Português

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O Rato

     O que leva uma pessoa supostamente educada, culta e com parte dos neurónios ainda em funcionamento a submeter-se, a subalternizar-se de forma humilhante e indecorosa?
     Em Esposende, o "disponível" ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, assistiu, ao vivo e a cores, à assunção formal da sua pasta por parte do primeiro-ministro. De facto, este, nas barbas (literal e figurativamente) do matemático, deu notícia ao mundo da forma autoritária e inapelável como subordinou a figura de Crato à sua vontade: quem quer sair sai, não ameaça, não se coloca à "disposição".
     O sorriso forçado e aparvalhado do MEC no momento em que Passos Coelho falou diz tudo sobre o nada em que se tornou. O inenarrável processo de colocação de professores (quando é que terminará?) foi apenas a cereja no topo do bolo de um mandato miserável.

Henricartoon

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Análise do poema "Não sei se é sonho se realidade"

                O sujeito poético começa por afirmar a sua incapacidade para distinguir o sonho da realidade (“Não sei se é sonho, se realidade, / Se uma mistura de sonho e vida.” – vv. 1 e 2). Essa incapacidade torna o desejo de felicidade (“A vida é tão jovem e o amor sorri.” – v. 6) tão forte (“É esta que ansiamos” – v. 5), que esta se presentifica (“Ali, ali” – v. 5), como se de uma realidade tangível se tratasse (“Aquela terra de suavidade / Que na ilha extrema do sul se olvida.” – vv. 3 e 4). Neste contexto, a “ilha extrema do sul” (v. 4) simboliza precisamente a felicidade ansiada, porém inacessível.
                A primeira palavra da segunda estrofe – o advérbio “talvez” – anuncia o tom geral desta parte do texto (de dúvida), bem como a impossibilidade de concretização do sonho (“inexistentes”, “longínquas”) presente na terceira estrofe (vv. 17-18). Os paraísos imaginados (“palmares inexistentes, / Áleas longínquas sem poder ser” – vv. 7-8) são uma forma de evasão reconfortante dos crédulos (“Sombra ou sossego deem aos crentes / De que essa terra se pode ter.” – vv. 9-10), mas apenas desencadeiam no sujeito poético dúvidas e ceticismo (“Ah, talvez, talvez, / Naquela terra, daquela vez.” – vv. 11-12) e descrença na possibilidade de se ser feliz (“Felizes, nós?” – v. 11). Assim, as imagens de felicidade (“sonhada” – v. 13; “Sob os palmares, à luz da lua” – v. 15) e a consciência da realidade (“Ah, nesta terra também, também, / O mal não cessa, não dura o bem.” – vv. 17-18), quando pensadas (“Só de pensá-la” – v. 13), perdem o seu efeito balsâmico (“se desvirtua” – v. 13), pois causa dor (“cansou pensar” – v. 14) a consciência do seu caráter ilusório (“Sente-se o frio de haver luar.” – v. 16).
                Concluindo, o sonho é ilusão e a felicidade aí procurada (“ilhas do fim do mundo” – v. 19; “palmares de sonho” – v. 20) traz ilusões e desilusões (“Não é […]”; “Nem […] ou não”; “Que cura a alma seu mal profundo, / Que o bem nos entra no coração.”). Ela está perto (“É ali, ali” – v. 23), mas só pode ser alcançada no íntimo de cada um de nós (“É em nós que é tudo.” – v. 23; “Que a vida é jovem e o amor sorri.” ­ V. 24).
                A nível vocabular, o sentido do poema progride da dúvida, logo presente no verso 1, para a certeza (“Não é” – v. 19). A transição do “sonho” para a “realidade” é feita na terceira estrofe através da conjunção adversativa “mas”. O advérbio “ali” acompanha esta progressão, pois, na primeira estrofe, refere a “ilha extrema do “sul” e, na última, remete para o interior de cada um de nós, pois é em nós, e apenas em nós, que podemos encontrar a felicidade (“É em nós que é tudo.” – v. 23). Esta conclusão é marcada, igualmente, pela utilização de atos ilocutórios assertivos, destacando a certeza do sujeito poético relativamente àquilo que afirma.
                O título do poema remete já para o tema – o refúgio no sonho – e para a oposição em torno da qual se desenvolve o texto: sonho vs realidade.
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