Português: Resultados da pesquisa para d. joão iii
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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

D. Sebastião

     Filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria, e neto de D. João III, nasceu em Lisboa em 1554 e morreu em Alcácer Quibir em 1578. Décimo sexto rei de Portugal, ficou conhecido pelo cognome de O Desejado.
     D. Sebastião herdou o trono de seu avô, D. João III, porque, apesar de este ter tido vários descendentes, todos eles acabaram por falecer precocemente. Como era menor à data de ocupar o trono, ficou como regente sua avó D. Catarina, apesar de D. João III não ter deixado testamento, mas apenas uns apontamentos em que a indicava como regente. Sua mãe, D. Joana, de acordo com o contrato nupcial, teve de regressar a Castela após a morte do príncipe D. João.
     A regente, D. Catarina, por influência do cardeal D. Henrique, começou por pedir ao Papa a fundação da Universidade de Évora, que entregou aos Jesuítas. Continuou a política de D. João III quanto ao Norte de África, querendo abandonar Mazagão, que, entretanto, teve de defender dos ataques mouros. Acusada de sofrer influências da corte espanhola, pediu a demissão de regente nas Cortes de Lisboa de 1562, continuando, no entanto, como tutora de D. Sebastião. Foi eleito como regente, nessa altura, o cardeal D. Henrique, tio de D. Sebastião. Nestas cortes, o povo manifestou a sua apreensão quanto à educação do rei, sobre a questão da sucessão e sobre a inalienabilidade de todo o território nacional, aspetos que D. Henrique vai ter em conta durante a sua regência, até D. Sebastião completar catorze anos.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Características trágicas de Frei Luís de Sousa

1. Indícios/presságios de tragédia:

. a leitura que D. Madalena realiza do episódio de Inês de Castro, incluso n’Os Lusíadas, que motiva a sua reflexão (no início do acto I), o que alia o seu destino ao final trágico de Inês;

. os agouros de Telmo, que não acredita na morte de D. João de Portugal, colocando a hipótese do seu regresso, e que afirma que uma situação ocorrerá que deixaria claro quem nutria maior amor por Maria naquela casa;

. os pressentimentos de D. Madalena de que um acontecimento funesto irá atingir a sua família, o que não a deixa viver o seu amor por Manuel de Sousa de uma forma tranquila, motivando a sua insegurança, a sua angústia e impedindo a sua felicidade;

. o facto de Manuel de Sousa, antes de pegar fogo ao próprio palácio, por considerar a resolução dos governantes espanhóis uma afronta, evocar a morte de seu pai, que caíra “sobre a sua própria espada”, indicando o destino funesto da sua família: “Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?” (I, 11); por outro lado, o seu acto irá motivar a aproximação da família de um espaço que pertencera a D. João de Portugal e que a ele está ligado metonimicamente;

. as folhas das flores que Maria traz consigo secam;

. os sonhos e as visões de Maria (motivadas pelo seu temperamento romântico, pela imaginação e aguçadas pela tuberculose), dado o seu carácter negativo e o facto de a impedirem de dormir, remetem, igualmente, para a ocorrência de um acontecimento funesto; às visões da personagem, acrescenta-se a sua intuição e a sua compreensão precoce das coisas;

. a simbologia da sexta-feira, considerada por D. Madalena como um dia aziago e fatal;

. o sebastianismo de Maria e de Telmo indica a hipótese de regresso de D. João de Portugal que, tal como D. Sebastião, desaparecera na batalha de Alcácer Quibir;

. os indícios de tuberculose de Maria: a febre, as mãos que queimam, as rosetas nas faces e o ouvido apuradíssimo;

. a leitura que Maria faz da Menina e Moça (obra de Bernardim Ribeiro – “Menina e moça me levaram de casa de meu pai”) indicia a sua separação da família (acto II, cena 2);

. a visita que Maria e Manuel fazem a Soror Joana (acto II), que fora casada com D. Luís de Portugal – o casal decidira, em determinado momento da sua vida, abandonar o mundo e recolher-se num convento;

. as alterações da decoração dos espaços físicos: no acto I; encontramos um ambiente alegre e aberto ao exterior, que será substituído nos segundo e terceiro actos por uma decoração melancólica e soturna;

. a localização dos acontecimentos da peça ao início da noite ou de noite (acto I: “É no fim da tarde”; acto II: “É alta noite”);

. os elementos simbólicos ao nível do espaço físico:
- os retratos de Manuel de Sousa, Camões e D. João;
- a substituição do retrato de Manuel pelo de D. João, aliada à substituição de espaço, é um sinal que D. Madalena interpreta como fatal;
- o facto de o retrato de Manuel de Sousa ser consumido pelo fogo durante o incêndio por si ateado;
- a mudança do palácio de Manuel de Sousa para o de D. João de Portugal.

2. A existência de poucas personagens em cena, todas de estrato social elevado e de carácter nobre.

3. A acção sintética – convergência progressiva de um número pouco significativo de acções para a acção trágica.

4. A condensação/concentração do tempo em que decorre a acção.

5. A concentração dos espaços (em número reduzido).

6. Cumprimento (ainda que incompleto) da lei das três unidades: unidade de acção, unidade de espaço (incompleta, porque na peça existem três espaços distintos) e unidade de tempo.

7. Ambiente trágico e solenidade clássica.

8. As reminiscências do coro da tragédia clássica, através das personagens Frei Jorge e Telmo – o coro tinha a função de anunciar e comentar as acções.

9. Os momentos de retardamento.

10. A existência, desde o início, de um clima de fatalidade que o ominoso da recorrência de acontecimentos à sexta-feira e do espaço do palácio de D. João de Portugal adensa e asfixia. Tudo deixa prever a catástrofe; nada há de supérfluo.

11. A ananké (Destino): as personagens são vítimas do Destino inexorável que se “diverte” a “brincar” com as suas vidas, antes de sobre elas se abater irremediavelmente. Assim, é o destino que proporciona a ausência de D. João e que motiva a mudança da família para o palácio deste; é o Destino que faz com que os governadores espanhóis escolham o palácio de Manuel de Sousa para aí se instalarem, o que o leva a incendiar a sua própria casa; é o Destino que mantém D. João prisioneiro durante 21 anos e lhe permite regressar ao lar, após esse período, facto que dará origem à tragédia.

12. A hybris (o desafio):
. de D. Madalena:
-» contra as leis e os direitos da família:
- “pecado”/adultério no coração: amou Manuel de Sousa desde a primeira vez que o viu, ainda D. João era vivo;;
- consumação do “pecado” pelo casamento com Manuel de Sousa – ela não tem a certeza absoluta da morte do primeiro marido;
- profanação de um sacramento – o casamento;
- bigamia;
- impiedade;
. de Manuel de Sousa Coutinho:
-» revolta contra as autoridades de Lisboa, recusando-se a recebê-las no seu palácio (I, 8, 11 e 12; II, 1);
-» desafia o Destino ao incendiar o próprio palácio (I, 11 e 12);
-» recusa o perdão dos governadores, “se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso” (II, 1);
-» inconscientemente, participa da hybris de sua esposa:
- colabora na mentira;
- profana um sacramento;
- comete adultério;
- passa a viver em bigamia;
- usurpa o lugar que pertence, de direito, a D. João de Portugal;
. de D. João de Portugal:
-» abandona a esposa/família, ainda que o faça por ideais nobres (acompanhar o rei à guerra, em defesa do reino e da Fé);
-» o abandono da esposa é um crime contra as leis e os direitos da família, porque a destrói – é um crime de impiedade;
-» embora vivo, depois da batalha, fica prisioneiro, é levado cativo para Jerusalém. E, durante 21 anos, não dá notícias da sua existência, embora contra sua vontade;
-» aparece quando todos o julgavam morto, arrastando consigo a tragédia;
. de Maria de Noronha:
-» a interrupção inesperada e violenta das cerimónias religiosas constitui profanação (II, 11);
-» a insolência e a blasfémia contra Deus: “Que Deus é esse que está nesse altar, e quer roubar o pai e a mãe a sua filha?”;
-» a insolência contra os ministros sagrados nas suas funções: “Vós quem sois, espectros fatais?... quereis-mos tirar dos meus braços?”;
-» a revolta contra D. João de Portugal – contra os direitos deste à esposa, à família, à própria vida, direitos baseados na lei divina e nas leis humanas: “... que me importa a mim com o outro? Que morresse ou não, que esteja com os mortos ou com os vivos, que se fique na cova ou que ressuscite para me matar?”;
-» a invocação de morte violenta sobre si própria: “Mate-me, mate-me, se quer...”;
-» o desprezo pelas leis divinas e humanas – o amor e a ternura com que tinha sido criada não suprem a ilegitimidade do matrimónio dos pais;
-» a tentativa de renegar o seu estado de filha ilegítima;
-» a revolta contra a profissão religiosa dos pais;
-» a incitação dos pais a mentir: “Pobre mãe! Tu não podes... coitada!... não tens ânimo... Nunca mentiste? Pois mente agora para salvar a honra da tua filha, para que lhe não tirem o nome de seu pai.”;
. de Telmo Pais:
-» afeiçoa-se a Maria;
-» relativamente a D. João:
- perjúrio e repúdio do amigo e “filho”;
- desejo de que ele tivesse morrido, para não obstar à felicidade e à vida de Maria.

13. O agón (conflito):
. de D. Madalena:
. interior, de consciência (I, 1):
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz ou “desgraçada”, ligada a D. João pela memória do passado, pelo remorso do presente;
. contínuo e crescente;
. com outras personagens:
- com Telmo (I, 2): D. Madalena não segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado n acarta profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
- com Maria (I, 3): os segredos, os mistérios, os cuidados e sobressaltos que os pais manifestam relativamente a si e cuja razão ela desconhece;
- com Manuel de Sousa (I, 7 e 8): a necessidade de mudança para o palácio de D. João após ele ter incendiado o seu próprio lar;
- com D. João de Portugal:
. a consciência atormentada e o remorso de D. Madalena (I, 1);
. as conversas com Telmo (I, 2);
. as reacções de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à crença da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião (I, 3);
. a relutância de voltar a viver no palácio de D. João (I, 7 e 8);
. a reacção tida ao chegar ao palácio de D. João (II, 1);
. a “confissão” a Frei Jorge (II, 10);
. de Manuel de Sousa Coutinho:
. não possui conflito de consciência;
. não entra em conflito com outras personagens, excepto com os governadores;
. a sua hybris desencadeia e agudiza os conflitos das outras personagens;
. de D. João de Portugal:
. alimenta os conflitos dos outros:
- com D. Madalena: a consciência atormentada pelos remorsos;
- com Telmo:
. a perda do aio por causa de Maria;
. a luta contra a resistência de Telmo à sua ordem de mentir para salvar D. Madalena;
- com Manuel de Sousa:
. pela felicidade de ter uma filha;
. por se sentir espoliado por ele e por D. Madalena: “Tiraram-me tudo”;
- com Maria:
. pelo simples facto de ter nascido;
. por o ter expulsado do coração de Telmo;
. agudiza todos os conflitos com o seu regresso;
. de Telmo Pais:
. conflito de consciência: a incompatibilidade entre o amor a D. João e o amor a Maria (III, 4);
. mantém um conflito com outras personagens:
- com D. Madalena (I, 2):
. desaprova o casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada da batalha, e na superstição de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também;
. daí vieram os “ciúmes”, os agouros, os “futuros”;
. o conflito com D. Madalena fica sempre sem solução;
- com Maria (I, 2):
. a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
. o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar;
. novo conflito (II, 1), no entanto, se pode observar nas evasivas, nas meias-ver-dades, nas reticências, na relutância em revelar a identidade da personagem do retrato;
. é Manuel de Sousa quem identifica essa personagem (II, 2);
- com Manuel de Sousa (I, 2):
. apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João;
. por conta deste tem “ciúmes” e alguma aversão por o considerar um intruso;
. o conflito resolve-se quando Manuel de Sousa o cativa pelos actos de resistência aos governadores, que culminam com o incêndio do próprio palácio (I, 7, 8 e 12), chegando mesmo a admirá-lo;
- com D. João de Portugal (III, 4 e 5):
. o amor a D. Maria venceu o amor a D. João;
. por isso, chega a oferecer a sua vida em troca da vida “daquele anjo” e a desejar a morte de D. João;
. de Maria de Noronha:
. não tem conflito;
. conflito com outras personagens:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (I, 3): D. Madalena não acredita nestes factos, enquanto Maria acredita;
. a desconfiança de que a mãe oculta alguma coisa muito importante (I, 4);
. não pode cumprir as esperanças nela postas (I, 4);
. por isso, desejaria ter um irmão (I, 4);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (I, 3), por causa das atitudes que ele toma ao ouvir falar de D. Sebastião;
. no entanto, a hipótese não tem fundamento;
- com os governantes de Lisboa (I, 5): a resistência à tirania, concretizada na ideia de lutar e organizar a defesa, para que os governadores não entrem no seu palácio;
- com Telmo (II, 1), a propósito da identidade da personagem do retrato:
. as meias-verdades, as evasivas de Telmo, que a todo o transe pretende ocultar-lhe o nome do cavaleiro retratado;
. os indícios observados por Maria, nos momentos que passou ali mesmo com a mãe, no dia da mudança para este palácio; e a intuição do segredo e a persistência em a manterem na ignorância daquele “mistério”;
- com D. João de Portugal:
-» antes da mudança de palácio (I, 4):
. pressente intuitivamente que alguém, fazendo sofrer a mãe, também não a deixa ser feliz;
. por isso, procura uma resposta, com os meios de que dispõe: a capacidade de “ler nas estrelas” e os sonhos e visões;
-» depois da mudança (II, 1 e 2):
. fica a saber, a partir da atitude da mãe, que a figura representada no retrato e de quem ignora a identidade, é esse alguém, causador de todos os sofrimentos;
. daí a curiosidade e a persistência das perguntas a Telmo até à revelação da identidade do retratado; no entanto, ela já o sabia “de um saber cá de dentro”;
-» por fim (III, 11 e 12):
. revela que sempre houve alguém a interpor-se, entre ela e a mãe, entre ela e o pai, por intermédio da figura simbólica de um anjo vingador: “Mãe, mãe, eu bem o sabia... nunca to disse, mas sabia-o; tinha-mo dito aquele anjo que descia com uma espada de chamas na mão, e a atravessava entre mim e ti, que me arrancava dos teus braços quando eu adormecia neles... que me fazia chorar quando meu pai ia beijar-me no teu colo”;
. identifica-o: “É aquela voz, é ele, é ele!”.

14. O pathos (o sofrimento):
. D. Madalena de Vilhena:
- sofrimento por causa do adultério;
- sofrimento pela incerteza da sorte do primeiro marido;
- sofrimento violento pela volta do primeiro marido;
- sofrimento cruel após conhecimento da existência do primeiro marido:
. pela perda do marido;
. pela perda de Maria;

. Manuel de Sousa Coutinho:
- sofre a angústia pela situação presente e futura da filha (III, 1);
- sofre a angústia pela situação da sua mulher (III, 8);
. D. João de Portugal:
- sofre o esquecimento a que foi votado;
- sofre pelo casamento de sua mulher;
- sofre por não poder travar a marcha do destino (III, 2);
. Maria de Noronha:
- sofre fisicamente: tuberculose;
- sofre psicologicamente:
. não obtém resposta a muitos agouros;
. sofre a vergonha da ilegitimidade;
. Telmo Pais:
- sofre pela dúvida constante que o assalta acerca da morte de D. João de Portugal;
- sofre hesitando entre a fidelidade a D. João e a Manuel de Sousa;
- sofre a situação de Maria.

15. A anagnórise (o reconhecimento – II, 15): o reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal.

16. O clímax: a chegada do Romeiro e a sua identificação.

17. As peripécias:
- o incêndio do palácio de Manuel de Sousa;
- a mudança para o palácio de D. João;
- a chegada do Romeiro;
- a tomada de hábito de D. Madalena e Manuel de Sousa;
- a morte de Maria.

18. A catástrofe:
- D. Madalena:
. causada pelo regresso de D. João:
-» morte psicológica;
-» separação do marido;
-» profissão religiosa;
. salvação pela purificação: torna-se a irmã Sóror Madalena das Chagas;
- Manuel de Sousa:
. morte psicológica:
-» separação da esposa;
-» separação do mundo;
-» profissão religiosa;
. glória futura de escritor ® Frei Luís de Sousa: glória de santo;
- D. João de Portugal:
. morte psicológica:
-» separação da mulher;
-» a situação irremediável do anonimato;
- Maria de Noronha:
. morte física;
. vai para o céu;
- Telmo Pais: não poderá resistir a tantos desgostos e, tal como D. João, cairá no rio do esquecimento.

19. Tal como era lei na tragédia grega, tudo isto iria despertar nos espectadores o terror (fobos) e a piedade (éleos) purificantes – a catarse. A catarse (purificação) realiza-se através do castigo: o casal ingressa num convento, renunciando às paixões mundanas, Maria morre de vergonha por causa da sua ilegitimidade e ascende, pela sua inocência, ao espaço celeste.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Análise da Cena II do Ato I de Frei Luís de Sousa


Funcionalidade da cena: apresenta informações obre
. os antecedentes da ação
. as personagens, seus problemas e estado de espírito
. a situação em que se encontram
. a época em que decorre a ação


Assunto: apresentação das personagens principais, a qual resulta de um propósito de D. Madalena: pedir a Telmo que não incuta no espírito de Maria as suas crenças e agouros sobre uma desgraça iminente a cair sobre a sua família.


Antecedentes da peça

Datas
Acontecimentos
▪ Antes de 1578
▪ Casamento de D. Madalena com D. João de Portugal.
▪ 4 de agosto de 1578
▪ Batalha de Alcácer Quibir.
▪ Desaparecimento de D. Sebastião e de D. João de Portugal.
▪ Suposta viuvez de D. Madalena.
▪ 1578-1585
▪ Diligências de D. Madalena para encontrar D. João, mas sem sucesso.
▪ 1585
▪ Casamento de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.
▪ 1586
▪ Nascimento de Maria.
▪ 1589
▪ Ano em que decorre a ação da peça.


Caracterização das personagens

▪ D. Madalena:
. nobre: a designação dona só se dava na época às senhoras da aristocracia;
. receosa e hesitante no que quer dizer a Telmo;
. critica o ascendente do aio sobre si e, sobretudo, Maria, pedindo-lhe que não insista nesse ascendente;
. casou muito jovem com D. João de Portugal;
. enviuvou com 17 anos;
. procurou exaustivamente D. João, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, durante 7 anos;
. terá 38 anos: a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo casamento teve lugar 7 anos depois, teria ela 24; casou pela segunda vez há 14; Maria tem 13;
. vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe mantém esse passado bem vivo, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e pode voltar a qualquer momento, o que destruiria o seu casamento e tornaria Maria uma filha ilegítima, por isso não consegue ser feliz, já que não se consegue libertar desse medo;
. não amou D. João, mas respeitou-o sempre;
. é profundamente apaixonada por Manuel de Sousa;
. sente-se vítima do destino;
. a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima que revela uma consciência moral atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João de Portugal e pelo remorso proveniente da consciência de pecado – de facto, a personagem sente-se culpada por ter casado com Manuel de Sousa, sem ter a certeza acerca da morte do primeiro marido;
. revela, na última fala da cena, a tendência para o devaneio, o que já acontecera na primeira cena e está de acordo com a tendência romântica e a extrema sensibilidade da sua alma.


Telmo Pais:
. não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo modesto título de escudeiro;
. manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do latim na Bíblia (posição dos Protestantes);
. o seu verdadeiro senhor continuar a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena, dado como morto na batalha de Alcácer Quibir (“… não sei latim como o meu senhor… quero dizer, como o sr. Manuel de Sousa Coutinho…”);
. possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
. é o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
. nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”, digno “… da confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro valido, o familiar quase parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
. era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “… ao princípio não podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu pai” – a sua não aceitação inicial era originada por ela ser fruto do casamento de Madalena e Manuel de Sousa, que Telmo via como uma traição a D. João, cuja morte não aceita; porém, com o passar dos anos, a formosura e bondade de Maria cativaram-no de tal modo que agora afirma ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
. foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
. atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança viva e permanente do «remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
. ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
. não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações, agouros, profecias (como, por exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está vivo; além do mais, D. João nunca deixaria de cumprir a sua palavra;
. atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica as prevenções de Telmo em relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria;
. começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria (fragmentação que será confirmada na cena V do ato III): sendo tão amigo dela e pretendendo ter-lhe tanto amor, sustenta uma crença que, a concretizar-se, significaria a morte da jovem;
. é sebastianista:
- crê que os eu antigo amo não morreu;
- acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
. funções ou papéis que desempenha:
- coro:
. alimenta o sebastianismo;
. anuncia desgraças próximas;
. profere contínuos agouros;
. comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico, através dos seus presságios e agouros;
- alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria enterrar mas não consegue, ou não a deixam;
- confidente de D. Madalena;
- leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
. os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem como a sua intenção de salvar Maria de uma desgraça que considera iminente.


Maria:
. nobre:
- a designação de “dona”;
- o apelido “Noronha” indicia alta estirpe (“é sangue de Vilhenas e de Sousas”);
. o seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-ma de anjo) – configura a imagem da mulher-anjo dos românticos, contrastando com D. Madalena;
. tem 13 anos;
. é alta;
. é precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como psicologicamente: “… em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também…”; “Maria tem uma compreensão…”;
. é curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz (“tão perspicaz”);
. é bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
. dotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
. é sonhadora;
. possui uma imaginação muito fértil;
. segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele anjo”.


Manuel de Sousa Coutinho:
. nobre: “… o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está” (o ingresso na Ordem de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de nobreza);
. o seu nome é bíblico: é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa “Deus connosco”, significado que se adequado à personagem, dado(a):
- a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva;
- a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe adivinha, revelada
. na resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao lar onde vivera com D. João (I, 8);
. na vivência cristã da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3);
. pelo contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como de portas a dentro, quase no início da mesma cena;
. no desapego dos bens materiais, “coisas tão vis e tão precárias”;
. no desamor pela própria vida (“vida miserável que um sopro pode apagar” – I, 11);
. nas palavras de Telmo:
- “fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por melhores neste reino em toda a Espanha”;
- “é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português”.


D. João de Portugal:
. nobre: nobreza de sangue que vinha do pai (“aquele nobre conde de Vimioso”), a designação dom, atribuído apenas a alguns membros da aristocracia; o nome de família do Conde de Vimioso;
. nas palavras de Telmo: “… espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons…”;
. o nome de batismo:
- é bíblico: evoca o nome de um dos apóstolos;
- é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um tipo literário (cf. um D. Juan).


Relação Telmo vs. D. Madalena

            Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em muito a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro apresenta-se mais como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero aio, graças aos longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois de Manuel de Sousa). Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um pai, daí a liberdade de que goza quando lida com D. Madalena. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se fosse sua filha. De igual forma, ele respeita-a e aconselha-a, não obstante ter sido contrário ao segundo casamento.
            Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos) entre ambos seja de grande respeito, amizade, confiança e abertura, como se comprova ao longo de todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D. Madalena quer fazer ao seu velho aio: acabar com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de que de D. Sebastião está vivo e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade, acarretaria consequências trágicas para Maria, reduzida então à condição de filha ilegítima.
            E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo escudeiro que perturba a relação. Note-se como Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está claramente a sugerir que ela era merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados legitimamente, sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar que D. João ainda está vivo. A ser assim, a família seria destruída e Maria uma filha ilegítima, com todas as consequências ao nível da mentalidade e das convenções sociais da época.
            Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão: se continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros, poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que D. João de Portugal poderá estar vivo despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de tal situação poderia agravar seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.


Relação Telmo vs. Manuel de Sousa

            Telmo manifesta grande respeito e admiração por Manuel de Sousa, cujas qualidades elenca e elogia, mas não lhe dedica a mesma consideração e estima que nutria por D. João de Portugal, visto que considera que não é digno de ocupar o lugar do seu antigo amo.


Tempo

da ação: 28 de julho de 1599, fim da tarde de uma sexta-feira;

narração cronológica dos acontecimentos ocorridos antes do início da peça:
- casamento de D. Madalena com D. João de Portugal antes de 1578;
- desaparecimento deste em África, na batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578 – sexta-feira – D. Madalena tinha 17 anos;
- D. Madalena procurou D. João durante 7 anos (de 1578 a 1585), não se poupando a esforços;
- casou com Manuel de Sousa há 14 anos – 1586;

histórico:
- a existência de peste em Lisboa e
- a discórdia entre portugueses e castelhanos, de acordo com as palavras de D. Madalena (última fala da cena), o que nos remete para o domínio filipino;
- as várias referências à batalha de Alcácer Quibir;
- a alusão de Telmo à Reforma protestante, quando menciona a tradução da Bíblia para as línguas dos países onde se implantou.


Características da tragédia clássica da cena

▪ A presença do Destino, por quem D. Madalena se sente perseguida/vítima.

Hybris de D. Madalena: nunca amou D. João.

Pathos: os terrores de D. Madalena.

▪ Os agouros e presságios de Telmo.

▪ A presença do coro nos agouros, comentários e prenúncios de desgraças próximas de Telmo.

Agon:
- de D. Madalena:
. interior, de consciência;
. contínuo;
. crescente;
. com Telmo: apesar de, durante os 7 anos de «viuvez», lhe ter obedecido como a um pai, D. Madalena não segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado na carta profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
. com D. João, presente nas conversas com Telmo, testemunha da «desobediência» de D. Madalena, conversas essas cheias de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de alusões, de agouros, de «futuros», de pressentimentos de desgraças iminentes;
- de Telmo:
. de consciência: começa a ser evidente o conflito de consciência entre o desejo do regresso de D. João de Portugal e o amor a Maria;
. com D. Madalena:
- desaprova o seu casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada da batalha;
- e na superstição (maravilhoso popular) de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também (o que não se tinha verificado);
- daí os “ciúmes”, as alusões, os agouros, os “futuros”;
- o conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
. com Maria:
- a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
- o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar e ele lhe quer como um pai;
. com Manuel de Sousa:
- apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João de Portugal;
- por conta deste tem “ciúmes”
- e uma certa aversão, por o considerar um intruso.

▪ O caráter ominoso, carregado de mistério e de fatalismo, conferido ao tempo pela repetição de determinados números (3, 7, 14, 21, 13) e pela sexta-feira:
. D. Madalena procurou D. João durante 7 anos;
. D. Madalena e D. Manuel de Sousa estão casados há 14 anos (2X7);
. a batalha (e o consequente desaparecimento de D. Sebastião e D. João) ocorreu há 21 anos (3X7);
- 3:
. perfeição;
. 3 fases da existência;
- 7:
. tragédia;
. conclusão de um ciclo:
- 21:
. completa a tríade do 7, indicando o fechar de um ciclo e o iniciar de outro ainda desconhecido, mais concretamente de três (7: o ciclo da busca de novas sobre D. João; 14: o tempo de vida em comum de Madalena e Manuel; 21: o encerrar de todos os ciclos e o início de um novo).

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