Português: Análise de "Prospeção", de Miguel Torga

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Análise de "Prospeção", de Miguel Torga

Tema

O tema é a busca de si mesmo por parte do sujeito poético, descrevendo o trabalho árduo que tem de realizar para tal.
Por outro lado, a composição poética aponta também para o drama da criação poética, associada à ideia de pesquisa incessante a que o poeta tem de se dedicar, procurando descobrir-se e uma explicação para o mundo que o rodeia, questionando-o e não se conformando com a solidão a que o ser humano está frequentemente votado.


Estrutura interna

Neste ponto da análise, socorremo-nos da proposta apresentada pelos autores do manual Encontros 12, da Porto Editora, pág. 193, sabendo que há outras possibilidades (como, por exemplo, dividir o texto em dois momentos, coincidentes com as estrofes que o constituem: na 1.ª, encontraríamos a procura, por parte do «eu» lírico, de um “tesoiro sagrado”; na 2.ª, teríamos a especificação dessa procura, identificando as etapas que deve superar para se encontrar, fazendo uso da poesia enquanto arma ou meio para o conseguir).
De acordo com a proposta referida, o poema poderá dividir-se nos seguintes três momentos:

1.ª parte (vv. 1-2): o sujeito poético estabelece o conceito de “prospeção”, restringindo-o (não visa a descoberta de minerais preciosos, mas de si mesmo).

▪ O sujeito poético começa por afirmar que não procura oiro, algo material, um minério precioso. De facto, o que ele busca é interior, pois situa-se dentro de si, no seu íntimo: “Oiro dentro de mim…” – v. 2. Ele deseja encontrar o que de mais puro há em si.

▪ Se o ouro é um metal precioso e representa algo valioso, conotado com a riqueza material, a procura do sujeito poético corresponde a algo mais valioso para o ser humano: o oiro, o filão mais rico e profundo da sua identidade, isto é, ele mesmo, o conhecimento de si próprio.

2.ª parte (vv. 3-14): o sujeito poético concretiza o objetivo da sua busca – encontrar-se a si mesmo (dentro de si) – e os trabalhos desenvolvidos para a sua consecução (“Cavo, / Lavo, / Peneiro”).

▪ O sujeito poético procura o seu “tesoiro sagrado”: ele mesmo, a sua essência, o “tesoiro” de interrogações de “nenhuma certeza” que as pequenas certezas do dia a dia (“mil certezas de aluvião” – hipérbole) tentam calar (“Soterrada”).

▪ Ele procura descobrir o seu verdadeiro “eu”, isento de influências de terceiros: “Busco apenas aquela…”.

▪ O processo de autoconhecimento envolve um trabalho árduo: “Cavo, / Lavo, / Peneiro” (vv. 10-12). Estas três formas verbais remetem para o trabalho árduo da prospeção do ouro: o prospetor cava o solo, lava o que dele extrai e depois peneira o que resta, de modo que na peneira fiquem presas as pepitas. É um trabalho artesanal árduo.

▪ De modo semelhante, a prospeção que o sujeito poético efetua no seu íntimo é árdua: ele procura, analisa e investiga o seu interior, uma atividade que é contínua, incessante e sistemática. Em suma, a enumeração metafórica das três formas verbais traduz a incansável busca de si próprio por parte do “eu”.

▪ Os versos 11 a 13 sugerem a duplicidade da natureza do trabalho: os sentidos das formas verbais sugerem tanto uma pesquisa interior quanto uma pesquisa prática, organizadoras do trabalho poético.

▪ A metáfora da busca da poesia enquanto mineração está presente tanto em sentido metafísico como alquímico.

▪ A oração coordenada adversativa dos veros 13 e 14 clarifica a finalidade do sujeito: “Mas só quero a fortuna / De me encontrar”.

3.ª parte (vv. 15-18): o sujeito poético reconhece que o seu objetivo é vasto.

▪ A comparação do verso 17 (“Puro como um deserto”), a metáfora e a adjetivação do seguinte (“Inteiramente nu e descoberto.”) sugerem a busca da própria essência poética por parte do sujeito poético. A nudez simboliza aquele que espera vestir-se, isto é, fazer-se e preencher-se, e de forma total, visto que a sua nudez é inteira, como se infere do advérbio de modo “inteiramente”.

▪ De acordo com os versos 15 e 16, é através dos seus versos que o «eu» encontrará as respostas que procura, em busca de si próprio.

▪ Estilisticamente, o poema é dominado pela metáfora em torno do «ouro» e da sua prospeção, com a finalidade de exprimir a beleza da incansável busca de si próprio, o autoconhecimento, o encontrar da sua identidade.

▪ O recurso ao presente do indicativo sugere a continuidade do processo de autoconhecimento, da busca de si próprio.


Título

O título (“Prospeção”: pesquisa destinada a descobrir filões ou jazidas de uma mina) aponta para a procura de algo, neste caso da própria identidade, de si mesmo.


Retrato do sujeito poético

O sujeito poético mostra-se, desde o início, determinado e consciente da sua condição e da sua solidão, a qual o faz sentir-se vazio, sem se ter ainda encontrado.
O seu objetivo está claramente identificado: encontrar o que há de mais puro em si. A busca incessante, durante a qual se mostra incansável, que enceta para se encontrar é semelhante à que o poeta faz para versejar. De facto, produzir poesia requer a mesma procura, o inconformismo, a luta intensa e determinada de quem não pretende copiar ou seguir modelos impostos, mas descobrir o seu próprio caminho.


Arte poética de Torga

A poesia é apresentada, metaforicamente, como um trabalho árduo, persistente e constante sobre a palavra, o que implicaria pesquisa, esforço, uma busca interior, para tentar encontrar a sua essência através da poesia. A arte poética, a criação poética implica um trabalho aturado e um esforço persistente.
A criação poética é uma tarefa de pesquisa incessante que o poeta tem de realizar para se encontrar e conhecer. É um assumir de consciência de que o trabalho de autoconhecimento é, de facto, interminável e duro, conduzindo a um permanente inconformismo.


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