● Tema
O tema é a busca de si mesmo por
parte do sujeito poético, descrevendo o trabalho árduo que tem de realizar para
tal.
Por outro lado, a composição poética
aponta também para o drama da criação poética, associada à ideia de pesquisa
incessante a que o poeta tem de se dedicar, procurando descobrir-se e uma
explicação para o mundo que o rodeia, questionando-o e não se conformando com a
solidão a que o ser humano está frequentemente votado.
● Estrutura interna
Neste ponto da análise, socorremo-nos
da proposta apresentada pelos autores do manual Encontros 12, da Porto
Editora, pág. 193, sabendo que há outras possibilidades (como, por exemplo,
dividir o texto em dois momentos, coincidentes com as estrofes que o
constituem: na 1.ª, encontraríamos a procura, por parte do «eu» lírico, de um
“tesoiro sagrado”; na 2.ª, teríamos a especificação dessa procura,
identificando as etapas que deve superar para se encontrar, fazendo uso da
poesia enquanto arma ou meio para o conseguir).
De acordo com a proposta referida, o
poema poderá dividir-se nos seguintes três momentos:
• 1.ª parte (vv.
1-2): o sujeito poético estabelece o conceito de “prospeção”, restringindo-o
(não visa a descoberta de minerais preciosos, mas de si mesmo).
▪ O sujeito poético
começa por afirmar que não procura oiro, algo material, um minério precioso. De
facto, o que ele busca é interior, pois situa-se dentro de si, no seu íntimo:
“Oiro dentro de mim…” – v. 2. Ele deseja encontrar o que de mais puro há em si.
▪ Se o ouro é um metal
precioso e representa algo valioso, conotado com a riqueza material, a procura
do sujeito poético corresponde a algo mais valioso para o ser humano: o oiro, o
filão mais rico e profundo da sua identidade, isto é, ele mesmo, o conhecimento
de si próprio.
• 2.ª parte (vv.
3-14): o sujeito poético concretiza o objetivo da sua busca – encontrar-se a si
mesmo (dentro de si) – e os trabalhos desenvolvidos para a sua consecução
(“Cavo, / Lavo, / Peneiro”).
▪ O sujeito poético
procura o seu “tesoiro sagrado”: ele mesmo, a sua essência, o “tesoiro” de
interrogações de “nenhuma certeza” que as pequenas certezas do dia a dia (“mil
certezas de aluvião” – hipérbole) tentam calar (“Soterrada”).
▪ Ele procura descobrir o
seu verdadeiro “eu”, isento de influências de terceiros: “Busco apenas
aquela…”.
▪ O processo de
autoconhecimento envolve um trabalho árduo: “Cavo, / Lavo, / Peneiro” (vv.
10-12). Estas três formas verbais remetem para o trabalho árduo da prospeção do
ouro: o prospetor cava o solo, lava o que dele extrai e depois peneira o que
resta, de modo que na peneira fiquem presas as pepitas. É um trabalho artesanal
árduo.
▪ De modo semelhante, a
prospeção que o sujeito poético efetua no seu íntimo é árdua: ele procura,
analisa e investiga o seu interior, uma atividade que é contínua, incessante e
sistemática. Em suma, a enumeração metafórica das três formas verbais traduz a
incansável busca de si próprio por parte do “eu”.
▪ Os versos 11 a 13
sugerem a duplicidade da natureza do trabalho: os sentidos das formas verbais
sugerem tanto uma pesquisa interior quanto uma pesquisa prática, organizadoras
do trabalho poético.
▪ A metáfora da busca da
poesia enquanto mineração está presente tanto em sentido metafísico como
alquímico.
▪ A oração coordenada
adversativa dos veros 13 e 14 clarifica a finalidade do sujeito: “Mas só quero
a fortuna / De me encontrar”.
• 3.ª parte (vv.
15-18): o sujeito poético reconhece que o seu objetivo é vasto.
▪ A comparação do verso
17 (“Puro como um deserto”), a metáfora e a adjetivação do seguinte
(“Inteiramente nu e descoberto.”) sugerem a busca da própria essência poética
por parte do sujeito poético. A nudez simboliza aquele que espera vestir-se,
isto é, fazer-se e preencher-se, e de forma total, visto que a sua nudez é
inteira, como se infere do advérbio de modo “inteiramente”.
▪ De acordo com os versos
15 e 16, é através dos seus versos que o «eu» encontrará as respostas que
procura, em busca de si próprio.
▪ Estilisticamente, o
poema é dominado pela metáfora em torno do «ouro» e da sua prospeção, com a
finalidade de exprimir a beleza da incansável busca de si próprio, o
autoconhecimento, o encontrar da sua identidade.
▪ O recurso ao presente
do indicativo sugere a continuidade do processo de autoconhecimento, da busca
de si próprio.
● Título
O título (“Prospeção”: pesquisa
destinada a descobrir filões ou jazidas de uma mina) aponta para a procura de
algo, neste caso da própria identidade, de si mesmo.
● Retrato do sujeito poético
O sujeito poético mostra-se, desde o
início, determinado e consciente da sua condição e da sua solidão, a qual o faz
sentir-se vazio, sem se ter ainda encontrado.
O seu objetivo está claramente
identificado: encontrar o que há de mais puro em si. A busca incessante,
durante a qual se mostra incansável, que enceta para se encontrar é semelhante
à que o poeta faz para versejar. De facto, produzir poesia requer a mesma
procura, o inconformismo, a luta intensa e determinada de quem não pretende
copiar ou seguir modelos impostos, mas descobrir o seu próprio caminho.
● Arte poética de Torga
A poesia é apresentada,
metaforicamente, como um trabalho árduo, persistente e constante sobre a
palavra, o que implicaria pesquisa, esforço, uma busca interior, para tentar
encontrar a sua essência através da poesia. A arte poética, a criação poética
implica um trabalho aturado e um esforço persistente.
A criação poética é uma tarefa de
pesquisa incessante que o poeta tem de realizar para se encontrar e conhecer. É
um assumir de consciência de que o trabalho de autoconhecimento é, de facto,
interminável e duro, conduzindo a um permanente inconformismo.
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