● A Dedicatória não era um
elemento obrigatório do género épico. Camões, contudo, faz questão de dedicar o
poema a D. Sebastião, o rei que então governava Portugal e que o Poeta vê como
garante da continuidade da grandeza de Portugal (dilatação da Fé do Império).
● Estrutura interna
A
Dedicatória segue a estrutura típica do género oratório.
• Exórdio
(est. 6 a 8) – O Poeta dirige-se a D. Sebastião declarando-o:
- o enviado
providencial para assegurar a independência de Portugal, continuando a sua
grandeza através da dilatação da Fé e do Império (est. 6);
- o descendente
de uma dinastia mais importante do que as mais importantes da Europa;
- o detentor
de um império imenso e o baluarte contra os seus inimigos, os ismaelitas e os
turcos.
▪ A transmissão
da mensagem da 1.ª parte assente nos seguintes recursos estilísticos:
- o uso da segunda
pessoa do plural «vós»;
- a utilização
de apóstrofes e perífrases:
. “… ó
bem nascida segurança, / Da lusitana antiga liberdade, / E não menos certíssima
esperança / De aumento da pequena Cristandade…”;
. “… ó
novo temor da maura lança, / Maravilha fatal da nossa idade…”;
- a metáfora:
“Tenro e novo ramo” (I, 7, v. 1) – descendente muito jovem;
- a sinédoque:
. “maura
lança” (I, 6, v. 5) – o exército dos mouros;
. “Do
torpe Ismaelita” (I, 8, v. 6) – os mouros, descentes de Ismael, filho de Abraão
e Agar, daí também o nome “agarenos”;
. “Do
Turco oriental e do Gentio” (I, 8, v. 7) – os bárbaros, os infiéis
• Exposição
(est. 9 a 11) – O Poeta, recorrendo a verbos no imperativo (“inclinai”, “ponde”,
“ouvi”), pede ao rei que atente na obra que, desinteressada e patrioticamente, elaborou
e lhe dedica, na qual verá retratados os grandes feitos dos portugueses, reais
e não fingidos, bem superiores aos narrados nas antigas epopeias (esses sim “façanhas,
/ Fantásticas, fingidas, mentirosas” – Orlando Enamorado, Orlando Furioso,
Chanson de Roland), de tal forma que o rei se pode julgar mais feliz
como rei de tal gente do que como rei do mundo inteiro.
▪ Da mensagem
transmitida pelo Poeta a D. Sebastião, conclui-se que Os Lusíadas são
fonte de glória tanto para Camões como para D. Sebastião. Por exemplo, nos
primeiros quatro versos da estância 10, Camões afirma que foi levado a escrever
a obra não pelo desejo de um prémio vil / material, mas de um prémio “alto e
quase eterno”. Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses
(“ser conhecido por um pregão do ninho meu paterno”). A obra é também fonte de
glória para D. Sebastião, quando Camões afirma que aquele, ao ler nela os
grandes feitos dos portugueses, poderá julgar que é melhor ser rei dos
portugueses do que do mundo todo.
• Confirmação
(est. 12 a 14) – Camões concretiza o que disse anteriormente, contrapondo a
cada herói antigo um herói português (est. 12 e 13), e elogia os mais
conhecidos vice-reis da Índia e todos os que, pelos feitos cometidos “nos
Reinos lá da Aurora” (Oriente), atingiram a imortalidade.
▪ A nível
estilístico, é de salientar o recurso aos seguintes recursos:
- perífrase:
“E aquele que a seu Reino a segurança / Deixou…” (I, 13 – vv. 5-6) – D. João I;
- hipérbole,
prosopopeia e sinédoque: “… por quem sempre o Tejo chora” (I, 14 –
v. 6).
• Peroração
(est. 15-17) – O Poeta elogia o novo rei (“Sublime Rei”) e incita-o a continuar
a guerra contra os Mouros, na terra e no mar, na África e no Oriente, prevendo
para ele tais vitórias que encherão de júbilo as almas dos seus avós (D. João
III e Carlos V), ao verem as suas glórias renovadas.
• Conclusão
(est. 18) – Camões remova o pedido inicial de aceitação da sua obra (“novo
atrevimento”), em que o Rei poderá observar a forma como os navegadores
venceram os mares e imaginá-los como Argonautas e o que poderão vir a fazer sob
o seu impulso.
● NOTAS
1.
Podemos concluir então que, nestas treze estâncias, o vocativo e a frequência
do modo imperativo centrados na pessoa do destinatário (o rei D. Sebastião)
condicionam o predomínio da função apelativa, sem dúvida a mais adequada à
realização do principal desejo do emissor: a oferta dos seus préstimos para
cantar os heróis do seu povo, isto é, que o jovem soberano aceite o seu canto
heroico do “peito ilustre lusitano” como um contributo para a glória da Pátria
e como um estímulo para, sob o seu impulso, novos grandes feitos virem a ser
cometidos.
2. Por
outro lado, novamente estabelece a comparação (a partir da estância 11) entre
os Portugueses e os heróis da Antiguidade, com o objetivo de enaltecer e
engrandecer os feitos lusos.
3.
Também na estância 18 se pode constatar que a obra é fonte de glória para o
poeta e para D. Sebastião, quando Camões imagina o rei a ver no seu poema os
novos argonautas, como se fossem já os seus. Esta estância, assim como a última
d’ Os Lusíadas (IX, 156), pressagiam uma grande glória para D. Sebastião
e uma nova grande epopeia para cantar os seus feitos.
4. Nota-se
uma estreita ligação entre o conteúdo das estâncias 11 a 14 e o conteúdo da
Proposição. Com efeito, Camões afirma, nas três primeiras estâncias da obra,
que os feitos dos portugueses suplantam os dos maiores heróis da Antiguidade (“Cesse
tudo o que a musa antiga canta, / Que outro poder mais alto se alevanta”);
também nas estâncias 11 a 14 da Dedicatória considera que os feitos dos
lusitanos suplantam as antigas, ainda que fossem verdadeiras, contrapondo a
cada herói antigo um herói português.
5. D.
Sebastião é visto como monarca poderoso, como representante do povo predestinado
pelo Fado ao cometimento de grandes feitos, num império já imenso, mas
que ele acrescentaria ainda, dilatando a Fé e o Império.
O louvor de D. Sebastião está,
portanto, em ser apresentado como um jovem rei de quem o povo português tudo espera,
rei que a providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos
portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise
em que a nação já se encontrava, mas estava tão arreigada no povo que não
desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é precisamente
isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em
crise.
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