Entre
os autores proibidos ou amputados pela Censura contam-se Gil Vicente, Bernardim
Ribeiro, Sá de Miranda, João de Barros, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Jorge de
Montemor, António Ferreira. Nenhum livro podia sair, na segunda metade do
século XVI, sem três licenças: a do Santo Ofício, a do Ordinário eclesiástico
na diocese respetiva e a do Paço. O relator do Santo Ofício examinava o livro
em manuscrito e obrigava o autor a alterá-lo, amputá-lo ou acrescentá-lo, antes
de lhe conceder a fórmula «nada contém contra a nossa Santa Fé e bons
costumes». E, assim, desde a segunda metade do século XVI até à reforma
pombalina da censura, não podemos afirmar que conhecemos o texto original de
uma obra impressa, mas somente um texto ao qual os censores anuíram. A
impressão, a venda, a herança e a entrada de livros vindos do estrangeiro
estavam sujeitas a apertada vigilância, incluindo inspeções domiciliárias,
declarações periódicas obrigatórias e as mais graves penalidades, com
recompensa de denúncias secretas à custa dos bens confiscados.
Aos
efeitos da Contra-Reforma vieram juntar-se, a partir de 1581, os da união com
Espanha. Do primeiro resultou murcharem as promessas do Humanismo. O segundo
teve como consequência o desaparecimento da corte de Lisboa, o foco literário
mais estimulante do País. Os homens de letras e artistas, que até então viviam
sobretudo da munificência régia, procuraram a proteção da corte de Madrid, ou
acolheram-se ao mecenato das maiores casas senhoriais, como as dos condes de
Vila Real e dos duques de Bragança. Outros viveram à sombra das ordens
religiosas a que pertenciam, tratando uma temática predominantemente devota. O
teatro, o grande género das cortes monárquicas do século XVII, decaiu após as
criações de Gil Vicente e António Ferreira. Na lírica e na épica, os padrões
renascentistas mal se renovaram. Na prosa, o primeiro plano da cena é ocupado
pelos cronistas das diversas ordens religiosas, quer se ocupem da história do
Reino, quer da dos conventos e santos respetivos. Tirante os discípulos dos
quinhentistas refugiados em várias «cortes na aldeia», o clero reforça a
posição predominante na produção literária.
A
Universidade de Coimbra é dominada pelos Jesuítas, embora as outras principais
ordens religiosas tenham acesso às suas cátedras. Durante o século XVII atinge
o seu apogeu a «escola conimbricense», que é uma tentativa para adaptar a
Escolástica e o Aristóteles dos Escolásticos à problemática mais recente. A
universidade jesuíta de Évora é outro foco importante de Teologia escolástica.
O
ensino universitário jesuíta, de início razoavelmente actualizado e eficiente,
decai à medida que se aproxima e avança o século XVII, convertendo-se os
tratados universitários em manuais, e estes em postilas sem autoria responsável, equivalente às sebentas no nosso tempo.
Além
do ensino universitário, os Jesuítas dominam, em geral, com os seus colégios de
Artes, os Estudos Menores, ou preparatórios, em toda a extensão do império da
Casa da Áustria, através de numerosas escolas onde se educam tanto a aristocracia
de sangue como a burguesia. Nesses colégios, entre os quais se destacam o
Colégio das Artes de Coimbra e o de Santo Antão de Lisboa, além de noções de Matemáticas
e Geometria necessárias à construção ou manobra naval, à vida militar, etc.,
ministra-se principalmente uma cultura geral que, embora adoptando as formas da
erudição humanística, era escolástica na sua inspiração mais profunda. A Ratio Studiorum, regulamento pedagógico
de todas as escolas jesuítas (1599), tem em vista desenvolver a expressão oral
e escrita em latim, a capacidade de disputa e de exibição literária em público,
através de sabatinas, concursos de emulação escolar, récitas, representações
teatrais, proscrevendo expressamente todo o magistério ou prática escolar que
favoreça a curiosidade intelectual, o gosto da novidade, o espírito crítico.
Aristóteles, base de todo o ensino, deve ser interpretado segundo os
comentadores consagrados, especialmente S. Tomás.
Diferentemente
do que sucede em Espanha, o papel cultural das outras ordens religiosas é em
Portugal, nesta época, modesto em comparação com o dos Jesuítas. Devem-se no
entanto aos Cistercienses de Alcobaça, aos Dominicanos, aos Franciscanos e a
outros, numerosas hagiografias, histórias monásticas, histórias nacionais, que
constituem o grosso da produção impressa em língua portuguesa no século XVI.
Convém
ter bem presente que sob o governo dos Filipes são, mais do que nunca,
bilingues não só os autores como o público português. Significativo é que o Quijote de Cervantes tenha duas edições
em Lisboa no próprio ano da sua primeira edição; e que a primeira edição do Guzmán de Alfarache, 2.ª parte, de Mateo
Alemán, seja igualmente lisboeta. Esboça-se desta forma uma tendência a dar ao
castelhano, língua geral da Península, preponderância no teatro e nos géneros
de grande circulação, como o romance, ficando o português reduzido à condição
de língua regional. Tendência passageira, resultante da ausência de uma corte
régia em Lisboa, e que pode ter contribuído para a decadência ou falta de
continuidade do romance e do teatro em língua portuguesa.
A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa (adaptado)
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