirmando no Prólogo que o objetivo do seu trabalho era contrariar a natural tendência de os portugueses não registarem, para o futuro, as suas obras. Publicado no ano de inauguração do Mosteiro dos Jerónimos e no período de florescimento do teatro de Gil Vicente, o Cancioneiro revela a valorização já renascentista que a cultura começara a merecer.
         Em 1521, Sá de Miranda, um dos poetas presentes no Cancioneiro de Resende, empreende uma demorada viagem a Itália, durante a qual contactou com a cultura e a arte da Renascença. Cinco anos mais tarde, de regresso a Portugal, trouxe consigo o gosto pelo novo estilo – o dolce stil nuovo – e introduziu na nossa literatura, entre outras composições poéticas, o soneto, com os seus versos decassilábicos.
         Por outro lado, a literatura renascentista redescobrira os clássicos e a Poética de Aristóteles, uma obra que regulamenta e hierarquiza os géneros literários, considerando a epopeia e a tragédia os géneros mais nobres. Não é, pois, de estranhar que a o desejo de elaboração de uma epopeia se tenha disseminado, vindo a ser concretizado por Luís de Camões, e António Ferreira tenha escrito a tragédia Castro, inspirada nos amores trágicos de D. Pedro I e D. Inês de Castro.

Manual Plural 12

A Contra-Reforma e a união com a Espanha

         Cerca de 1550 ocorreram alguns acontecimentos decisivos, que coincidem com a crise geral então vivida. Em 1547, é definitivamente estabelecida a Inquisição em Portugal, após esforços que datavam de 1531. Naquele mesmo, ano sai o primeiro rol de livros proibidos, sucessivamente acrescentado em 1551, 1561, 1564, 1581, 1624. Em 1550, o grupo de professores trazido a Portugal por André de Gouveia (já falecido em 1548) é posto à margem após um processo movido por inimigos do Colégio. Em 1555, o rei entrega este colégio, rebatizado como Colégio das Artes, à Companhia de Jesus, que domina os Estudos Menores (hoje diríamos secundários) em Lisboa e Évora, e que no mesmo ano funda uma universidade sua nesta última cidade. A partir de 1557, ano da morte de D. João III, a principal personagem do reino é o cardeal-infante D. Henrique, inquisidor-geral, que alterna a regência com a rainha-viúva. Em 1564, as decisões do Concílio de Trento são promulgadas em Portugal sem restrições, caso único entre os reinos da Europa Ocidental. Desde cerca de 1550, foram silenciados mesmo os mais estrénuos erasmistas, como André de Resende, Damião de Góis e Diogo de Teive, e por 1580 está extinta a geração dos letrados e gramáticos antiescolásticos que tinham campeado por altura das grandes reformas escolares do início do reinado de D. João III.
         Entre os autores proibidos ou amputados pela Censura contam-se Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, João de Barros, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Jorge de Montemor, António Ferreira. Nenhum livro podia sair, na segunda metade do século XVI, sem três licenças: a do Santo Ofício, a do Ordinário eclesiástico na diocese respetiva e a do Paço. O relator do Santo Ofício examinava o livro em manuscrito e obrigava o autor a alterá-lo, amputá-lo ou acrescentá-lo, antes de lhe conceder a fórmula «nada contém contra a nossa Santa Fé e bons costumes». E, assim, desde a segunda metade do século XVI até à reforma pombalina da censura, não podemos afirmar que conhecemos o texto original de uma obra impressa, mas somente um texto ao qual os censores anuíram. A impressão, a venda, a herança e a entrada de livros vindos do estrangeiro estavam sujeitas a apertada vigilância, incluindo inspeções domiciliárias, declarações periódicas obrigatórias e as mais graves penalidades, com recompensa de denúncias secretas à custa dos bens confiscados.
         Aos efeitos da Contra-Reforma vieram juntar-se, a partir de 1581, os da união com Espanha. Do primeiro resultou murcharem as promessas do Humanismo. O segundo teve como consequência o desaparecimento da corte de Lisboa, o foco literário mais estimulante do País. Os homens de letras e artistas, que até então viviam sobretudo da munificência régia, procuraram a proteção da corte de Madrid, ou acolheram-se ao mecenato das maiores casas senhoriais, como as dos condes de Vila Real e dos duques de Bragança. Outros viveram à sombra das ordens religiosas a que pertenciam, tratando uma temática predominantemente devota. O teatro, o grande género das cortes monárquicas do século XVII, decaiu após as criações de Gil Vicente e António Ferreira. Na lírica e na épica, os padrões renascentistas mal se renovaram. Na prosa, o primeiro plano da cena é ocupado pelos cronistas das diversas ordens religiosas, quer se ocupem da história do Reino, quer da dos conventos e santos respetivos. Tirante os discípulos dos quinhentistas refugiados em várias «cortes na aldeia», o clero reforça a posição predominante na produção literária.
         A Universidade de Coimbra é dominada pelos Jesuítas, embora as outras principais ordens religiosas tenham acesso às suas cátedras. Durante o século XVII atinge o seu apogeu a «escola conimbricense», que é uma tentativa para adaptar a Escolástica e o Aristóteles dos Escolásticos à problemática mais recente. A universidade jesuíta de Évora é outro foco importante de Teologia escolástica.
         O ensino universitário jesuíta, de início razoavelmente actualizado e eficiente, decai à medida que se aproxima e avança o século XVII, convertendo-se os tratados universitários em manuais, e estes em postilas sem autoria responsável, equivalente às sebentas no nosso tempo.
         Além do ensino universitário, os Jesuítas dominam, em geral, com os seus colégios de Artes, os Estudos Menores, ou preparatórios, em toda a extensão do império da Casa da Áustria, através de numerosas escolas onde se educam tanto a aristocracia de sangue como a burguesia. Nesses colégios, entre os quais se destacam o Colégio das Artes de Coimbra e o de Santo Antão de Lisboa, além de noções de Matemáticas e Geometria necessárias à construção ou manobra naval, à vida militar, etc., ministra-se principalmente uma cultura geral que, embora adoptando as formas da erudição humanística, era escolástica na sua inspiração mais profunda. A Ratio Studiorum, regulamento pedagógico de todas as escolas jesuítas (1599), tem em vista desenvolver a expressão oral e escrita em latim, a capacidade de disputa e de exibição literária em público, através de sabatinas, concursos de emulação escolar, récitas, representações teatrais, proscrevendo expressamente todo o magistério ou prática escolar que favoreça a curiosidade intelectual, o gosto da novidade, o espírito crítico. Aristóteles, base de todo o ensino, deve ser interpretado segundo os comentadores consagrados, especialmente S. Tomás.
         Diferentemente do que sucede em Espanha, o papel cultural das outras ordens religiosas é em Portugal, nesta época, modesto em comparação com o dos Jesuítas. Devem-se no entanto aos Cistercienses de Alcobaça, aos Dominicanos, aos Franciscanos e a outros, numerosas hagiografias, histórias monásticas, histórias nacionais, que constituem o grosso da produção impressa em língua portuguesa no século XVI.
         Convém ter bem presente que sob o governo dos Filipes são, mais do que nunca, bilingues não só os autores como o público português. Significativo é que o Quijote de Cervantes tenha duas edições em Lisboa no próprio ano da sua primeira edição; e que a primeira edição do Guzmán de Alfarache, 2.ª parte, de Mateo Alemán, seja igualmente lisboeta. Esboça-se desta forma uma tendência a dar ao castelhano, língua geral da Península, preponderância no teatro e nos géneros de grande circulação, como o romance, ficando o português reduzido à condição de língua regional. Tendência passageira, resultante da ausência de uma corte régia em Lisboa, e que pode ter contribuído para a decadência ou falta de continuidade do romance e do teatro em língua portuguesa.

A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa (adaptado)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O Renascimento em Portugal - Generalidades

         Apesar da dinâmica que se fez sentir na sociedade portuguesa a partir do século XV, do impacto dos Descobrimentos na mudança das mentalidades e da contratação de humanistas estrangeiros por parte de monarcas portugueses a partir do reinado de D. Afonso V, o Renascimento chegou tardiamente ao nosso país. Observe-se, por exemplo, como a arquitetura nunca se chegou a impor verdadeiramente, em razão da influência do estilo gótico, que se prolongou até ao reinado de D. Manuel e esteve na origem do estilo manuelino, uma espécie de modernização renascentista do gótico. Somente no reinado de D. João III (1521 – 1557) se constituíram edifícios marcadamente renascentistas, como a Igreja de Nossa Senhora da Graça em Évora, a Misericórdia de Beja, as sés de Miranda do Douro, Leiria e Portalegre e um dos claustros do Convento de Cristo em Tomar.

         Politicamente, durante o período de vida de Camões (1524 ? ‑ 1580), reinaram em Portugal D. João III, D. Sebastião e D. Henrique. Camões assistiu ao fim do ciclo dos Descobrimentos, que foram anteriormente, simultaneamente, uma das causas e consequências do espírito renascentista. Contribuindo para a abertura de novos horizontes ao homem europeu, os Descobrimentos determinaram um conjunto de transformações:


         Aproximadamente doze anos após o nascimento de Camões, surge em Portugal o Tribunal da Inquisição. Em 1531, regista-se um grande terramoto no reino, ficando destruídas povoações inteiras. A desproporção entre a escassez de recursos humanos e a vastidão geográfica das terras descobertas, a sucessão de naufrágios (o de Sepúlveda foi em 1522), a derrota em Alcácer Quibir em 4 de agosto de 1578 contribuíram fortemente para a queda do nosso império. Em suma, é lícito concluir que o tempo biográfico de Camões corresponde à trajetória política portuguesa, que culmina com a perda da independência em 1580.

Renascimento - Contexto português

         Acentua-se, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia, o processo de concentração do poder político e económico sob a chefia do rei, iniciado com as campanhas do Norte de África e a exploração do ouro da Mina. A exploração económica do ultramar faz-se grandemente em regime de monopólio da Coroa. Apesar dos progressos da burguesia rural e comercial desde o século XIV, ela não conseguiu evitar que as novas expansões económicas fossem na maior parte absorvidas como renda feudal, sob formas variadas (rendas da colonização insular e brasileira, monopólios dos "resgates" e "tratos" ultramarinos, monopólios de produção interna sujeita a direitos "banais", e, finalmente, administração da Coroa a favor duma oligarquia), o que dificultou a acumulação do capital propriamente dito e seu posterior investimento na agricultura e, em geral, na produção interna.
         Esta espécie de monopólio comercial ultramarino a favor da nobreza palaciana encontra dificuldades: vícios internos do seu funcionamento, ataques vindos de Holandeses, Franceses, Ingleses, aliados por vezes no Oriente a populações locais, que dificultam cada vez mais o domínio militar das estradas e feitorias. O sistema entra em crise por meados do século XVI. D. João III é obrigado a evacuar algumas praças marroquinas. Realizam-se tentativas para descobrir novas minas de ouro ou prata na América e na África, mas volta-se depois ao projecto da guerra africana, tendo em mira a ocupação do reino de Fez. O desastre de Alcácer Quibir vem agravar a bancarrota económica com o colapso militar e político. A união com Castela apareceu finalmente à maior parte da camada dirigente como uma saída. E, assim, a Coroa portuguesa integra-se, desde 1580, no sistema de hegemonia espanhola, que se mantém até finais da Guerra dos Trinta Anos, cerca de meados do século XVII, como uma extensa coligação de coroas, distintas mas acumuladas sobre a mesma cabeça imperial ou ligadas entre si pela consanguinidade dos monarcas Habsburgos.
         No entanto, mesmo dentro de Portugal e Espanha, a burguesia mercantil não deixava de progredir, desafiando o monopólio do Estado e o poder da nobreza. Pouco a pouco domina a praça de Lisboa e o comércio entre o ultramar e a Europa. Grande parte destes homens de negócios descende dos judeus convertidos à força em 1496 e efetivamente assimilados. Daqui tiram pretexto os círculos dirigentes para instituir a Inquisição (1536), em teoria dirigida sobretudo contra a prática clandestina do judaísmo. Graças ao Santo Ofício, estabeleceu-se a discriminação contra os «Cristãos-Novos», verdadeiros ou supostos descendentes dos Judeus, que eram grande parte dos "homens de negócios", e tentou-se impedir o acesso deles a postos de direção no Estado, na Igreja e até na Universidade; ao mesmo tempo que, através do fisco inquisitorial, se expropriava uma parte dos seus bens. Esta perseguição foi contraproducente, pois teve, entre outros resultados, o de que muitos cristãos-novos emigraram e constituíram uma rede internacional com núcleos na Holanda, na França, na Inglaterra, no Brasil, no Peru, na África e na Índia, pelas malhas da qual passava uma grande parte do comércio mundial. Através destas relações, a burguesia mercantil portuguesa tende a ganhar um carácter cosmopolita.

 Fonte: História da Literatura Portuguesa, A.  J. Saraiva e O. Lopes

A escola pública é uma merda!!!


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