terça-feira, 20 de novembro de 2012
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Justica célere
18 de novembro, 2012
O Estado, através da Porto 2001, foi condenado a pagar uma indemnização num total de perto de três milhões de euros a 60 comerciantes da cidade do Porto, disse hoje o advogado dos lojistas.
Em causa estão os “prejuízos causados pelas obras da Porto 2001” (que transferiu para a Fundação Casa da Música alguns activos aquando da sua extinção), explicou, em comunicado, o advogado Nuno Cerejeira Namora, que representou a Associação de Comerciantes do Porto (ACP) e que classificou a decisão do tribunal como uma “vitória da cidade e dos comerciantes sobre o comportamento autista e prepotente da equipa que liderou o evento”.
ONZE ANOS depois, um tribunal toma uma decisão. Falta saber quantos afetados falecerem, literalmente, ao longo deste tempo.
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
"Sou um guardador de rebanhos"
Poema
IX
“Sou
um guardador de rebanhos”
O poema, constituído por três
estrofes (duas sextilhas e um dístico) de versos brancos e métrica irregular, apresenta-nos
um sujeito poético que se assume, metaforicamente, como um pastor, remetendo
assim para o início do poema I, no qual se lhe comparava.
A primeira estrofe inicia-se com uma
metáfora (“Sou um guardador de rebanhos”)
que institui o sujeito poético como um ser natural e que anula a oposição entre
o pensar e o sentir, através da identificação entre pensamentos e sensações,
característica do sensacionismo de Alberto Caeiro: o conhecimento da realidade
adquire-se pela sua apropriação direta mediante os cinco sentidos humanos, isto
é, ele relaciona-se com a realidade, seja ela flor, fruto, ou um dia de calor,
através dos sentidos. E isso basta-lhe, pois é essa relação que lhe traz a
verdade desse real. Por outro lado, ao afirmar a sensação como fonte única do
conhecimento do real, o sujeito poético nega o pensamento, submetendo-o à
sensação. Deste modo, ele consegue unir o pensar ao sentir: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E
comer um fruto é saber-lhe o sentido.” (vv. 7-8).
A enumeração dos órgãos associados
aos sentidos nos versos 4 a 6 (olhos, ouvidos, mãos, pés, nariz e boca) reforça
a importância do sentir afirmada no verso 3 e hierarquiza as sensações de
acordo com o grau de conhecimento que permitem apreender: as sensações visuais
são a primeira fonte de saber, seguindo-se as auditivas, as táteis, as olfativas
e, por fim, as gustativas. Estilisticamente, o polissíndeto (repetição da
conjunção coordenativa copulativa «e»),
o paralelismo sintático e a anáfora (vv. 5-6) traduzem a simplicidade do
sujeito poético.
Os versos 7 e 8 exemplificam a
identificação entre pensar e sentir, primeiro através de uma definição, depois
metaforicamente (“E comer um fruto é
saber-lhe o sentido.” – v. 8), procedendo à objetivação do pensamento, isto
é, conferindo-lhe um estatuto concreto, de objeto.
A estrofe final, de caráter conclusivo
(é iniciada pela locução «por isso»),
começa por afirmar a sua tristeza, que advém do excesso (“Me sinto triste de gozá-lo tanto” – v. 10), daí que seja natural e
não perturbe o conhecimento da realidade nem a felicidade (ideias já
desenvolvidas no poema I, nos versos 9 a 13 e 14 a 18). O sujeito poético
aceita, então, essa tristeza porque ela provém de um excesso natural de felicidade.
Porém, a tristeza evolui para felicidade (v. 14) no momento em que o sujeito
poético substitui a perceção mental do prazer (“gozá-lo”, v. 10) pela ligação direta com a realidade (“Sinto todo o meu corpo deitado na realidade”,
v. 13).
A realidade é aquilo que é concreto,
o que existe sem ser preciso pensar, aquilo que é captado através dos sentidos,
em estreita conexão, em comunhão total com a Natureza, ideia afirmada nos
versos 11 e 13, onde o contacto de todo o corpo com a erva salienta um desejo
de quase fusão com os elementos naturais.
Nos dois versos finais, o sujeito
poético confirma várias ideias características da sua poesia:
1.ª) a verdade consiste no conhecimento direto
da realidade;
2.ª) esse conhecimento e
essa apropriação da realidade concretizam-se através dos sentidos, sem qualquer
interferência do pensamento;
3.ª) o primado das sensações
e a ausência do pensamento são a única forma de conhecimento autêntico e fonte
de felicidade;
4.ª) a felicidade é
diretamente proporcional ao contacto direto com a Natureza, um exemplo mais da
supremacia do sentir sobre o pensar.
Quanto aos recursos expressivos,
além dos já identificados e da sinestesia do verso 12 (“olhos quentes”), há os seguintes traços típicos da poética
caeiriana:
. a
linguagem simples e de caráter oralizante (repetições de vocábulos,
polissíndeto, predomínio da coordenação…);
. o
predomínio de nomes concretos e a quase ausência de adjetivos;
. o
uso de palavras do campo lexical das sensações, que revela o primado do sentir
sobre o pensar, sempre objetivado (“Penso
com os olhos e com os ouvidos”, “Pensar
uma flor é vê-la e cheirá-la”);
. a
sintaxe simples, com repetição de estruturas frásicas e predomínio da
coordenação;
. a variedade
estrófica, métrica e rítmica;
. o
verso branco.
Por último, quanto à estrutura
interna deste poema, uma possibilidade consiste na sua divisão em duas partes:
. a
1.ª corresponde às duas primeiras estrofes e nelas o sujeito poético afirma o
seu sensacionismo e o primado do sentir sobre o pensar;
. a
2.ª constitui uma conclusão – a terceira estrofe –, através de um exemplo, das
ideias expressas nos versos anteriores.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Casa dos Segredos (III)
P - Quem escreveu O Diário de Anne Frank?
R - Não sei.
R - Não sei.
"Se depois de eu morrer"
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único porta da Natureza.
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único porta da Natureza.
Este poema pertence ao conjunto denominado Poemas Inconjuntos (o nome traduz o caráter desgarrado e sem fio condutor das composições que constituem a obra) e viu a luz do dia em 8 de novembro de 1915.
O sujeito poético começa por se referir à sua biografia, afirmando que a sua vida possui somente duas datas: a do nascimento e a da morte. Todos os restantes dias são meus. Quer isto significar que apenas aquelas datas pertencem ao exterior, ao mundo que o rodeia: a do nascimento porque não o podia evitar; a da morte porque também esta constituirá uma data alheia que ele não pode controlar, à semelhança do nascimento. As restantes datas, os restantes dias pertencem-lhe por exclusivo e não fazem parte de qualquer biografia tradicional, pois a sua existência nada teve de comum, em nada se pareceu com a de um homem com uma vida normal.
Na segunda estrofe, declara-se «fácil de definir». E concretiza a ideia proclamando que viu «como um danado» (comparação), assumindo-se mais uma vez como o poeta do olhar, das sensações visuais, que predominam sobre todas as outras («Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.» - verso 9), um observador da realidade, em suma. Além disso, não amou com sentimento, nem se deixou contaminar por grandes ambições ou sonhos grandiosos. Por outro lado, compreendeu a realidade das coisas e a diferença que existe entre elas, numa enorme diversidade, sem ligação entre si, ou seja, sem lhes atribuir um significado. Ou seja, o sujeito poético compreende com os olhos (com os sentidos), não com o pensamento. Isto impediu que ele tivesse uma vida semelhante à dos restantes, pois ele limitou-se a contemplar a realidade exterior, sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chegava através dos olhos.
A estrofe final
Na segunda estrofe, declara-se «fácil de definir». E concretiza a ideia proclamando que viu «como um danado» (comparação), assumindo-se mais uma vez como o poeta do olhar, das sensações visuais, que predominam sobre todas as outras («Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.» - verso 9), um observador da realidade, em suma. Além disso, não amou com sentimento, nem se deixou contaminar por grandes ambições ou sonhos grandiosos. Por outro lado, compreendeu a realidade das coisas e a diferença que existe entre elas, numa enorme diversidade, sem ligação entre si, ou seja, sem lhes atribuir um significado. Ou seja, o sujeito poético compreende com os olhos (com os sentidos), não com o pensamento. Isto impediu que ele tivesse uma vida semelhante à dos restantes, pois ele limitou-se a contemplar a realidade exterior, sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chegava através dos olhos.
A estrofe final
Caeiro, o «Mestre»
Quer Fernando Pessoa (o ortónimo)
quer os restantes heterónimos consideram Alberto Caeiro o seu Mestre. Porquê?
Caeiro aponta soluções para os
problemas existenciais e filosóficos que atormentam quer o ortónimo quer os outros
heterónimos.
Caeiro é, desde logo, o único que
consegue atingir a paz, a tranquilidade e a serenidade ao recusar o pensamento
e ao adotar o sentir – "Eu não tenho filosofia, tenho sentidos." –,
precisamente o oposto de Pessoa, que tudo racionalizava e era incapaz de
sentir. Caeiro é, por conseguinte, aquilo que o ortónimo não consegue ser, isto
é, alguém que não procura qualquer sentido para a vida ou para o universo,
porque lhe basta aquilo que vê e sente em cada momento.
Na verdade, todos os «eus»
poéticos pessoanos são atingidos, de uma forma ou de outra, pelo peso excessivo
do pensamento, da razão, do racionalismo, causadores de dor e impeditivos da
felicidade. Assim, Pessoa apresenta-se como incapaz de sentir; Ricardo Reis
controlar as suas emoções através do uso da razão, para evitar a infelicidade;
Álvaro de Campos, na sua fase abúlica, lamenta-se do seu vício de pensar
("Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça!"). Pelo
contrário, Alberto Caeiro encontra a felicidade ao recusar o pensamento e a
existência de um lado abstrato / obscuro das coisas, defendendo a existência
apenas do concreto, do objetivo: "Sinto todo o meu corpo deitado na
realidade, / Sei a verdade e sou feliz".
Sintetizando, Caeiro é considerado
o Mestre em consequência dos seguintes princípios poéticos:
▪ Recusa o
pensamento (que implica que se deturpe o significado das coisas que
existem), a filosofia e a metafísica, a essência,
acreditando o poeta apenas na aparência (captada pelos sentidos), eliminando
assim a dor de pensar e alcançando a felicidade;
▪ Sensacionismo:
Caeiro substitui o pensamento, que considera uma doença, pelas sensações que
colhe no exterior objetivo, defendendo que nada existe para além do que é
percetível para o ser humano, para além do que é captado pelos sentidos – ou seja,
devemos percecionar, conhecer e fruir o mundo através dos sentidos, sobretudo a
visão, e o real se reduz à materialidade;
▪ Aceitação
serena do mundo e da realidade tal qual eles são: as coisas são o que são,
resumem-se à sua aparência, não têm significados ocultos, e o poeta aceita-as
como elas são, sem as questionar, sem as pensar, visto que "pensar é não
compreender" (pelo contrário, o ortónimo pensa, vê para além das
aparências, considerando que aquilo que vê é apenas a exteriorização de outra
coisa);
▪ Comunhão
com a Natureza: o ser humano deve submeter-se às leis naturais e não deve
racionalizar processos que existem naturalmente (por exemplo, as ideias de vida
ou de morte, que existem enquanto verdades absolutas), daí a negação da
existência de significados ocultos na Natureza – neste ponto, aproxima-se do paganismo;
▪ Caeiro
sente-se deslumbrado perante a natureza e a sua diversidade (a “eterna
novidade do mundo”);
▪ Caeiro é o poeta
do real objetivo e do olhar ingénuo sobre o mundo: Caeiro aceita as
ideias de vida e de morte sem mistérios, despojadas de reflexão, de pensamento,
de subjetividade;
▪ Neopaganismo:
Caeiro tem uma visão pagã da existência, resultante da comunhão com a Natureza,
que passa pela descrença na transcendência e pela opção pela sensação,
considerara a única verdade;
▪ Considera
que só o presente existe e deve ser vivido;
▪ Irregularidade
formal (verso livre, irregularidade métrica e estrófica), «seguida» por
Álvaro de Campos.
Note-se, porém, que existe uma
grande liberdade dos discípulos em relação ao seu Mestre. Por exemplo, Ricardo
Reis é discípulo de Caeiro apenas em parte, visto que ama a Natureza e o viver
lúdico da infância, mas não possui a calma e a placidez exibidas pelo Mestre
diante da passagem / do fluir do tempo e da certeza da morte. Reis receia-a e
angustia-se perante a sua mortalidade e a do ser humano em geral.
Por sua vez, Álvaro de Campos,
apesar de amar e reverenciar Caeiro, "exaspera-se por não conseguir viver
os seus ensinamentos". É o próprio Campos que afirma: "Mestre, só
seria como tu se tivesse sido tu".
Fernando Pessoa, por seu turno, é
a antítese do Mestre, porque pensa e sofre em virtude dessa racionalidade e da
consciência. Ele que afirmou que cada um dos heterónimos constitui uma espécie
de drama, o que leva alguns estudiosos da obra pessoana a falar em Poetodrama
relativamente à questão da heteronímia.
Em suma, Caeiro é o Mestre, mas
quer o ortónimo quer os heterónimos seguiram o seu próprio caminho com
liberdade.
Bibliografia:
. COELHO,
Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa;
. Coleção RESUMOS, Poemas de
Fernando de Pessoa;
. JACINTO,
Conceição et alii, Análise de Poemas de Fernando Pessoa;
. MARTINS,
Fernando Cabral (Coord.), Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo
Português;
. MATOS,
Maria Vitalina Leal, A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa;
. SEABRA,
José Augusto, Fernando Pessoa ou o Poetodrama;
. SENA, Jorge
de, Fernando Pessoa & Companhia Heterónima.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Perfil de Alberto Caeiro
Perfil de Alberto Caeiro, traçado a partir da leitura da carta a Adolfo Casais Monteiro.
1. Aspetos biográficos:
a) Nascimento: 16 de abril de 1889, em Lisboa.
b) Falecimento: 1915, Lisboa, vítima de tuberculose.
c) Profissão: nunca exerceu qualquer profissão; viveu à custa de pequenos
rendimentos.
d) Educação: instrução primária (4.ª classe).
e) Família:
- órfão de pai e mãe muito jovem;
- vivia com uma velha tia-avó, de pequenos rendimentos, no campo, numa
quinta do Ribatejo.
2. Retrato:
a) Traços físicos:
- estatura média;
- aspeto frágil;
- cara rapada;
- louro sem cor;
- olhos azuis.
3. Obra
a) Obras:
- O Guardador de Rebanhos;
- O Pastor Amoroso;
- Poemas Inconjuntos.
b) Relação com Pessoa e heterónimos: é considerado o Mestre.
c) Traços poéticos:
- ausência de pensamento metafísico;
- ausência de racionalização.
d) Relação com a escrita: escreve mal o português.
e) Génese: 8 de março de 1914, o "dia triunfal" da vida de Pessoa, pois nele
apareceu o seu «Mestre», «"pur pura e inesperada inspiração".
- estatura média;
- aspeto frágil;
- cara rapada;
- louro sem cor;
- olhos azuis.
3. Obra
a) Obras:
- O Guardador de Rebanhos;
- O Pastor Amoroso;
- Poemas Inconjuntos.
b) Relação com Pessoa e heterónimos: é considerado o Mestre.
c) Traços poéticos:
- ausência de pensamento metafísico;
- ausência de racionalização.
d) Relação com a escrita: escreve mal o português.
e) Génese: 8 de março de 1914, o "dia triunfal" da vida de Pessoa, pois nele
apareceu o seu «Mestre», «"pur pura e inesperada inspiração".
O nome: Alberto Caeiro
De acordo com o sítio http://www.umfernandopessoa.com, o nome deste heterónimo de Fernando Pessoa seria explicável do seguinte modo...
Alberto, um nome de origem germânica, significa «calmo» ou «nobre».
Por seu lado, Caeiro relacionar-se-ia com cal e por isso com branco, remetendo para os versos do heterónimo - brancos por não possuírem rima - e para o facto de ele não crer em nada além do que vê. Assim, a sua compreensão da realidade seria, igualmente, branca, sem nada escrito nela. Além disso, em determinadas culturas, o branco é a cor funerária, do esquecimento e da perda de tudo.
Deste modo, associando o nome e o sobrenome, Alberto Caeiro significaria «a nobreza calma do esquecimento das coisas».
Há, ainda, quem seja audaz e associe o nome «Caeiro» a «(Mário de Sá-)Carneiro», o grande amigo de Pessoa e que desempenhou um papel, simultaneamente, importante e involuntário no surgimento deste heterónimo, pois, segundo a carta sobre a génese dos heterónimos, ele teria surgido para pregar uma partida a Mário de Sá-Carneiro.
Deste modo, associando o nome e o sobrenome, Alberto Caeiro significaria «a nobreza calma do esquecimento das coisas».
Há, ainda, quem seja audaz e associe o nome «Caeiro» a «(Mário de Sá-)Carneiro», o grande amigo de Pessoa e que desempenhou um papel, simultaneamente, importante e involuntário no surgimento deste heterónimo, pois, segundo a carta sobre a génese dos heterónimos, ele teria surgido para pregar uma partida a Mário de Sá-Carneiro.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Casa dos Segredos (II)
P - Quantos cantos têm Os Lusíadas?
R - Quatro.
R - Quatro.
domingo, 11 de novembro de 2012
sábado, 10 de novembro de 2012
Epigrama I, 38
Os versos que tu recitas
São, sim, Fidentino, meus;
Mas como os recitas mal,
Eles passam a ser teus.
Marcial
São, sim, Fidentino, meus;
Mas como os recitas mal,
Eles passam a ser teus.
Marcial
Epigrama VI, 36
Papilo, um pau tão grande tens quanto o nariz
Que sempre, ao levantar, podes cheirar.
Marcial
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
A austeridade pela Grécia, ou da regressão humana
25/10/2012 - 16h39
Desempregados gregos deixam de ter acesso a atendimento médico
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LIZ ALDERMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM ATENAS
DO "NEW YORK TIMES", EM ATENAS
Como chefe do maior setor de oncologia da Grécia, o médico Kostas Syrigos achou que já tinha visto tudo. Mas nada o tinha preparado para o encontro com Elena, uma desempregada cujo câncer de mama tinha sido diagnosticado um ano antes de sua consulta com ele.
No momento da consulta, o tumor já tinha alcançado o tamanho de uma laranja e rompido a pele, deixando uma ferida cujo pus ela estava enxugando com guardanapos de papel.
"Quando a vimos, ficamos sem palavras", disse Syrigos, chefe de oncologia do Hospital Geral Sotiria, na região central de Atenas. "Todo o mundo chorou. Coisas como essas são descritas nos livros didáticos de medicina, mas a gente nunca via em primeira mão porque, até agora, qualquer pessoa que adoecesse neste país sempre podia ser atendida."
Angelos Tzortzinis/The New York Times | ||
O cardiologista Giorgos Vichas, que participa de um grupo clandestino de atendimento médico na Grécia |
A vida na Grécia foi virada do avesso desde que a crise da dívida tomou conta do país. Mas em poucas áreas a mudança tem sido mais marcante que na saúde.
Até pouco tempo atrás, a Grécia tinha um sistema de saúde típico da Europa, com empregadores e indivíduos contribuindo para um fundo que, com assistência do governo, financiava o atendimento médico universal. Isso mudou em julho de 2011, quando a Grécia firmou um acordo com credores internacionais, recebendo um empréstimo para evitar o colapso financeiro.
Agora os gregos que perdem seus empregos recebem benefícios pelo prazo máximo de um ano. Depois disso, se não puderem pagar a conta, eles ficam por conta própria, obrigados a arcar com seus próprios custos de saúde.
As mudanças estão forçando cada vez mais pessoas a buscar ajuda fora do sistema de saúde tradicional. Elena, por exemplo, foi encaminhada para Syrigos por médicos que participam de um movimento clandestino que surgiu no país para dar atendimento a quem não tem seguro médico.
"Hoje, na Grécia, estar desempregado significa a morte", disse Syrigos. "Estamos caminhando para a mesma situação em que os Estados Unidos estavam, na qual, se você perde o emprego e não tem convênio médico, você deixa de ter direito a qualquer atendimento."
Com os cofres públicos esvaziados, os suprimentos médicos estão em níveis tão baixos que alguns pacientes têm sido forçados a trazer os seus de casa, inclusive coisas como seringas e stents (próteses metálicas para a desobstrução de artérias).
Com a deterioração do sistema, Syrigos e vários de seus colegas decidiram tomar as rédeas do problema nas próprias mãos. "Somos uma rede do tipo Robin Hood", disse o cardiologista Giorgios Vichas, que fundou o movimento clandestino em janeiro. "Em algum momento, as pessoas não vão mais poder doar, devido à crise. É por isso que estamos pressionando o Estado para que volte a assumir a responsabilidade pela saúde."
Elena contou que ficou sem seguro médico depois de abandonar seu emprego de professora para cuidar de seus pais, que estavam com câncer, e um tio doente. Ela entrou em pânico quando descobriu que tinha o mesmo tipo de câncer de mama que matou sua mãe. O tratamento custaria pelo menos US$40 mil, ela ouviu dos médicos, e as finanças de sua família estavam zeradas.
"Se eu não pudesse vir aqui, não faria nada", ela comentou. "Hoje, na Grécia, as pessoas precisam combinar com elas mesmas que não vão ficar muito doentes."
A austeridade: um princípio
Quarta, 07 de Novembro de 2012, 15:26:
Santarém Hospital corta nos tratamentos de quimioterapia
O Hospital de Santarém tem apenas dois oncologistas três dias por semana, o que vai obrigar a unidade hospitalar a cortar nos tratamentos de quimioterapia. A administração do hospital reconhece a carência.
PAÍS
DR
08:39 - 07 de Novembro de 2012 | Por Notícias Ao Minuto
A área de oncologia do Hospital de Santarém carece de médicos tendo apenas dois três dias por semana. Esta situação levou ao adiamento de consultas e tratamentos de quimioterapia, avança o Diário de Notícias (DN). O hospital tem cerca de 1.400 casos de cancro todos os anos e entre 600 a 700 pacientes oncológicos em tratamento.
A falta de médicos na unidade de oncologia ficou agravada com a saída de um clínico a tempo inteiro e com a baixa por gravidez da directora do serviço. Neste momento, existem apenas dois médicos, um que trabalha um dia por semana e outro que trabalha dois. Esta situação não afecta apenas as consultas e os tratamentos, ficam também em causa as compras, que são adiadas por falta de tempo e que levaram à ruptura do stock nas últimas semanas.
A falta de médicos na unidade de oncologia ficou agravada com a saída de um clínico a tempo inteiro e com a baixa por gravidez da directora do serviço. Neste momento, existem apenas dois médicos, um que trabalha um dia por semana e outro que trabalha dois. Esta situação não afecta apenas as consultas e os tratamentos, ficam também em causa as compras, que são adiadas por falta de tempo e que levaram à ruptura do stock nas últimas semanas.
O presidente do conselho de administração do Hospital de Santarém, José Josué, afirmou ao DN que “pode haver situações, sempre circunstanciais de adiamento de compra de medicamentos por falta de verba, mas sempre sem pôr em causa a condição clínica do utente”. A Administração da unidade hospitalar reconhece a falta de reposta mas garante estar a tentar contratar dois médicos recém-formados.
Nos dias em que não há oncologia, a unidade hospitalar tem recorrido a internistas de modo a gerir complicações que possam surgir no tratamento, no entanto, estes médicos não podem prescrever tratamentos.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Casa dos Segredos (I)
P - Que escritor escreveu Os Maias?
R - Camões.
R - Camões.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Poema XXXIX - "O mistério das coisas, onde está ele?"
O poema abre com quatro perguntas
nos cinco versos iniciais. A pergunta do primeiro verso, aparentemente, traduz
a necessidade de saber onde está o mistério das coisas. O segundo e o terceiro
constituem uma reiteração do primeiro, mas contêm em si um paradoxo: o de
solicitar à figura do mistério que apareça, que se revele. Ora, se o mistério
se revelar, deixa de o ser, pelo que é lícito concluir que a pergunta é irónica
e traduz a convicção do «eu» poético de que o mistério das coisas não existe,
afirmando-se, portanto, como um descrente da metafísica, do etéreo, da essência
das coisas.
As duas perguntas seguintes vêm “igualar”
o sujeito poético a elementos da Natureza (o rio e a árvore), para deste modo
ele apresentar a argumentação que sustenta a sua tese, a de que não há mistério
nas coisas. A Natureza existe sem conhecer o seu mistério, pelo que ele, que
não é mais do que ela, também não o pode conhecer. No fundo, as interrogações
estão ao serviço do processo de negação do pensamento e da metafísica por parte
do «eu».
No verso 7, o sujeito poético
exprime a sua reação àquilo que os homens pensam das coisas: o riso. Ao
contrário de si, que acredita que a realidade é apenas o que é e, por isso, não
contém qualquer mistério, os “homens” pensam sobre as coisas, logo acreditando
que elas são portadoras de algo mais do que aquilo que é visível e que os
sentidos captam. Por um lado, o sujeito exclui-se da condição de homem comum,
pois, enquanto os homens pensam sobre o mundo, aquele pensa sobre o que eles
pensam sobre as coisas / o mundo, Observe-se, porém, como por vezes entra em
contradição. De facto, se é certo que Caeiro privilegia as sensações,
fundamentalmente as visuais, e que afirma que as coisas não têm significado,
apenas existência, algo que aprendeu através dos sentidos, no verso 6 afirma
que pensa (no que os homens pensam das coisas). Este dado parece, afinal,
anunciar a impossibilidade de uma rejeição total de pensar. E o «eu» compara o
riso a “um regato que soa fresco numa pedra”, comparação que sugere o seu
caráter simples, puro e espontâneo. Por outro lado, pode sugerir o som
constante da corrente, que se assemelha ao som do riso ininterrupto numa
qualquer situação cómica.
A segunda estrofe inicia-se com a
conjunção subordinativa causal «porque», o articulador que estabelece a relação
de causa entre a primeira e a segunda estrofe. Nos dois versos iniciais, existe
um paradoxo, onde é visível também a ironia, que reafirma a inexistência de
mistério nas coisas. E fá-lo com absoluta certeza e de modo perentório e
inequívoco (atente-se no uso da forma verbal “é”). Para ele, as coisas não têm
sentidos ocultos, nelas não há nada que compreender.
Descolando-se da própria condição de
poeta e diminuindo a importância dos filósofos, o «eu» poético afirma que os
sonhos dos poetas e os pensamentos dos filósofos estão aquém das coisas, que
são piro “parecer”, isto é, o modo como as coisas são em si, como se revelam,
antes da consciência humana interferir. Dito de outra forma, à pedra é
irrelevante a existência do homem, no sentido de que continuará a ser pedra,
tenha o ser humano ou não consciência dela.
Afinal, as coisas são realmente o
que parecem ser, logo não há nada que compreender, sublinhando-se assim a
distinção entre dois mundos: o da existência das coisas, independente da
consciência humana (verso 13) e o da consciência humana, votada à compreensão
das coisas (v. 14).
Na última estrofe, em jeito de
conclusão, o sujeito poético reafirma a sua tese, centrada numa aprendizagem
resultante da experiência de vida conduzida pelos sentidos, a fonte do
verdadeiro conhecimento. Deste modo, no verso 15 declara que os seus sentidos “aprenderam
sozinhos”, uma afirmação que traduz a defesa da intuição, do primado do sentir
sobre o pensar. O verso 16 confirma a tese de que as coisas não têm mistério,
apenas existência. Os seus sentidos ensinaram-lhe que as coisas existem, não
têm significado, têm existência e não precisam de ter significado.
Atente-se, porém, no seguinte: se,
por um lado, é possível os sentidos aprenderem sozinhos, isto é,
intuitivamente, por outro, a comunicação desse facto pelo poeta não pode ser
feita intuitivamente, mas através da linguagem, algo bastante racional. Ou
seja, se Caeiro pode dispensar, ainda que retoricamente, o ato de compreender,
para o comunicar, em forma de poema, necessita da linguagem e, logo, de fazer
uso da razão.
A ideologia de Caeiro está bem
expressa neste poema:
a) Identifica-se com a
Natureza, com a qual deseja relacionar-se de forma harmoniosa e da qual deseja
fazer parte;
b) Encara o mundo com
objetividade, de acordo com uma visão algo restrita e limitada, reduzindo-o aos
fenómenos mais simples e primitivos, recusando a intervenção do homem;
c) Recusa a ideia de que
existe um sentido para além daquilo que é possível ver e sentir;
d) Defende o primado do
sentir sobre o pensar, recusando o pensamento, que lhe provoca dor.
A nível formal e estilístico, as
características típicas da sua poesia estão também presentes:
a) o verso branco;
b) a liberdade e irregularidade métrica e
estrófica;
c) a linguagem simples;
d) o pendor argumentativo.
domingo, 4 de novembro de 2012
Análise do Poema XXXVI - "E há poetas que são artistas"
Neste poema, cujo tema é a reflexão
sobre o processo de criação poética e a sua relação com a Natureza, Caeiro
reflete sobre poesia, contrapondo duas conceções.
A primeira é a dos poetas que
designa, ironicamente, por artistas, que a veem como um trabalho, uma
construção, que constroem os seus poemas verso a verso, que valorizam o lado
artificial ou mecânico do ato de criação: “trabalham nos seus versos / Como um
carpinteiro nas tábuas” (comparação); “pôr verso sobre verso, como quem
constrói um muro / E ver se está bem, e tirar se não está!” (comparação e exclamação).
Estas comparações com um carpinteiro e com os pedreiros servem para destacar o
trabalho formal, minucioso e exigente, dos poetas que se dedicam a essa poesia
elaborada e produzida como outras construções humanas. Dito de outra forma,
expressam a preocupação desses poetas com a seleção das palavras, da combinação
de rimas / sonoridades, de arranjos estilísticos, de ritmos poéticos, de
dimensionamento dos versos, etc., ou seja, uma noção de poesia que exige
trabalho de dimensionamento, equilíbrio, polimento e construção dos versos,
pensando muito a experiência. No fundo, Caeiro está a criticar todos aqueles
que não conseguem ser espontâneos (verso 4) no ato de criação poética, facto
que o leva a manifestar estranheza e a sentir pena deles, antes a encaram como
um trabalho árduo de intelectualização.
Ora, para Caeiro, “a poesia não é um
trabalho nem uma convicção, é uma forma de revelar os mistérios da Natureza” e
de se assemelhar cada vez mais a ela (Nuno Hipólito, No Altar do Fogo). Esta é a segunda conceção de poesia, a que se
afirma quando o «eu» poético se declara um fruidor incondicional da Natureza,
que “está sempre bem e é sempre a mesma”. Aparentemente, não há absolutamente
nada a mudar nela. Deste modo, a criação poética deve resultar espontaneamente
da identificação do «eu» poético com a Natureza. Assim se explica o seu lamento
relativamente a esses poetas: “Que triste não saber florir” (exclamação), ou
seja, que triste não comungar da naturalidade, simplicidade e espontaneidade da
Natureza e não ser capaz de fazer da criação poética uma ação natural e
espontânea. Ele considera que é “triste” ter de trabalhar os versos “como um
carpinteiro nas tábuas” e não ser capaz de os fazer “florir” sem artifícios, de
uma forma simples e natural. Ora, sendo a Natureza a verdadeira arte, a poesia
deverá ser como ela, isto é, a expressão sensorial, nítida, fluida do que nos rodeia.
Por outro lado, insiste na relação
íntima com a Natureza, a fonte de inspiração e criação poética: “a única casa
artística é a Terra toda” (v. 7 – metáfora). Por isso, porque a harmonia já
existe nela, não é necessário intelectualizar o ato de escrita. O essencial em
poesia é registar o mundo que o rodeia de forma tão natural e espontânea como é
o ato de florir ou respirar (v. 9). Caeiro é o poeta da Natureza que privilegia
o olhar, daí que tenha apenas de estar atento ao que ela “diz”.
Mesmo reconhecendo a impossibilidade
de compreensão entre ele e as flores, o sujeito poético sabe que em ambos – na
Natureza e na comunhão do homem com ela – mora a verdade e que há uma “comum
divindade” que lhes permite usufruir dos encantos da Terra, das “Estações
contentes” e dos cânticos do vento (personificação). Para que tal suceda, é
necessário evitar a abstração do pensamento e privilegiar uma relação natural,
espontânea (“como quem respira”) com a “única casa artística” que é a “Terra
toda”. Ora, é esse contacto com a Natureza a única forma de aceder à “verdade”
(v. 13). Note-se o desprendimento da vida em harmonia com os elementos naturais
(“De nos deixarmos ir e viver pela Terra” – v. 15), uma espécie de mãe
protetora que o leva ao colo, que embala e transmite paz e tranquilidade (v.
17), evitando a existência de “sonhos” – sonhar é pensar, na medida em que se
constitui como uma atividade mental durante o sonho. É, no fundo, mais uma
afirmação da recusa do ato de pensar, de rejeição de qualquer atividade mental
que se oponha à autenticidade dos elementos da Natureza que descreveu.
No poema, em suma, Caeiro expõe a
sua “teoria poética”, que pode resumir-se ao seguinte: a poesia é o simples ato
de captar a Natureza através dos sentidos de forma espontânea, de acordo com
uma relação de comunhão e harmonia. Noutro comprimento de onda, movimentam-se
os poetas que fazem da poesia um trabalho árduo de intelectualização, de
exposição de conceitos e combinação artística das palavras. Repetindo, estamos
perante o confronto entre uma forma de elaborar poesia caracterizada pela simplicidade,
objetividade, espontaneidade, naturalidade, e outra artificial, muito pensada e
elaborada.
Em consonância com estes princípios
e com o tipo de poesia que defende, este poema é caracterizado pelo
versilibrismo, pela ausência de rima e pela linguagem simples, com um
vocabulário igualmente simples e repetitivo (“está”, “sempre”), pertencente aos
campos lexicais da poesia (“poetas”, “versos”) e da Natureza, fonte inspiradora
do sujeito lírico (“florir”, “Terra”, “flores”, “Estações”, “vento”), bem como
pelo uso de expressões familiares e comparações com elementos naturais.
Por outro lado, a adjetivação é
escassa, resumindo-se à presença de quatro adjetivos: “triste”, “artística”,
“comum” e “contente”. No que diz respeito à estruturação sintática, predomina
as orações coordenadas copulativas, típicas do discurso oral, em detrimento da
subordinação, embora haja a assinalar a presença de orações subordinadas
temporais, relativas restritivas e infinitivas.
A pontuação expressiva concorre de
igual modo para conferir ao poema um certo tom coloquial.
A nível estilístico, destaca-se a
escassez de figuras, verificando-se o uso dos recursos semântica e
sintaticamente mais simples, como a comparação (vv. 3 e 5), a metáfora (vv. 1,
4 e 6), a personificação (vv. 16 e 17), a anáfora (vv. 16-18) e o polissíndeto
(repetição da conjunção coordenativa copulativa «e», que acentua o estilo
simples de Caeiro, estabelecendo a ligação sumativa como processo de acumulação
de argumentos.
Em suma, o poema XXXVI evidencia
alguns dos traços centrais da poética de Alberto Caeiro:
. o
sensacionismo: “”E levar ao como pelas estações contentes / E deixar que o
vento cante para adormecermos” (vv. 16 e 17);
. a
atitude antimetafísica, de recusa do pensamento: “Penso nisto, não como quem
pensa, mas como quem respira.” (v. 9); “E não termo sonhos no nosso sono.” (v.
18);
. o
objetivismo: “E olho para as flores e sorrio… (v. 10);
. a
espontaneidade e naturalidade: “Que triste não saber florir!” (v. 4);
. o
paganismo, isto é, a crença em diversas divindades: “Mas sei que a verdade está
nelas e em mim / E na nossa comum divindade” (vv. 13 de 14);
. o
panteísmo, ou seja, a doutrina segundo a qual Deus e o mundo seriam uma só substância,
não sendo aquele um ser pessoal distinto deste): “Mas sei que a verdade está
nelas e em mim / E na nossa comum divindade” (vv. 13 de 14);
. o
misticismo, quer dizer, a atitude afetiva caracterizada pela crença na
possibilidade de comunicação direta com o divino, inacessível ao conhecimento
racional): “”Mas sei que a verdade está nelas e em mim” (v. 13), “De nos
deixarmos ir e viver pela Terra / E levar ao colo pelas estações contentes”
(vv. 15 e 16), “E não termos sonhos no nosso sono.” (v. 18).
Por outro lado, são visíveis alguns
dos traços que aproximam Caeiro do ortónimo e dos outros heterónimos:
.
Caeiro e Pessoa:
- a linguagem simples;
- a musicalidade espontânea
e natural do discurso, que leva por vezes a quebrar a regularidade métrica;
- a tendência de Caeiro para
o refúgio na Natureza, uma tentativa de evasão, uma certa recusa do pensamento
(“Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira”), que denunciam a
inquietação constante e a intelectualização do sentir (marcas de Pessoa);
- divergem pelo facto de
Pessoa fazer uso da regularidade estrófica e rimática, ao contrário de Caeiro.
.
Caeiro e Reis:
- aceitação natural das
coisas (“… a única casa artística é a Terra toda / Que varia e está sempre bem
e é sempre a mesma”);
- o elogio da vida
campestre, a fazer lembrar a áurea mediania clássica: “De nos deixarmos ir e
viver pela Terra / E levar ao colo pelas estações contentes / E deixar que o
vento cante para adormecermos…”.
.
Caeiro e Campos:
- são ambos espontâneos;
- voltam-se para o exterior;
- cultivam o verso livre;
- são sensacionistas:
privilegiam as sensações em detrimento do pensar (a segunda fase de Campos).
sábado, 3 de novembro de 2012
"A verdade morreu"
A Verdade morreu
Não se estima a piedade,
A infâmia e o erro
São fortes e poderosos,
Não há quem busque ser
Virtuoso e humilde,
E o respeito de Deus
Foi esquecido.
Ninguém sente desgraça
Em ser pedinte,
Grande é a vergonha,
As almas são pequenas face à culpa.
Em vez de amigos
Há inimigos.
Na companhia
Há inveja,
E amor fraternal
É um engano.
Honra
Não mais existe.
Dinheiro é a Palavra –
E quem o tem é senhor.
Todos fazem dele discussão.
Meu Deus, o que será de nós!
Não se estima a piedade,
A infâmia e o erro
São fortes e poderosos,
Não há quem busque ser
Virtuoso e humilde,
E o respeito de Deus
Foi esquecido.
Ninguém sente desgraça
Em ser pedinte,
Grande é a vergonha,
As almas são pequenas face à culpa.
Em vez de amigos
Há inimigos.
Na companhia
Há inveja,
E amor fraternal
É um engano.
Honra
Não mais existe.
Dinheiro é a Palavra –
E quem o tem é senhor.
Todos fazem dele discussão.
Meu Deus, o que será de nós!
Ulma Seligman (sécs. XVI e XVII)
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Poema I ("O Guardador de Rebanhos")
Este texto abre a obra O Guardador de Rebanhos, constituída por 49 poemas, todos com métrica irregular e verso branco, escrita maioritariamente no dia 8 de março de 1914, o «dia triunfal», de pé contra uma cómoda, segundo a carta sobre a génese dos heterónimos a Adolfo Casais Monteiro.
Convém, porém, esclarecer que, de acordo com uma análise mais cuidada do espólio, nenhum poema está datado desse dia, antes se situam entre 4 de março e 7 de maio de 914. Este facto poderá ter três explicações: 1.ª) "o gosto de Pessoa pelo drama e pela encenação, pela sua própria memória futura, levaram a que ele ficcionasse o nascimento da obra maior de Caeiro num só dia"; 2.ª) "ele, não se recordando exatamente desse período - pouco mais de duas semanas, vinte anos atrás - as sintetizasse num só dia, realmente um dia glorioso, (...) que ele recordava por ser o dia em que tinha «inventado» os heterónimos"; 3.ª) "o dia 8 de março de 1914 tem um significado especial para Fernando Pessoa", daí a sua escolha.
Por outro lado, O Guardador de Rebanhos era apenas uma parte de uma obra maior de Alberto Caeiro, intitulada Ficções do Interlúdio, que englobaria a totalidade da produção dos heterónimos.
Além de O Guardador de Rebanhos, há ainda a registar outras duas obras de Caeiro: Poemas Inconjuntos (17 poemas) e O Pastor Amoroso (8 poemas).
O sujeito poético inicia o poema com a afirmação de que nunca guardou rebanhos, isto é, de que não é um pastor na realidade, mas comporta-se como se o fosse («Mas é como se os guardasse» - v. 2), ou seja, há uma parte de si que se comporta como um pastor - a alma -, uma alma de pastor (comparação do verso 3) que «anda pela mão das Estações / A seguir e a olhar» (vv. 5-6).
Estes dados permitem-nos, desde já, concluir que estamos na presença de um pastor por metáfora que procura estabelecer com a natureza uma relação de comunhão, de harmonia, de simbiose: «Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações». De pastor, tem o deambulismo, o andar constantemente e sem rumo definido, observando o que o rodeia, a variedade inexaurível da natureza, concentrado numa única atividade: olhar («A seguir e a olhar.» - v. 6). A sua contemplação da natureza, da beleza primordial, faz com que o «eu» sinta a realidade como se a vivesse intensamente, de acordo com um modo de vida similar ao de um pastor, que contempla, além da proximidade e intimidade ["(...) Natureza sem gente" - v. 7]. De facto, o pastor é o símbolo da solidão do pensamento contemplativo: é o homem que está sozinho na natureza e que ocupa os seus dias vagueando com o seu rebanho, sem a perturbar, alimentando-se do que ela dá, «vislumbrando os seus segredos no silêncio». Daí que o «eu» se considere um pastor, visto que incorpora em si as qualidades de um pastor, mas não é limitado pela vida que um pastor leva. Ou seja, ele serve-se da "arte do pastor para atingir o estado contemplativo, como um budista se serviria da meditação".
A consequência imediata de o sujeito poético possuir uma alma assim é ter acesso a «toda a paz» que a natureza sem gente proporciona - ela vai «sentar-se» a seu lado (vv. 7-8). Caeiro apresenta-se, assim, em suma, como um poeta metáfora e como o poeta da natureza e do olhar.
No entanto, no verso 9, o sujeito poético confessa-se triste. Numa primeira leitura, essa tristeza é motivada pelo fim do dia, representado pelo pôr do sol, dado que, quando a noite cai sobre a natureza, ele sentirá maiores dificuldades em contemplar a natureza. E, como já sabemos, Caeiro é o poeta do olhar, o sensacionista para quem a visão é o sentido primordial. Por outro lado, note-se como a tristeza invade o «eu» de forma impercetível, como a borboleta que entra impercetivelmente pela janela.
A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, antes de mais a personificação da natureza (vv. 5, 7-8) e as comparações (vv. 3, 9 e 13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o «eu» estabelece com ela. Por outro lado, genericamente, a comparação é o recurso estilístico de que Caeiro se socorre para exprimir a concretização do abstrato, para aproximar o imaginário do real, tornando-o simples e acessível. Por seu turno, a conjunção coordenativa adversativa «mas» (v. 9) sugere o caráter contraditório da tristeza do sujeito poético, pois, se ele tem à sua volta tudo o que deseja, por que razão se sentirá triste?
Por outro lado, O Guardador de Rebanhos era apenas uma parte de uma obra maior de Alberto Caeiro, intitulada Ficções do Interlúdio, que englobaria a totalidade da produção dos heterónimos.
Além de O Guardador de Rebanhos, há ainda a registar outras duas obras de Caeiro: Poemas Inconjuntos (17 poemas) e O Pastor Amoroso (8 poemas).
O sujeito poético inicia o poema com a afirmação de que nunca guardou rebanhos, isto é, de que não é um pastor na realidade, mas comporta-se como se o fosse («Mas é como se os guardasse» - v. 2), ou seja, há uma parte de si que se comporta como um pastor - a alma -, uma alma de pastor (comparação do verso 3) que «anda pela mão das Estações / A seguir e a olhar» (vv. 5-6).
Estes dados permitem-nos, desde já, concluir que estamos na presença de um pastor por metáfora que procura estabelecer com a natureza uma relação de comunhão, de harmonia, de simbiose: «Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações». De pastor, tem o deambulismo, o andar constantemente e sem rumo definido, observando o que o rodeia, a variedade inexaurível da natureza, concentrado numa única atividade: olhar («A seguir e a olhar.» - v. 6). A sua contemplação da natureza, da beleza primordial, faz com que o «eu» sinta a realidade como se a vivesse intensamente, de acordo com um modo de vida similar ao de um pastor, que contempla, além da proximidade e intimidade ["(...) Natureza sem gente" - v. 7]. De facto, o pastor é o símbolo da solidão do pensamento contemplativo: é o homem que está sozinho na natureza e que ocupa os seus dias vagueando com o seu rebanho, sem a perturbar, alimentando-se do que ela dá, «vislumbrando os seus segredos no silêncio». Daí que o «eu» se considere um pastor, visto que incorpora em si as qualidades de um pastor, mas não é limitado pela vida que um pastor leva. Ou seja, ele serve-se da "arte do pastor para atingir o estado contemplativo, como um budista se serviria da meditação".
A consequência imediata de o sujeito poético possuir uma alma assim é ter acesso a «toda a paz» que a natureza sem gente proporciona - ela vai «sentar-se» a seu lado (vv. 7-8). Caeiro apresenta-se, assim, em suma, como um poeta metáfora e como o poeta da natureza e do olhar.
No entanto, no verso 9, o sujeito poético confessa-se triste. Numa primeira leitura, essa tristeza é motivada pelo fim do dia, representado pelo pôr do sol, dado que, quando a noite cai sobre a natureza, ele sentirá maiores dificuldades em contemplar a natureza. E, como já sabemos, Caeiro é o poeta do olhar, o sensacionista para quem a visão é o sentido primordial. Por outro lado, note-se como a tristeza invade o «eu» de forma impercetível, como a borboleta que entra impercetivelmente pela janela.
A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, antes de mais a personificação da natureza (vv. 5, 7-8) e as comparações (vv. 3, 9 e 13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o «eu» estabelece com ela. Por outro lado, genericamente, a comparação é o recurso estilístico de que Caeiro se socorre para exprimir a concretização do abstrato, para aproximar o imaginário do real, tornando-o simples e acessível. Por seu turno, a conjunção coordenativa adversativa «mas» (v. 9) sugere o caráter contraditório da tristeza do sujeito poético, pois, se ele tem à sua volta tudo o que deseja, por que razão se sentirá triste?
Os "rankings" das escolas vistos por Maria Filomena Mónica
Os "rankings" das escolas
OS JORNAIS publicaram recentemente as listas derankings, ou seja, a ordenação das escolas segundo as notas obtidas pelos estudantes. À cabeça, surgem as privadas, o que nos pode levar a pensar que os seus docentes são melhores do que os das públicas. Erro: o êxito académico não depende apenas do que se passa dentro das instituições, mas de uma multiplicidade de factores, de que a origem social, associada à localização, é um dos mais importantes. Basta lembrar que, por hora, os filhos dos ricos são expostos a mais 1.500 palavras do que os dos pobres, o que leva a que, aos 4 anos, exista já uma diferença, a favor dos primeiros, de cerca de 32 milhões de palavras.
Uma vez que as públicas têm de cobrir o território nacional, as do interior exibem elevadas taxas de insucesso. A secundária de Portalegre não conseguiu uma única média positiva; na da Guarda, três das cinco melhores escolas não conseguiram atingir os 10 valores; na freguesia de Rabo de Peixe, na ilha de S. Miguel, verificaram-se, no exame do 9.º ano, as piores classificações do país. O Presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares lembrava que, em vez de se concentrarem no lugar nos rankings, os docentes se deviam preocupar antes com «a mais valia» que as escolas traziam aos alunos, após o que, com razão, salientava que nada é uma fatalidade, ou seja, que mesmo os alunos desfavorecidos podiam alcançar bons resultados. Era esse o caso das Escola Básicas de Rio Caldo (Braga), Dr. Manuel Magro Machado (Portalegre) e Couço (Santarém) que, nos exames de Matemática e de Português do 9ª ano tinham subido mais de mil lugares.
Felizmente, as leis sociológicas não são férreas. Não foi em Lisboa que as melhores notas foram obtidas. No universo das públicas, destacaram-se a B+S de Vila Cova (Barcelos), com a média mais alta do país em Matemática A (142,55) e a Secundária da Gadanha da Nazaré, com a mais elevada nota em Geometria Descritiva (178,25). Curiosamente, provando que as pessoas são mais importantes do que os edifícios, o Liceu Passos Manuel cujo restauro, no âmbito da Parque Escolar, exigiu ao Estado 26 milhões de euros, ficou em 481.º lugar, com uma média de 7,8 valores, o que o coloca entre os dez piores. É sabido que o grupo social que mais importância dá à educação é a classe média. Não me espanta assim que a melhor escola secundária de Lisboa tenha sido a José Gomes Ferreira, em Benfica, cujos pais têm uma participação nas reuniões na ordem dos 70 a 80 %.
Portugal teve de fazer um grande esforço depois de 1974. Nem tudo correu bem, mas o país conseguiu escolarizar a maior parte dos jovens, facto que levou a que as escolas sejam hoje muito diferentes das que existiam na minha adolescência, quando, ao terminar a primária, apenas 2 em cada 10 alunos continuava a estudar. Para muitos, a escola contemporânea representa um mundo radicalmente novo. É por isso que o difícil não é ensinar filhos de privilegiados mas sim jovens que, em casa, nunca viram os pais abrir um livro.
«Expresso» de 27 Out 12
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