Português

domingo, 12 de dezembro de 2010

Modificador da frase

          O modificador da frase é a função sintáctica desempenhada por um constiuinte não seleccionado por nenhum elemento do grupo sintáctico de que faz parte, podendo, por isso, ser omitido sem que a frase perca sentido:
                    . Decididamente, o Benfica não será campeão neste Natal.
                    . O Benfica não será campeão neste Natal.

                    . Felizmente, o Benfica triunfou.
                    . Matematicamente, essa equação está errada.

          O modificador frásico pode ser constituído por:

               » um grupo preposicional que incide sobre a frase:
                    . Com grande mérito, o Benfica venceu o Sp. de Braga.
                    . Para preocupação de todos, o teste de Português foi muito difícil.
                    . Na realidade, a Grécia continua à beira da bancarrota.

               » um grupo adverbial que incide sobre a frase:
                    . Sinceramente, não acredito que o Benfica seja campeão esta época.
                    . Talvez seja verdade o que dizes.
                    . Infelizmente, todos tiveram positiva no teste.
                    . Bem, acho que vou dormir.
                    . Efectivamente, não gosto de vós.
                    . Naturalmente, o Antunes foi à vareja.
                    . Lamentavelmente, a Luísa reprovou.

               » uma oração subordinada adverbial condicional:
                    . Se nevar, faço um boneco de neve com cenoura e tudo.
                    . Se cantasse bem, concorria ao Ídolos.
                  ou concessiva:
                    . Apesar de teres estudado, não vais à viagem de finalistas.
                    . Embora o céu esteja nublado, não se espera que chova.



TESTES

          Para distinguir o modificador do grupo verbal e da frase existem alguns testes que podem aplicar-se:

1.º Teste:

     » Os modificadores do grupo verbal permitem testes com interrogação por clivagem ("ser ... que"), sendo a pergunta uma frase bem formada  e a resposta a essa pergunta SIM:
          . Ontem, o Antunes foi atropelado.
          Pergunta: Foi ontem que o Antunes foi atropelado?
          Resposta: Sim.
         
          Pelo contrário, o modificador da frase não admite esse tipo de pergunta, pois não configura uma frase bem formada:
          . Naturalmente, o Antunes foi à vareja.
          Pergunta: * Foi naturalmente que o Antunes foi à vareja? (1)


2.º Teste:

     » Os grupos adverbiais que são modificadores do grupo verbal podem ainda ser negados:
          . O Antunes foi atropelado não ontem, mas hoje.

     » Já os modificadores adverbiais da frase não podem ser negados:
          . * Não naturalmente, mas provavelmente o Antunes foi à vareja.


3.º Teste:

     » Os modificadores da frase não podem ser interrogados:
          . * Como é que a Luísa reprovou? - Lamentavelmente.


4.º Teste:

     » O modificador da frase não é recuperado quando se elide o predicado (logo não faz parte deste):
          . Honestamente, surpreendeu-me a postura do Benfica e a do Porto também
            [me surpreendeu]. - ao repetir o predicado, não é necessário recuperar o
            modificador

     » O modificador do grupo verbal, pelo contrário, é recuperado quando se elide o predicado:
          . Jorge Jesus agiu honestamente e nós também [agimos honestamente]. - ao
            repetir o predicado, é necessário recuperar o modificador.

* * * * * * * * * *

Fontes:

     » Dicionário Terminológico;
     » AMORIM, Clara e SOUSA, Catarina, Gramática da Língua Portuguesa, Areal Editores;
     » PINTO, José M. de Castro et alii, Gramática do Português Moderno, Plátano Editora.

Complemento agente da passiva

                O complemento da agente da passiva é a função sintática desempenhada, numa frase passiva, por um grupo preposicional introduzido pelas preposições por (e suas formas contraídas: pelo, pela etc.) ou, mais raramente, de, precedida(s) de um verbo na passiva.
                Esta função sintática só existe quando a frase se encontra na forma passiva e contém verbos transitivos diretos, isto é, que «pedem» complemento direto na forma ativa.
Exemplos:                      predicado
a) O bolo foi comido pelo João.
sujeito              complemento agente da passiva

b) O carro é conduzido por ti.

c) O caso é conhecido de todos.
                Pelos exemplos apresentados se conclui que o complemento agente da passiva faz parte do predicado.

                Quando se transforma uma frase ativa em passiva, ocorrem as seguintes transformações:

1.ª) o sujeito da frase ativa torna-se complemento agente da passiva da passiva na frase passiva:
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
sujeito
‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
c. agente da passiva

2.ª) o complemento direto da frase ativa torna-se sujeito da frase passiva:
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
complemento direto
‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
sujeito

3.ª) o verbo principal da frase ativa é conjugado, na passiva, no particípio passado e é introduzido o verbo auxiliar «ser», conjugado no mesmo tempo em que se encontrava o verbo principal da ativa:
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
verbo principal no pretérito perfeito
        |‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
verbo auxiliar         verbo principal no particípio passado
«ser» no
pretérito perfeito


4.ª) os demais elementos da frase, se os houver, mantém-se inalterados:
‑ Fr ativa: Ontem, pelas onze horas, o gato comeu o rato na cozinha.
‑ Fr passiva: Ontem, pelas onze horas, o rato foi comido pelo gato na cozinha.

                Por outro lado, note-se que o complemento agente da passiva pode surgir:
a) em frases passivas, com o verbo auxiliar «ser« seguido de particípio (os exemplos analisados até aqui):
. A Maddie foi raptada por um louco.
b) em estruturas participiais, isto é, sem o verbo auxiliar expresso:
. Este é um caso conhecido de todos.


Funções sintácticas: COMPLEMENTO OBLÍQUO

          O complemento oblíquo é seleccionado pelo verbo e pode assumir a forma de um grupo adverbial, de um grupo preposicional ou a coordenação de ambos.
                    . O Pérciles foi a Atenas.
                    . Os acusados de corrupção vão para a prisão.
                    . A Vera portou-se mal.
                    . Eu gosto de chocolates.
                    . Tu moras aqui ou em Mangualde?
          Dito de outra forma:
                    » quem vai, vai a algum lugar;
                    » quem se porta, porta-se de um determinado modo;
                    » quem gosta, gosta de alguma coisa;
                    » quem mora, mora nalgum local.

          O complemento oblíquo não pode ser substituído pelas formas pronominais «lhe», «lhes»:
                    . * O Pérciles foi-lhe.
                    . * Os acusados de corrupção vão-lhe.
          A possibilidade de substituição pelo pronome pessoal dativo é a forma mais prática de distinguir o complemento oblíquo do complemento indirecto.

Funções sintácticas: COMPLEMENTO INDIRECTO

          O complemento indirecto é um complemento seleccionado pelo verbo que tem a forma de grupo presposicional (geralmente introduzido pela preposição «a»):
                    . Ofereci um ramo de flores à minha esposa.
                    . Telefonei ao meu amigo de Moçambique.

          O CI pode ser substituído pelo pronome pessoal na sua forma dativa (lhe, lhes):
                    . Ofereci-lhe um ramo de flores.
                    . Telefonei-lhe.

          O teste tradicional para descortinar o CI consiste em perguntar ao verbo «a quem?»:
                    . Ofereci um ramo de flores à minha esposa.
                    . Oferecium ramo de flores a quem?
                    Resposta: À minha esposa. (=> complemento indirecto)

Funções sintácticas: COMPLEMENTO DIRECTO

          O CD é um constituinte obrigatório seleccionado pelo verbo (transitivo directo), não precedido de preposição.

          O CD pode assumir a forma de um grupo nominal substituível por um pronome pessoal acusativo (o, a, os, as):
                    . A Sara roubou a maçã.
                    . A Sara roubou-a.
                    . A Margarida perdeu a mala que a mãe lhe ofereceu.
                    . A Margarida perdeu-a.

          O CD pode assumir a forma de uma oração subordinada substantiva substituível pelo pronome pessoal átono «o»:
                    . A Irene disse que o professor assaltou o vendedor de bolas de Berlim.
                    . A Irene disse-o.
                    . A Joana também perguntou se o gato regressou.
                    . A Joana também o perguntou.

Funções sintácticas: PREDICADO

          O predicado é a função sintáctica desempenhada pelo grupo verbal:
                    . O Benfica vencerá o Sp. Braga hoje?
                    . Surpreende-me que tu não estudes.

          Fazem parte do preciado as seguintes funções sintácticas:
                    » complemento directo;
                    » complemento indirecto;
                    » complemento oblíquo;
                    » complemento agente da passiva;
                    » predicativo do sujeito;
                    » predicativo do complemento directo;
                    » modificador(es).

Outra Análise de "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Em «Quadrilha», de Drummond de Andrade, há uma divertida sucessão de amores desencontrados, «não-correspondidos», como se diz, até que a cadeia se quebra quando aparece alguém que «não amava ninguém». Depois, o poema revela telegraficamente o desfecho de cada vida, finais pouco felizes, e alguns trágicos. Apropriadamente, a mulher que «não amava ninguém» foi a única que se casou. E casou com «J. Pinto Fernandes», cuja inicial lembra a designação de uma empresa, e nos inspira uma imediata antipatia, tanto mais que ele «não tinha entrado na história». Mas o J aponta provavelmente para um nome bastante comum, como José, sem nada de ridículo, certamente não tão ridículo como Raimundo. E se o senhor J. é «Pinto Fernandes», os outros devem ser certamente «Alves» e «Figueiredo» e assim. Gente banal com nomes banais. O poema sugere uma empatia para com todos os envolvidos, com excepção de J. Pinto Fernandes; mas acho que é possível, e até indispensável, defender uma conclusão diferente. Claro que João, Teresa, Raimundo, Maria e Joaquim, que amaram e não foram amados, merecem a nossa compaixão. Mas se o «não amava ninguém» de Lili também vale para o casamento dela com J. Pinto Fernandes, então eu diria que Lili é a única personagem negativa desta quadrilha. Quando a J. Pinto Fernandes, nada nos garante que seja mais duvidoso ou menos louvável do que Joaquim, Maria, Raimundo, Teresa e João. Além de que é provável que amasse Lili, que porventura não o amava a ele, o que dá a J. uma aura trágica que nos toca. O facto de não ter entrado na história não o desqualifica. Entrou certamente noutras histórias, na sua história, todas as histórias têm sempre gente nova a entrar. Não sei muita coisa sobre J. Pinto Fernandes, mas sei que já perdi duas mulheres para ele, e acho que ele as merece mais do que eu.
(c) Pedro Mexia, http://a-leiseca.blogspot.com/

          Pedro Mexia é um poeta e crítico literário, autor do blogue http://a-leiseca.blogspot.com/, ex-director da Cinemateca e membro do Governo Sombra, programa da TSF que passa às sextas-feiras (19 - 20 H) e aos domingos (13 - 14 H), em que tem a companhia de Ricardo Araújo Pereira, João Miguel Tavares e Carlos Vaz Marques.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Funções sintácticas

1. Funções sintácticas ao nível da frase:
          » Sujeito:
                         . Simples
                         . Composto
                         . Nulo
          » Predicado
          » Modificador
          » Vocativo

2. Funções sintácticas internas ao grupo verbal:
          » Complemento:
                                     . Complemento directo
                                     . Complemento indirecto
                                     . Complemento oblíquo
                                     . Complemento agente da passiva
          » Predicativo:
                                 . Predicativo do sujeito
                                 . Predicativo do complemento directo
          » Modificador

3. Funções sintácticas internas ao grupo nominal:
          » Complemento do nome
          » Modificador:
                                   . Modificador restritivo
                                   . Modificador apositivo

4. Funções sintácticas internas ao grupo adjectival:
          » Complemento do adjectivo

domingo, 5 de dezembro de 2010

Matriz do teste (2.º - 2010-11)

Grupo I

          Texto A

                    » Questionário sobre um texto de Ricardo Reis.

          Texto B

                    » Exercício de escolha múltipla sobre um texto informativo;
                    » Exercício de Verdadeiro / Falso:
                              . coesão textual;
                              . tipos de sujeito;
                              . relações de sentido entre palavras.

Grupo II

          » Questões sobre gramática:
                    . funções sintácticas;
                    . actos de fala.

Grupo III

          »Texto de reflexão.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Álvaro de Campos e Pablo Picasso

     Pablo Picasso, Mulher que chora


          Que relações poderemos estabelecer entre as obras de Picasso e de Álvaro de Campos?

          O vosso trabalho final consiste na elaboração de um texto de apreciação crítica / reflexão, constituído por duzentas a trezentas palavras, no qual reflictam sobre o conceito de arte que ambos traduzem (o quadro de Picasso e o verso de Campos).

          Antes, porém, de chegarmos à fase de produção textual, preocupemo-nos com as tarefas seguintes:

               1.ª) Quem foi Pablo Picasso (vida e obra)?
                         . http://www.suapesquisa.com/picasso/
                         . http://www.artcyclopedia.com/artists/picasso_pablo.html
                         . linha cronológica
                         . http://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Picasso

               2.ª) Identificação da imagem (nome, autor, ano de edição...):
                         . informações sobre
                         . apresentação de
                         . in english

               3.ª) Quem foi Newton?
                    
               4.ª) O que é o «binómio de Newton»?

               5.ª) O que é a Vénus de Milo?
                         . http://www.sescsp.org.br/sesc/galeria/20mundo/obra20.htm
                         . http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%AAnus_de_Milo

          Na posse destes dados, passemos à elaboração do plano do texto, marcando claramente uma Introdução, o seu Desenvolvimento e a respectiva Conclusão e os elementos a incluir em cada um dos três momentos referidos, depois de uma observação atenta da representação do quadro e da análise do verso.

          Traçado o plano, passamos então à elaboração do texto, sabendo que são três as áreas centrais do nosso trabalho:
                       . descrição da imagem;
                       . clarificação do sentido do verso de Campos;
                       . relacionação da imagem com o verso, tendo por pano de fundo o tema proposto para a elaboração do texto: o conceito de arte veiculado pelas duas peças de arte.



sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Perfil

          Perfil de Alberto Caeiro, traçado a partir da leitura da Carta a Adolfo Casais Monteiro:

1. Aspectos biográficos:
          a) Nascimento: 16 de Abril de 1889, em Lisboa.
          b) Falecimento: Lisboa, 1915, vítima de tuberculose.
          c) Profissão: nunca exerceu qualquer profissão; viveu à custa de pequenos rendimentos.
          d) Educação: instrução primária (4.ª classe).
          e) Família:
                    - órfão de pai e mãe muito jovem;
                    - vivia com uma velha tia-avó, de pequenos rendimentos, no campo, numa quinta do Ribatejo.

2. Retrato:
          a) Traços físicos:
                    - estatura média;
                    - aspecto frágil;
                    - cara rapada;
                    - louro sem cor;
                    - olhos azuis.

3. Obra
          a) Obras:
                   - O Guardador de Rebanhos;
                   - O Pastor Amoroso;
                   - Poemas Inconjuntos.
          b) Relação com Pessoa e heterónimos: é considerado o Mestre.
          c) Traços poéticos:
                    - ausência de pensamento metafísico;
                    - ausência de racionalização.
          d) Relação com a escrita: escreve mal o português.
          e) Génese: 8 de Março de 1914, o «dia triunfal» da vida de Pessoa, pois nele apareceu o seu «Mestre», «por pura e inesperada inspiração».

«Da nossa semelhança com os deuses»

          Neste caso, o assunto gira em torno das (supostas) semelhanças entre humanos e deuses: uma vez que o homem é semelhante aos deuses, deve gerir o seu próprio destino com altivez, coragem e sem medo (Estoicismo), buscando a tranquilidade.

         

«As rosas amo dos jardins de Adónis»

          Nesta ode, Ricardo Reis reflecte, mais uma vez, sobre a temática da efemeridade da vida / volatilidade do tempo.

          Nos primeiros oito versos, que podemos considerar a primeira parte do poema, encontramos a tal reflexão sobre a brevidade da vida, a partir de um dos símbolos clássicos repescados por Reis: o da rosa. Neste caso, as rosas são as do jardim de Adónis, a figura mitológica jovem e extremamente formosa que nasceu do incesto de Ciniras, rei de Chipre, com Mirra, sua filha, e que se notabilizou por ser um caçador exímio. Graças à sua formosura, foi objecto da paixão de Vénus, a deusa do Amor, que acabou por o ver sucumbir às mãos de um javali. Este mito está ligado à origem da mirra e à origem da rosa, duas plantas que teriam nascido a partir de uma gota do seu sangue.
         
          O sujeito poético, dirigindo-se a Lídia, começa por afirmar o seu amor pelas rosas do jardim de Adónis, que têm uma vida curta, pois nascem no início e morrem no fim do dia, característica que aponta para o seu simbolismo: a brevidade ou fugacidade da vida. Por outro lado, a sua associação à figura de Adónis remete para a alegria, para a felicidade e para a beleza efémeras [notar a expressividade do adjectivo «volucres», uma palavra de origem latina que traduz: a) os fundamentos clássicos da poesia deste heterónimo; b) o recurso a uma linguagem erudita, oposta à linguagem simples de Caeiro; c) a brevidade da vida].

          Na segunda quadra, encontramos a referência a outra figura clássica, a de Apolo, o deus que tinha por missão conduzir o carro solar à volta do Universo, puxado por quatro cavalos, também considerado deus da poesia, da música e das artes. Neste caso, surge associado à luz e ao sol, símbolos do dia e da vida, por oposição à noite, símbolo da morte. O «eu» poético aproveita estas referências para expressar o seu desejo de um presente perpétuo, imutável, uma forma de ilusão de eternidade («A luz para elas é eterna» - v. 5).

          Nos últimos quatro versos, em jeito de conclusão ou explicação («Assim»), o sujeito poético explicita a sua filosofia de vida. Começa por incentivar a «amada», Lídia, a, juntos, serem como as rosas de Adónis, isto é, a viverem o dia presente como se ele fosse a vida toda («façamos nossa vida um dia» - v. 9) e a ignorarem o passado (a «noite antes») e o futuro (o «após»).

          E porquê? Em primeiro lugar, porque ele possui a plena consciência de que a vida é breve («O pouco que duramos» - v. 12). Depois, porque sente a necessidade de aceitar a morte, de a integrar no seu «projecto» de vida, de modo a evitar a dor e a angústia de se saber efémero (como as rosas de Adónis) e mortal. Notar, nestes versos, o recurso ao advérbio de modo «voluntariamente», que expressa o autodomínio, a autodisciplina do «eu» em seguir uma determinada filosofia de vida.

          Formalmente, estamos perante um poema constituído por doze versos brancos, distribuídos por três quadras, de métrica que oscila entre o decassílabo (o primeiro par de cada estrofe) e o hexassílabo (o segundo par).
          Como é usual nos textos de Reis, predominam as formas verbais no modo conjuntivo (com valor de imperativo), associadas aos apelos dirigidos a Lídia e à feição moral do poema.
          A adjectivação traduz a formação clássica de Reis e reflecte os temas que pretende abordar na composição: «volucres» (efémeras, passageiras), «inscientes» (desconhecedoras), «eterna» (a brevidade da vida das rosas).

          À semelhança do que sucede com outros textos, também neste é possível identificar um vasto conjunto de marcas clássicas:
               . a simbologia das «rosas», da «luz» e do «sol»;
               . os latinismos («volucres» e «inscientes»);
               . os hipérbatos («As rosas amo dos jardins de Adónis»);
               . o recurso a personagens da mitologia clássica (Adónis e Apolo);
               . o nome Lídia;
               . o princípio horaciano e epicurista do “carpe diem”: gozar o dia de hoje sem curar de saber o que o destino nos reservará para amanhã;
               . o tema da efemeridade da vida a que estamos condenados pelo Tempo que tudo devora (como no mito grego de Cronos que devorava os próprios filhos).

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

«Da nossa semelhança com os Deuses»

          O presente texto, constituído por versos decassilábicos intercalados com hexassilábicos, começa por comparar os homens a «deidades exiladas», afirmando que aqueles se devem julgar deuses, embora não o sejam na realidade (de notar a expressividade da forma verbal «tiremos»), isto é, devem ser senhores do seu destino. E devem julgar-se deuses (dado que têm a mesma origem) exilados na Terra, ou seja, afastados da convivência com os outros deuses, os que vivem no Olimpo. A semelhança que existe entre estas «entidades» passa pela Vida, possuída por direito próprio e tão antiga que ninguém a pode impugnar. Quer isto dizer que, se os deuses receberam o direito a ela das mãos de Júpiter, os homens possuem o mesmo direito a um nível semelhante, em tempo e qualidade.

        No segundo andamento do poema, o sujeito poético defende um determinado conceito de vida para o Homem, começando por aconselhá-lo a portar-se altivamente (v. 7) e a ser dono de si mesmo, uma atitude tipicamente estoicista. Por outro lado, deve orientar-se no sentido de levar uma vida em paz, serena, tranquila, sem sobressaltos, sem agitação (a magna quies), ideia acentuada pela comparação, presente nos versos 8 a 10, com a «vila», a casa de campo concedida aos mortais pelos deuses para amenizar os rigores do Verão (o «estio»). Os homens deveriam usar a sua existência da mesma forma: num ambiente bucólico, sossegado, fazendo o culto da natureza (a aurea mediocritas). E esta parte não termina sem um apelo à moderação e ao quietismo (típicos do Epicurismo), por oposição a «outra forma mais apoquentada» de conduzir a existência, justificado pelo facto de esta estar cheia de incertezas («é indecisa» - v. 13) e desaguar necessariamente na morte (é «afluente / Fatal do rio escuro.» - vv. 13-14 - perífrase e eufemismo).

          Na última estrofe, o «eu» apela ao autodomínio. Dado que o Destino comanda os próprios deuses, se situa acima deles, que lhe obedecem e não lhe podem fugir; dado que o Destino é calmo e inexorável (o que aponta para uma concepção fatalista da existência), os homens deverão primar pelo autodomínio. Assim, deverão construir o seu próprio destino (visto que não é possível fugir ao Fado e aos próprios deuses) e, deste modo, a opressão que o Destino exerce parecerá voluntária (conformismo) e os homens entrarão no mundo da morte pelos próprios pés, como se se tratasse de um acto voluntário e deliberado.

          À semelhança do que sucede em muitas das suas odes, Ricardo Reis defende uma filosofia de vida assente nos seguintes princípios:
                  . Autodomínio;
                  . Abnegação / resignação;
                  . Desprendimento;
                  . Controlo das paixões;
                  . Evitar tudo o que possa causar perturbação;
                  . Construção do próprio destino (conformismo e submissão a ele);
                  . ...
A razão deste modelo de vida encontra-se na impossibilidade de escapar ao Fado. Os seus objectivos / as suas consequências passam por evitar o sofrimento e a angústia causados pela morte, pela construção de uma vida sem sobressaltos e pela dignificação do ser humano.

Funções sintácticas (GC8)

1.1.
     a) sujeito
     b) modificador do nome restritivo
     c) predicado
     d) predicativo do sujeito
     e) modificador preposicional
     f) complemento directo
     g) sujeito
     h) modificador do nome apositivo

2.
     2.1. a)
     2.2. d)
     2.3. c)
     2.4. c)
     2.5. b)
     2.6. b)

3.
     1 - d
     2 - a / f
     3 - a / f
     4 - h
     5 - b

4.
     4.1.
          a) modificador preposicional
          b) modificador do nome restritivo
          c) sujeito
          d) predicado
          e) complemento directo
          f) modificador do nome restritivo
          g) modificador do nome restritivo
          h) sujeito
          i) predicado
          j) complemento directo
          k) modificador do nome restritivo

5.
     a)
          «Quando bebem» - modificador frásico
          «os jovens» - sujeito
          «marcianos» - predicativo do sujeito
     b)
          «Infelizmente» - modificador frásico
          «miseravelmente» - modificador (adverbial) do grupo verbal
     c)
          «do comentário que fizeram» - complemento oblíquo
          «que fizeram» - modificador do nome restritivo
          «anteontem» - modificador adverbial
     d)
          «Domingo» - modificador nominal (com valor similar a um grupo preposicional => «No domingo») do grupo verbal
          «o Benfica» - sujeito
     e)
          «Obviamente» - modificador (adverbial) frásico
          «boas classificações» - complemento directo
     f)
          «Alunos preocupados com a saúde dos professores» - sujeito
          «preocupados com a saúde dos professores» - modificador (adjectival) do nome restritivo
          «raros» - predicativo do sujeito
     g)
          «Embora estivesse nervoso» - modificador frásico
     h)
          «Os alunos» - sujeito
          «da visita de estudo» - complemento do adjectivo
     i)
          «de exibições» - complemento do nome
          «assustadora e inquietante» - predicativo do sujeito
     j)
          «de fazer greve» - complemento do nome
          «me» - complemento indirecto
     k)
          «O Pedro» - sujeito
          «de fazer estes exercícios» - complemento do adjectivo
     l)
          «do sucesso do Orçamento de Estado.» - complemento oblíquo
     m)
          «O pão e a cebola» - sujeito
          «bem» - complemento oblíquo
     n)
          «Na aula» - modificador frásico
          «da poesia de Ricardo Reis» - complemento oblíquo
          «de Ricardo Reis» - modificador do nome restritivo
     o)
          «com o vosso esforço» - complemento do adjectivo
          «meus caros» - vocativo
     p)
          «Esta ficha» - sujeito
          «no domingo» - modificador do grupo verbal
          «por mim» - complemento agente da passiva
     q)
          «Hoje» - modificador do grupo verbal
          «a minha mãe» - sujeito
          «me» - complemento indirecto
          «da rua» - modificador do grupo verbal
     r)
          «A luta dos portugueses» - sujeito
          «pela dignidade» - complemento do nome
          «justa» - predicativo do sujeito
     s)
          «que é minha aluna» - modificador do nome apositivo
     t)
          «pelo Natal» - complemento do adjectivo

6.
     a)
          «simpáticas» - modificador do nome restritivo
          «a atenção dos professores» - complemento directo
          «dos professores» - complemento do nome
     b)
          «à presidência da República.» - complemento oblíquo
     c)
          «Para alívio dos alunos» - modificador (preposicional) da frase
     d)
          «que mora em Almeida» - modificador do nome restritivo
          «em Almeida» - complemento oblíquo
          «uma avaria» - complemento directo
          «na A25» - modificador do grupo verbal

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Errata - 1.º teste escrito

          Diz o povo que a mesma água não passa duas vezes sob a mesma ponte.

          É angustiante para um professor constatar a falsidade de tal afirmação quando é confrontado, após anos a batalhar, com a permanência dos mesmos erros, das mesmas falhas, tradutoras de uma estagnação da aprendizagem, quando não de uma involução.

          Pela enésima vez, destacamos aqui alguns dos erros que teimam em brotar na escrita...

1.º) "A interrogação «Que faço eu no mundo, leva-nos...". O sujeito não se separa, por qualquer sinal de pontuação, do verbo / do predicado: "A interrogação «Que faço eu no mundo» leva-nos...".

2.º) "Ele questiona o motivo da sua existência porque ele se sente infeliz. Ele considera que não está a fazer nada no mundo..." (e por aí fora). Deve evitar-se a repetição da mesma palavra ou expressão no texto (excepto quando essa repetição é intencional, para enfatizar algo): "Ele questiona o motivo da sua existência porque [omissão do sujeito - alguém se recorda da elipse?] se sente infeliz e considera que não está a fazer nada no mundo..." (notar também que há formas mais adequadas para transmitir a ideia de «não estar a fazer nada no mundo»).

3.º) "A interrogação leva-nos a pensar que o autor quando escreveu o poema encontrava-se um pouco confuso...». → Deixemos de lado a referência incorrecta ao «poeta» (em vez de «eu», «sujeito poético»...), à escrita do poema e a anteposição do pronome relativamente ao verbo («se encontrava») e centromo-nos no seguinte: as orações intercaladas numa frase complexa isolam-se com o recurso à vírgula: «A interrogação leva-nos a pensar que o poeta, quando escreveu o poema, se encontrava um pouco confuso...».

4.º) "No entanto, vemos que este pensamento lhe traz dor, «Nada que a noite acalme ou levante a aurora», e por mais que...". Como fazer transcrições textuais?
          Hipótese A: "No entanto, vemos que este pensamento lhe traz dor: «Nada que a noite acalme ou levante a aurora...» (v. 5)."
          Hipótese B: "No entanto. vemos que este pensamento lhe traz dor (»Nada que a noite acalme ou levante a aurora...» - v. 5)."

5.º) A confusão entre autor e eu / sujeito poético: o autor escreveu o texto; a entidade intrínseca ao poema é designada por «eu», «sujeito poético», «sujeito lírico»...

6.º) Concordância do verbo com o sujeito: "Duas das razões que provocam um sentimento de «horror» ao sujeito poético é, por um lado, o facto...". O verbo concorda em número com o sujeito: "Duas das razões que provocam um sentimento de «horror» ao sujeito poético são, por um lado, o facto...".

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Correcção (1.º teste)

05/11/2010

GRUPO I

TEXTO A

1. No texto, estão referidos dois momentos temporais. Um deles diz respeito ao presente, representado pela madrugada, descrita em termos muito negativos e angustiantes para o sujeito poético: "Agora / Raia do fundo / Do horizonte, encoberta e fria, a manhã." (vv. 1-3). O outro momento remete para um passado recente, concretamente a noite, vista como um tempo longo, de insónia e de arrastamento ("Em toda a noite o sono não veio." - v. 1).

2. A interrogação referida produz diversos sentidos. Por um lado, acentua o estado de agitação interior do sujeito poético, agravado pela noite de vigílai, de insónia. Por outro lado, remete para um dos temas centrais do poema: o autoquestionamento do «eu» sobre a sua existência e o seu lugar no mundo. Neste sentido, a interrogação enfatiza o desespero e a angústia do sujeito poético face a essas realidades.

3. Os versos 14 e 15 representam a «noite» como o lugar de onde nasce a «manhã» ou, de forma mais precisa, esta surge como uma realidade gerada naquela e que, saindo lentamente de dentro dela, a anula ("Nem o símbolo ao menos vale, a significação / Da manhã..." - vv. 13-14).

4. O horror referido pelo sujeito poético no verso 8 justifica-se por diversas razões. Desde logo, resulta da noção de que cada dia nada de novo lhe traz, o que gera a permanência do seu estado de alma profundamente negativo, marcado pela dor, pela angústia, pela decepção ("... o mesmo dia do fim / Do mundo e da dor..." - vv. 9-10). Por outro lado, o sujeito poético mostra-se cansado da sua espera em vão ("... tantas vezes ter sempre 'sperado em vão" - v. 17), o que provoca a sua desistência de qualquer tipo de esperança ("Para quem (...) Já nada 'spera..." - vv. 16 e 18). Além disso, o sujeito poético está consciente da indiferenciação do tempo, resultante da repetição incessante dos dias sempre iguais ("Um dia igual aos outros, da eterna família / De serem assim..." - vv. 11-12).



TEXTO B

1.1. d)

1.2. c)

1.3. a)

1.4. c)

2.
   1 - g
   2 - e
   3 - a
   4 - c



GRUPO II

1.
   a) complemento oblíquo
   b) complemento indirecto e complemento directo
   c) modificador

2.
   a) sujeito nulo subentendido
   b) sujeito nulo indeterminado
   c) sujeito nulo expletivo
   d) sujeito simples

3.
   Grupos nominais:
          . O teste deste período inicial
          . este período inicial
          . este período
          . uma prova muito simples
          . uma prova

   Grupo verbal:
          . é uma prova muito simples

   Grupos adjectivais:
          . inicial
          . muito simples

   Grupo preposicional:
          . deste período inicial

domingo, 14 de novembro de 2010

Traição e Vingança

"Se depois de eu morrer"

                         Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
                         Não há nada mais simples
                         Tem só duas datas  a da minha nascença e a da minha morte.
                         Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

                         Sou fácil de definir.
                         Vi como um danado.
                         Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
                         Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
                         Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
                         Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
                         Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
                         Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

                         Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
                         Fechei os olhos e dormi.
                         Além disso, fui o único poeta da Natureza.

          Este poema (que não foi objecto de análise na sala de aula) pertence ao conjunto denominado Poemas Inconjuntos (o nome traduz o carácter desgarrado e sem fio condutor das composições que constituem a obra) e viu a luz do dia em 8 de Novembro de 1915.

          O sujeito poético começa por se referir à sua biografia, afirmando que a sua via possui somente duas datas: a do nascimento e a da morte. Todos os restantes dias são seus. Quer isto significar que apenas aquelas datas pertencem ao exterior, ao mundo que o rodeia: a do nascimento porque não o podia evitar; a da morte porque também esta constituirá uma data alheia que ele não pode controlar, à semelhança do nascimento. As restantes datas, os restantes dias pertencem-lhe por exclusivo e não fazem parte de qualquer biografia tradicional, pois a sua existência nada teve de comum, em nada se pareceu com a de um homem com uma vida normal.

          Na segunda estrofe, declara-se «fácil de definir». E concretiza a ideia proclamando que viu «como um danado» (comparação), assumindo-se mais uma vez como o poeta do olhar, das sensações visuais, que predominam sobre todas as outras («Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.» - verso 9), um observador da realidade, em suma. Além disso, não amou com sentimento, nem se deixou contaminar por grandes ambições ou sonhos grandiosos. Por outro lado, compreendeu a realidade das coisas e a diferença que existe entre elas, numa enorme diversidade, sem ligação entre si, ou seja, sem lhes atribuir um significado. Ou seja, o sujeito poético compreende com os olhos (com os sentidos), não com o pensamento. Isto impediu que ele tivesse uma vida semelhante à dos restantes, pois ele limitou-se a contemplar a realidade exterior, sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chagava através dos olhos.

          A estrofe final expressa o modo como desejaria que a morte chegasse, isto é, como o sono de uma criança (comparação e metáfora). Estes recursos estilísticos representam a posição que o sujeito poético (Alberto Caeiro) assume face à vida: deseja ser possuidor da inocência de uma criança, para quem o mundo constitui uma permanente descoberta que a fascina. Atente-se na forma como ele expressa a ideia de morte: através do eufemismo «sono» que um dia lhe «deu» e marcou o seu fim, serena e tranquilamente, como uma criança que se entrega ao seu sono quotidiano.

          E o poema finaliza com uma afirmação categórica - «Além disso, fui o único poeta da Natureza.» -, reveladora de um certo orgulho, vaidade e quase displicência.

Poema XXVIII ("O Guardador de Rebanhos")

          Neste poema, constituído por sete estrofes (três tercetos, dois dísticos, uma sétima e uma sextilha) de versos brancos e métrica irregular, o sujeito poético refere a sua reacção a uma leitura que efectuou. De facto, após ter lido «quase duas páginas / Do livro dum poeta místico» (note-se, desde já, a expressividade do vocábulo «quase» e o numeral «duas», que remetem para a dificuldade que teve em ler aquele livro), patenteia uma atitude simultânea de riso e de choro (comparação antítética «E ri como quem tem chorado muito.»). Estes estados de alma opostos encontram justificação no facto de o sujeito, perante o que acaba de ler, não saber se deve rir ou chorar face ao conteúdo da obra. No fundo, a sua dúvida oscila entre saber se o seu autor - um poeta místico - é merecedor da sua troça ou da sua piedade.

          Na segunda estrofe, apelida os poetas místicos de filósofos doentes e estes de homens doidos, o que remete para a noção de que o pensamento é uma doença. Essas afirmações são justificadas no terceto seguinte, por isso ela é iniciada pela conjunção subordinativa causal «porque», que assume um valor explicativo em relação ao conteúdo da estrofe anterior. O riso do sujeito poético é justificado, afinal, pelo facto de os poetas místicos atribuem sentimentos às flores, almas às pedras e testemunham êxtases dos rios ao luar. Para ele, isso é impensável, pois as pedras são apenas pedras, as flores apenas flores e os rios não têm alma nem êxtases ao luar. Os elementos da Natureza não são mais do que aquilo que os sentidos apreendem.

          O sujeito poético crê que a realidade que lhe é transmitida pelos sentidos é a única verdade e que a Natureza (representada pelo vento, pelas pedras, pelas flores e pelos rios) é somente aquilo que vemos, sem segundos sentidos ou intervenção do pensamento. Tudo o mais é «mentira», que reside em nós, e essa mentira é o pensamento, é o ver nas «coisas» algo mais do aquilo que os sentidos nos transmitem.

          A finalizar, o «eu» poético exprime o seu contentamento por não ver na Natureza algo para além do que os olhos lhe mostram («... compreendo a Natureza por fora...»), por não ser, portanto, como os poetas místicos, que a procuram compreender «por dentro». Este posicionamento reflecte-se na sua poesia que, de tão espontânea, se aproxima da prosa («... escrevo a prosa dos meus versos...».
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