Português

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Análise da «Ode Triunfal» (1.ª parte)


 
1.ª estrofe:
 

Localização:

- espacial: interior de uma fábrica, em plena e intensa atividade (o sujeito poético está rodeado de máquinas, sob a luz forte das “grandes lâmpadas elétricas”;

- temporal: presente em que o sujeito poético observa a fábrica; noite? (a luz das lâmpadas).

 
Estado de espírito do sujeito poético:

- estado febril, doentio, delirante (“Tenho febre e escrevo”) – canta o progresso e a modernidade de forma entusiástica;

- sente dor (“À dolorosa luz…”);

- em fúria (“rangendo os dentes””.

 
Ação do sujeito poético:

- engenheiro;

- escritor (“Escrevo”):

. o ambiente inspira-o a escrever (violentamente) um cântico novo sobre a beleza da civilização moderna;

. a realidade que o cerca provoca-lhe sensações contraditórias:

- deleita-se a apreciar a beleza do que o rodeia;

- mas essa beleza/realidade causa-lhe dor.

 
• Valorização de um novo conceito de arte/estética, de uma nova forma de beleza “totalmente desconhecida dos antigos” (vv. 3-4, 15, 37-40):

- valoriza-se a “beleza” da civilização moderna, diferente da beleza aristotélica clássica, que assentava nas noções de Perfeição, Equilíbrio, Agradável, Harmonia, Proporção e Elegância, porque a realidade moderna não as tem;

- o novo conceito de Belo relaciona-se com as ideias de Força, Velocidade, Dinamismo, Excesso, Modernidade…
 
         Álvaro de Campos, na “Ode Triunfal”, põe em prática o que havia teorizado nos seus Apontamentos para uma estética não aristotélica (revista “Athena”, números 3 e 4). De acordo com a conceção de Aristóteles, a arte/a estética assentava nas ideias de beleza, de perfeição, de equilíbrio, do agradável comandado pela inteligência. Na esteira de Walt Whitman, o heterónimo de Pessoa apresenta uma nova conceção, sustentada nos seguintes princípios:

▪ assenta nas ideias de força, dinamismo, energia explosiva, volúpia da imaginação;

▪ o sentir predomina em relação ao pensar, por isso o importante não é a beleza dos maquinismos em si mesmos, mas as sensações que eles despertam e o modo como se codificam, ao nível da expressão, essas sensações;

▪ não é a beleza clássica saída da inteligência que cativa o sujeito poético, mas a força caótica e explosiva produto de uma emotividade individual desordenada e caótica, de um subconsciente em convulsão;

▪ daí que Campos queira transformar-se na realidade excessiva que o cerca e cantar tudo “com um excesso / De expressão de todas as (…) sensações com um excesso contemporâneo” das máquinas (vv. 26 a 32).

 
 
Sensacionismo
 

O Sensacionismo é uma estética criada por Fernando Pessoa e por Mário de Sá-Carneiro e encontramos a sua marca na poesia de Álvaro de Campos e de Alberto Caeiro.

Na poesia, privilegia a representação das sensações (visuais, auditivas, etc.) de que o sujeito poético teve consciência no seu contacto com o mundo que o rodeia.

Perpassa a “Ode Triunfal” o princípio de sentir tudo de todas as maneiras e ser tudo e todos nesta realidade moderna, urbana e industrial.

Na “Ode Triunfal”, o Sensacionismo associa-se ao Futurismo na ideia de sentir em excesso (e em delírio) o mundo moderno e de representar a forma como os sentidos aprendem essa realidade.

 
O sensacionismo de Álvaro de Campos inspira-se no de Alberto Caeiro, visível no modo como um e outro apreendem o real: através das sensações. No entanto, enquanto que Caeiro o faz de uma forma calma e tranquila e baseado na Natureza, Campos procura as sensações nos maquinismos e deixa-se levar pelos excessos característicos do futurismo bem evidentes na linguagem utilizada:

- onomatopeias: “r-r-r-r-r-r-r eterno!” (v. 5);

- ritmo rápido e excessivo: “Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus nervos dissecados fora” (vv. 7-8);

- repetições: “Canto, e canto o presente” (v. 17);

- enumerações: “(…) e canto o presente, e também o passado e o futuro” (v. 17);

- aliterações: “Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando” (v. 24);

- frases exclamativas: “Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!” (v. 26);

- interjeições: “Ah” (v. 26);

- adjetivação: “Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!” (v. 32).

 
Sensacionismo – presença dos cinco sentidos:

- audição:

. “r-r-r-r-r-r-r eterno” (v. 5);

. “ruídos modernos”;

- visão:

. “e olhando os motores” (v. 15);

- paladar/gosto:

. “Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!” (v. 9);

. “Tenho os lábios secos” (v. 10);

- tato:

. “Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma” (v. 25);

. “calores” (v. 31);

- olfato:

. “perfumes de óleos” (v. 31);

- finalidade/significado: no seu estado febril, o sujeito poético procura captar as sensações provocadas pelas máquinas através dos sentidos;

- simultaneidade e exacerbação sensorial:

. a pluralidade sensorial – “Sentir tudo de todas as maneiras” – é uma forma/um método de conhecimento da dinâmica da vida moderna;

. a intensidade e o sincronismo conferem maior captação de captação sensitiva, já que esta se caracteriza pela sua fugacidade e fragmentação o sujeito poético sente intensamente.

 
Campos sente uma ânsia eufórica de abarcar a totalidade e a complexidade das sensações: “todos”, “todas”. O excesso de sensações representa a vontade do «eu» de experimentar intensamente e de todas as maneiras a multiplicidade de situações da vida moderna – sentir tudo de todas as maneiras ‑, por isso, extasiado, deseja “exprimir-[se] todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina! / Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!” (vv. 26-28).
 
O desejo de excesso de sensações leva-o mesmo a assumir uma atitude sadomasoquista (vv. 134-135) só para aceder a “tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!” (v. 101). De facto, o sensacionismo de Campos é de cariz masoquista e sensualista e apela a um gozo orgíaco e extremo: “Eu podia morrer triturado por um motor” (v. 134); “Atirem-me para dentro das fornalhas” (v. 136), etc.
 
 
Cântico da era moderna e do progresso:
 
Campos elogia, à maneira futurista, a agitação e o movimento próprios da vida moderna.
 
Faz a apologia da força, enquanto critério primordial da beleza, que a obra escrita deve reproduzir.
 
Canta a civilização moderna, os avanços tecnológicos, em que tudo e todos têm lugar na poesia, pelo simples facto de existirem.
 
A Modernidade é uma espécie de nova «religião», que merece ser enaltecida, através da poesia:

- “E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso / De expressão de todas as minhas sensações / Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!” (vv. 12-14);

- “Ó coisas todas modernas, / Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima / Do sistema imediato do Universo / Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!” (vv. 45-48).

 
 
Realidades cantadas
 
As realidades cantadas são diversas, desde as referentes aos avanços da técnica (grandes lâmpadas elétricas das fábricas, rodas, engrenagens, maquinismos, ruídos modernos, máquinas, motores, correias de transmissão, êmbolos, volantes, comboios, navios, guindastes, fábricas, etc.) e até às que prefiguram o lado negativo da civilização industrial (corrupções políticas, escândalos financeiros e diplomáticos, agressões políticas, regicídios, notícias desmentidas, desastres de comboios, naufrágios, revoluções, alterações de constituições, guerras, invasões, injustiças, violência, etc.).
 
Um pouco à semelhança de Cesário Verde, Campos inova ao conferir poeticidade a temáticas não usuais: máquinas, motores, fábricas, energia, matéria, força, etc., através de uma linguagem carregada de nomes concretos e abstratos, fonemas substantivados (r-r-r-r-r-r-r…), topónimos (Panamá, Kiel…), antropónimos (Platão, Virgílio…), estrangeirismos (souteneur, foule…), tipos de letra variados (vv. 5, 72, 238), maiúsculas desusadas (Prodígio, Sol…), adjetivação expressiva, figuras de estilo (polissíndetos, metáforas, anáforas, apóstrofes, enumerações, personificações, sinestesias, perífrases, trocadilhos, reiterações, gradações, comparações, aliterações…), neologismos (passante), formas verbais variadas, advérbios expressivos (estridentemente, exageradamente…), gerúndios (rangendo, sorrindo), interjeições (ah, hilla, eia…), rimas internas (vv. 24, 25, 70) e onomatopeias (ciciar, up-lá ôh…).
 
 
Linguagem erótica
 
Álvaro de Campos canta o mundo do progresso industrial e mecânico através de uma linguagem evocadora de um certo erotismo: “Amo-vos carnivoramente, / Pervertidamente…” (vv. 105-106); “Completamente vos possuo como a uma mulher bela…”.
 
Por outro lado, essa linguagem possui um sentido profundamente masoquista: “Eu podia morrer triturado por um motor…” (v. 134), que se orienta mais para a criação de sensações novas e violentas (sensacionismo) do que para a exaltação das máquinas.
 

Análise da "Ode Triunfal"



sábado, 20 de fevereiro de 2021

Análise da Dedicatória de Os Lusíadas

 
A Dedicatória não era um elemento obrigatório do género épico. Camões, contudo, faz questão de dedicar o poema a D. Sebastião, o rei que então governava Portugal e que o Poeta vê como garante da continuidade da grandeza de Portugal (dilatação da Fé do Império).

 
 
Estrutura interna
 
                A Dedicatória segue a estrutura típica do género oratório.

 
Exórdio (est. 6 a 8) – O Poeta dirige-se a D. Sebastião declarando-o:

- o enviado providencial para assegurar a independência de Portugal, continuando a sua grandeza através da dilatação da Fé e do Império (est. 6);

- o descendente de uma dinastia mais importante do que as mais importantes da Europa;

- o detentor de um império imenso e o baluarte contra os seus inimigos, os ismaelitas e os turcos.

 
▪ A transmissão da mensagem da 1.ª parte assente nos seguintes recursos estilísticos:

- o uso da segunda pessoa do plural «vós»;

- a utilização de apóstrofes e perífrases:

. “… ó bem nascida segurança, / Da lusitana antiga liberdade, / E não menos certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade…”;

. “… ó novo temor da maura lança, / Maravilha fatal da nossa idade…”;

- a metáfora: “Tenro e novo ramo” (I, 7, v. 1) – descendente muito jovem;

- a sinédoque:

. “maura lança” (I, 6, v. 5) – o exército dos mouros;

. “Do torpe Ismaelita” (I, 8, v. 6) – os mouros, descentes de Ismael, filho de Abraão e Agar, daí também o nome “agarenos”;

. “Do Turco oriental e do Gentio” (I, 8, v. 7) – os bárbaros, os infiéis

 
Exposição (est. 9 a 11) – O Poeta, recorrendo a verbos no imperativo (“inclinai”, “ponde”, “ouvi”), pede ao rei que atente na obra que, desinteressada e patrioticamente, elaborou e lhe dedica, na qual verá retratados os grandes feitos dos portugueses, reais e não fingidos, bem superiores aos narrados nas antigas epopeias (esses sim “façanhas, / Fantásticas, fingidas, mentirosas” – Orlando Enamorado, Orlando Furioso, Chanson de Roland), de tal forma que o rei se pode julgar mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo inteiro.

 
▪ Da mensagem transmitida pelo Poeta a D. Sebastião, conclui-se que Os Lusíadas são fonte de glória tanto para Camões como para D. Sebastião. Por exemplo, nos primeiros quatro versos da estância 10, Camões afirma que foi levado a escrever a obra não pelo desejo de um prémio vil / material, mas de um prémio “alto e quase eterno”. Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses (“ser conhecido por um pregão do ninho meu paterno”). A obra é também fonte de glória para D. Sebastião, quando Camões afirma que aquele, ao ler nela os grandes feitos dos portugueses, poderá julgar que é melhor ser rei dos portugueses do que do mundo todo.

 
Confirmação (est. 12 a 14) – Camões concretiza o que disse anteriormente, contrapondo a cada herói antigo um herói português (est. 12 e 13), e elogia os mais conhecidos vice-reis da Índia e todos os que, pelos feitos cometidos “nos Reinos lá da Aurora” (Oriente), atingiram a imortalidade.

 
▪ A nível estilístico, é de salientar o recurso aos seguintes recursos:

- perífrase: “E aquele que a seu Reino a segurança / Deixou…” (I, 13 – vv. 5-6) – D. João I;

- hipérbole, prosopopeia e sinédoque: “… por quem sempre o Tejo chora” (I, 14 – v. 6).

 
Peroração (est. 15-17) – O Poeta elogia o novo rei (“Sublime Rei”) e incita-o a continuar a guerra contra os Mouros, na terra e no mar, na África e no Oriente, prevendo para ele tais vitórias que encherão de júbilo as almas dos seus avós (D. João III e Carlos V), ao verem as suas glórias renovadas.

 
Conclusão (est. 18) – Camões remova o pedido inicial de aceitação da sua obra (“novo atrevimento”), em que o Rei poderá observar a forma como os navegadores venceram os mares e imaginá-los como Argonautas e o que poderão vir a fazer sob o seu impulso.

 
 
NOTAS

 
1. Podemos concluir então que, nestas treze estâncias, o vocativo e a frequência do modo imperativo centrados na pessoa do destinatário (o rei D. Sebastião) condicionam o predomínio da função apelativa, sem dúvida a mais adequada à realização do principal desejo do emissor: a oferta dos seus préstimos para cantar os heróis do seu povo, isto é, que o jovem soberano aceite o seu canto heroico do “peito ilustre lusitano” como um contributo para a glória da Pátria e como um estímulo para, sob o seu impulso, novos grandes feitos virem a ser cometidos.

 
2. Por outro lado, novamente estabelece a comparação (a partir da estância 11) entre os Portugueses e os heróis da Antiguidade, com o objetivo de enaltecer e engrandecer os feitos lusos.

 
3. Também na estância 18 se pode constatar que a obra é fonte de glória para o poeta e para D. Sebastião, quando Camões imagina o rei a ver no seu poema os novos argonautas, como se fossem já os seus. Esta estância, assim como a última d’ Os Lusíadas (IX, 156), pressagiam uma grande glória para D. Sebastião e uma nova grande epopeia para cantar os seus feitos.

 
4. Nota-se uma estreita ligação entre o conteúdo das estâncias 11 a 14 e o conteúdo da Proposição. Com efeito, Camões afirma, nas três primeiras estâncias da obra, que os feitos dos portugueses suplantam os dos maiores heróis da Antiguidade (“Cesse tudo o que a musa antiga canta, / Que outro poder mais alto se alevanta”); também nas estâncias 11 a 14 da Dedicatória considera que os feitos dos lusitanos suplantam as antigas, ainda que fossem verdadeiras, contrapondo a cada herói antigo um herói português.

 
5. D. Sebastião é visto como monarca poderoso, como representante do povo predestinado pelo Fado ao cometimento de grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda, dilatando a Fé e o Império.

      O louvor de D. Sebastião está, portanto, em ser apresentado como um jovem rei de quem o povo português tudo espera, rei que a providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise em que a nação já se encontrava, mas estava tão arreigada no povo que não desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em crise.

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Apresentação da "Ode Triunfal"

 Apresentação da “Ode Triunfal”
 
• Segundo a carta escrita por Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, o poema foi escrito em Londres, em 1914, “num jato e à máquina de escrever, sem interrupções nem emenda”.

 
• Fui publicado no primeiro número da revista Orpheu, em 1915.

 
• É constituído por 240 versos.

 
• Inclui-se na segunda fase poética de Álvaro de Campos – futurismo e sensacionismo.

 
Estrutura interna

 
Introdução (1.ª estrofe) – Contextualização do canto:

Localização do sujeito poético: engenheiro situado no interior de uma fábrica.

Atividade: escrita, a partir da contemplação do que o rodeia (“Tenho febre e escrevo” – v. 2).

Estado de espírito do sujeito poético.

Novo conceito de estética: novo conceito de beleza, “totalmente desconhecido” dos antigos” (v. 4).

 
Desenvolvimento (da 2.ª à penúltima estrofe) – Exaltação da modernidade nas suas várias vertentes (indústria, técnica, comércio, sociedade), visando a identificação com tudo.

▪ Associação da voz do sujeito lírico às máquinas que canta (estrofe 2 a 4).

▪ Explanação entusiástica de múltiplas imagens de vida urbana e moderna.

▪ Erotização da relação física do «eu» com a trepidante vida das cidades (estr. 13 a 15).

▪ Apoteose final (penúltima estrofe).

 
Conclusão (último verso) – Constatação do fracasso (impossibilidade de identificação com tudo):

▪ A busca desenfreada com “tudo e todos”.

▪ A confissão de um aparente fracasso: ”Ah não ser eu…” – cf. advérbio de negação.

▪ Tom de ambiguidade e nostalgia (interjeição “Ah”).

 
Análise da "Ode Triunfal"



Fases poéticas de Álvaro de Campos

 ● 1.ª fase – Decadentista

▪ poema (único): “Opiário”, 1914;

▪ características:

❶ atitude de tédio (de viver) e desilusão perante o desenrolar de uma vida monótona e sem objetivos;

❷ o cansaço, a frustração e o enfado levam o sujeito poético a desejar a evasão para um não-lugar e a ver no ópio um refúgio;

❸ cansaço da civilização;

❹ busca da evasão;

❺ procura de novas sensações: o sujeito poético procura novas sensações;

❻ atitude desafiadora das normas instituídas: o sujeito poético exibe uma atitude desafiadora das normas instituídas e uma recusa em compactuar com os cânones sociais (ex.: quadro Mona Lisa com bigodes, de Marcel Duchamp).
 
● 2.ª fase – Futurista e Sensacionista

▪ poemas      - “Ode Triunfal”, 1914

- “Ode Marítima”, 1915

- “Saudação a Walt Whitman”, 1915 (poeta americano que fazia o elogio da vida moderna)

▪ características:

❶ apologia do progresso, da civilização tecnológica, da modernidade, da força e da velocidade, numa linguagem impetuosa e exuberante;

❷ exaltação do presente: “Porque o presente é todo o passado e todo o futuro”;

❸ celebração do triunfo da máquina, na qual são projetados os sonhos e os desejos do poeta;

❹ experiência e expressão excessiva das sensações;

❺ sadismo e masoquismo;

❻ euforia emocional.

 
● 3.ª fase – Intimista ou abúlica

▪ poemas      - “Esta velha angústia”

- “Lisbon Revisited 1923”

- “Tabacaria”

- “Datilografia”

- “Aniversário”

▪ características:

❶ a deceção, o desalento, e a angústia existencial da vida moderna;

❷ o vazio, a falta de afeto e a ausência de ligação aos outros;

❸ o abatimento, que o leva a sofrer fechado em si, consciente de que não sairá deste estado;

❹ a recordação nostálgica da infância, tempo dos afetos, que não voltará a aceitar.

 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Falecimento de Carmen Dolores



 (1924-2021)

Análise da Proposição de Os Lusíadas

 Introdução
 
    A Proposição, um dos elementos estruturais obrigatórios das epopeias, ocupa as três estrofes iniciais d’Os Lusíadas e nela Camões apresenta a matéria, o assunto que se propõe cantar: os heróis, os navegadores, os reis que dilataram “a Fé e o Império” e, de um modo geral, todos aqueles que «se vão da lei da Morte libertando”.

 
 
Método de abordagem e de análise da Proposição

    As frases / orações da Proposição, especialmente das duas estrofes iniciais, não seguem a ordem tradicional e característica da língua portuguesa. Assim, para melhor se iniciar a abordagem do texto, convém atender ao seguinte:

1.º) Ler o penúltimo verso da segunda estância

“Cantando espalharei por toda parte…”

2.º) Prosseguir a leitura pelo primeiro verso da primeira estância;

. “As armas e os Barões assinalados”;

. “E também as memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o Império”;

. “E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando”.

3.º) Terminar a leitura com o último verso da segunda estância:

“Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.”

 
 
 
Estrutura interna
 
• 1.ª parte (estâncias 1 e 2) – Apresentação do assunto do poema.

 
Proposição (intenção) do poeta (versos 15 e 16):

 
▪ O poeta propõe-se cantar e divulgar (forma verbal no futuro «espalharei») os heróis portugueses, o povo português (“o peito ilustre lusitano”).

 
Natureza do canto: o canto será universal (“por toda a parte”).

 
Condição: o poeta necessita de possuir arte e talento para produzir o canto.

 
Quem vai Camões cantar?

 
1.º) Os guerreiros e...

 
Conclusão da análise - clicar no link: análise-da-proposição.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Reflexão existencial: a consciência e encenação da mortalidade

 
• Consciência da efemeridade da vida, da inexorabilidade do Tempo e da inevitabilidade da Morte.

                Reis tem uma consciência aguda de que a vida é efémera e transitória, de que o Tempo passa de forma célere e de que qualquer ato humano é pequeno e infrutífero perante estas realidades. Receia a velhice e a morte, que é inevitável.

                Além disso, está consciente de que o Homem é débil perante forças maiores que o oprimem.

                Assim, angustiado por tudo isto e pela noção de um Destino inexorável, procura na sabedoria dos antigos um remédio para os seus males, nomeadamente para a dor da caducidade e o peso da Moira cruel. Que remédio é esse? Trata-se da aceitação com altivez do Destino que lhe é imposto e que lhe proporcione a indiferença face à morte. Reconhecendo que a vida de cada um, não obstante ser instável e contingente, é o único bem em que podemos, até certo ponto, firmar-nos, souberam construir a partir dele uma felicidade relativa, encarando com lucidez o mundo.

 
• Tragicidade da vida humana.

                O ser humano é uma vítima indefesa do Destino e está sujeito à passagem do Tempo, que inevitavelmente traz o envelhecimento, a doença e a morte a uma vida que é efémera. Consciente de que qualquer esforço é inútil, renuncia e busca a aceitação calma do Destino.

                Em suma, a vida é fugaz, a morte é certa, o Destino comanda-nos, daí que devamos recusar compromissos afetivos (“Desenlacemos as mãos”) e sociais (“Antes magnólias amo / Que a glória e a virtude”) para chegar à morte de mãos vazias e sem dor.

 

• A vida como «encenação» da hora fatal (previsão e preparação da morte): despojamento de bens materiais, negação de sentimentos excessivos e de compromissos.

                Reis, consciente do fluir inexorável do tempo, aceita a efemeridade da vida, bem como a inevitabilidade da morte. Numa atitude epicurista e estoica do equilíbrio interior pela busca de um prazer relativo, o poeta sustenta que a própria vida deve ser encarada como encenação da morte, através da autodisciplina, da abdicação, da renúncia a compromissos afetivos e sociais, da aceitação calma e serena da vida, da submissão ao Destino e da aceitação da inevitabilidade da Morte.

 

• Intelectualização de emoções e contenção de impulsos.

                A filosofia de Reis resume-se num epicurismo triste. Para ele, cada indivíduo deve viver a sua própria vida, isolando-se dos outros e procurando apenas o que lhe agrada e apraz. Deve renunciar às emoções violentas: o poeta racionaliza as emoções e recusa o seu valor, face à realidade que descobre, através do pensamento.

                O Homem deve buscar o mínimo de dor e, sobretudo, a calma e a tranquilidade, abstendo-se de esforços e da atividade útil. Deve procurar dar-se a ilusão da calma, da liberdade e da felicidade, coisas inatingíveis, pois, quanto à liberdade, os próprios deuses – também eles comandados pelo Destino – não a têm; quanto à felicidade, não a pode viver quem está exilado da sua fé e do meio onde a sua alma devia viver; e quanto à calma, quem vive angustiado, sempre à espera da morte, dificilmente pode fingir-se calmo. A obra de Reis, profundamente triste, é um esforço lúcido e disciplina para obter uma calma qualquer.

                Epicurista, o homem de sabedoria conquista a autonomia interior na estrita área de liberdade que lhe restou. Essa conquista começa por um ato de abdicação, por uma atitude de autodisciplina. O primeiro objetivo é submeter-se voluntariamente ao Destino, que deste modo cumprimos altivamente, sem um queixume. O homem sábio chega mesmo a antecipar-se ao próprio Destino, aceitando livremente a morte. O segundo objetivo é depurar a alma de instintos e paixões que nos prendem ao transitório, alienando a nossa vida. A ataraxia, note-se, não implica para Epicuro ausência de prazer, mas indiferença perante todo o prazer que nos compromete, colocando-nos na dependência dos outros ou das coisas. Além disso, os prazeres epicuristas são tipicamente espirituais, como a leve recordação melancólica dos bons momentos do passado.

 

• Vivência moderada do momento (o presente como único tempo que nos é concedido).

                Na esteira da Antiguidade clássica, Reis confessa a Lídia que prefere o presente precário a um futuro que teme porque o desconhece. A sabedoria consiste precisamente em gozar o presente (carpe diem) de forma moderada, pois o futuro é uma incógnita e a vida é efémera.

 

• Preocupação excessiva com a passagem do Tempo e com a inelutável Morte (apesar do esforço empreendido na construção da máscara poética).

                Reis é um epicurista triste: faz a apologia do gozo comedido, do carpe diem e da suprema indiferença, de acordo com o Epicurismo. Por outro lado, apela à fortaleza de ânimo para enfrentar o fatalismo da morte e a dor de viver, segundo o Estoicismo. Estes princípios têm como finalidade atingir a (pouca) felicidade que é permitida aos seres humanos: viver «sem desassossegos grandes», aceitando as leis do Destino, e aguardar a morte de forma serena e digna. A efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte são temáticas obsessivas e geradoras de grande angústia que o poeta procura superar através do domínio da emoção pela razão, isto é, pela intelectualização das emoções.

                É uma lição de não-vida: não amar para não sofrer, não desejar para não ser desiludido, não questionar para não encontra o vazio.

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...