Ofélia é uma
de duas personagens femininas de Hamlet, mas a trama que a envolve está
intimamente relacionada com três figuras masculinas: Polónio, seu pai, Laertes,
seu irmão, e Hamlet, o seu interesse amoroso.
Ofélia é uma
mulher dinamarquesa nobre, jovem e bela, doce e inocente, honesta, gentil,
sensível e inteligente, mas controlada e manipulada por forças que lhe são
superiores, nomeadamente os homens da sua vida.
A sua
relação com Hamlet é complexa. No início da peça, aparentemente os dois
compartilham um afeto genuíno (por exemplo, Ofélia refere ter recebido cartas
do príncipe, nas quais este expressava o seu amor por ela), mas o
relacionamento é ambíguo. Porém, desde logo se percebe que a jovem depende das
figuras masculinas para lhe dizerem como se comportar e o que fazer. De facto,
o pai e o irmão advertem-na para não confiar nas expressões de amor de Hamlet,
sugerindo que o sentimento dele pode não ser sincero e que ela pode ser
desonrada) e, mais do que isso, Polónio usa-a para espiar o príncipe e tenta
descobrir a origem da sua loucura e, em última análise, força-a a devolver as
cartas de Hamlet e a renunciar ao seu afeto. Ofélia, obediente, corta os laços
com ele, o que desperta a fúria do príncipe, que começa a trata-la de forma
cruel e desconcertante, o que pode ser lido como um reflexo da própria dor de
Hamlet, mas também como uma estratégia tendente a afastá-la ou a protegê-la
como parte do seu esquema para parecer louco. Exemplificativa de tudo isto é a
sugestão para que se torne freira. A morte de Polónio, seu progenitor, às mãos
de Hamlet sela o destino trágico do relacionamento entre ambos e da própria
Ofélia. De facto, esta, já num estado de fragilidade emocional devido ao
comportamento errático e inconsistente do príncipe, fica devastada pela morte do
pai, o que a leva à loucura e, posteriormente, à morte em circunstâncias
ambíguas. A reação de Hamlet ao passamento da jovem, de arrependimento e dor,
indica que os seus sentimentos por ela eram genuínos.
A relação
entre Ofélia e Polónio é marcada pela obediência da filha relativamente ao pai
e pelo controle deste sobre ela, o que traduz uma grande desigualdade de poder,
característico de uma sociedade patriarcal e machista. De facto, a jovem é uma
filha obediente, respeitosa e submissa, seguindo as ordens e os conselhos do
pai sem os questionar. Por seu turno, Polónio procura controlar a vida de
Ofélia, nomeadamente a amorosa, essencialmente porque desconfia das reais
intenções de Hamlet relativamente à filha e, porque acredita que o interesse
não é sério, instrui-a a cortar relações com ele. No fundo, isto significa que
Polónio a usa como um peão na sua demanda de poder e influência na corte.
Exemplificativo desta ideia é o modo como a usa para espiar o príncipe, o que,
em última análise, a coloca numa situação de vulnerabilidade e perigosa. Em
todo o trajeto, nunca este pai parece ter em consideração os sentimentos e os
interesses da sua filha, antes a manipula e usa para atingir os seus objetivos,
sem se preocupar com o impacto emocional que pode ter sobre ela. Exemplifica
isso o facto de a usar para testar a sinceridade do amor e as intenções de
Hamlet, não considerando como esse plano poderia afetá-la emocionalmente. No
entanto, nada disto afeta o amor de Ofélia pelo pai, daí o desamparo e a dor
que sente aquando da sua morte, que a deixa devastada e desamparada.
Relativamente
a Laertes, existe entre ambos um amor filial e uma afeição sinceros. O irmão
mostra sempre grande cuidado e preocupação com ela, procurado protegê-la como
irmão mais velho, aconselhando-a a ser cautelosa relativamente aos avanços
amorosos de Hamlet. No fundo, Laertes reflete a mentalidade da época, que
associava a dignidade e a honra da mulher ao seu comportamento e castidade. Em
simultâneo, essa postura traduz uma atitude paternalista sobre a figura feminina,
que necessita de alguém que a guie e proteja dos próprios sentimentos e das
intenções dos homens que a rodeiam.
Por outro
lado, embora não de forma tão intensa, também Laertes exerce controle sobre a
vida de Ofélia, influenciando e condicionando as suas decisões, o que significa
que, apesar de amada, vive cercada por figuras masculinas que limitam a sua
autonomia. Ela, por sua vez, respeita e ouve os conselhos dele, que confia que
a irmã seguirá as suas recomendações, o que configura uma confiança mútua entre
ambos. Assim sendo, não é de estranhar que Laertes, após a sua morte, seja
consumido pela culpa e pela dor, pois sente-se culpado por não ter estado
presente para a proteger, o que o leva a procurar vingar-se de Hamlet, por o
considerar culpado do desenlace trágico da irmã.
Ofélia vê-se
envolvida em intrigas políticas e é manipulada por figuras de poder, não
obstante manter uma relação distante e formal com o casal real, que olha para a
jovem como um instrumento para espiar Hamlet, desconsiderando os seus sentimentos
e o seu bem-estar. Curiosamente, ou não, embora esteja próxima do poder e da
corte, Ofélia não possui qualquer influência nela, antes vive subordinada à
autoridade política. No fundo e em suma, ela é uma vítima do poder: não exerce
qualquer influência sobre os acontecimentos e, pelo contrário, é manipulada
pelas forças políticas que a envolvem. Enquanto jovem mulher na corte, ela é
ensinada a ser obediente e submissa, quer pelo pai, quer pela própria corte. É
possível que a jovem se sinta culpada pela morte do pai, ainda que
indiretamente, pois foi a sua relação com Hamlet que precipitou os eventos
trágicos.
Ofélia
possui uma visão idealizada e romântica do amor, exprimindo um apelo genuíno
por Hamlet e acredita nas suas promessas amorosas. O seu amor por ele é puro e
inocente, refletindo a sua inocência e a sua sensibilidade, mas acaba por ser
colocado à prova pela manipulação e pela desconfiança que pairam sobre ele. Por
outro lado, a jovem é ensinada a valorizar a castidade e a pureza, como a
sociedade esperava de uma jovem nobre. O sexo é encarado por ela como algo que
deve estar conectado à honra pessoal e a mulher deve preservar a sua virgindade
e castidade. No final, a jovem vive uma grande confusão emocional perante a
sucessão de acontecimentos negativos que marcam a sua vida, começando pela
forma como Hamlet a trata a partir de certo momento e que faz com que o amor se
torne em fonte de sofrimento. Todo este caldo de cultura faz com que Ofélia
nunca tenha oportunidade de expressar a sua sexualidade ou o seu amor de forma
plena, pois é constantemente condicionada pelos homens da sua vida, que a oprimem
e levam ao silenciamento dos seus desejos e sentimentos.
Em suma,
Ofélia é uma jovem nobre, inocente, pura e obediente que contrasta com a
corrupção que caracteriza a corta da Dinamarca e que, no fundo, destrói as
referidas pureza e inocência, esmagadas pelo mundo em que vive, prenhe de
violência, traição e manipulação. Por outro lado, ela é vítima de uma sociedade
patriarcal que controla e oprime as mulheres, determinando o seu comportamento
e escolhas. Além disso, a sua loucura simboliza o modo como aquela sociedade
marginaliza aqueles que se desviam do caminho esperado, bem como a fragilidade
da mente humana perante a vivência de traumas e de pressões insuportáveis.
Em vários
momentos da peça, Ofélia canta canções sobre flores e a própria morte ocorre no
contexto do afogamento num rio, no meio de grinaldas de flores que tinha
juntado, o que representa a sua ligação à natureza. Note-se que várias das
flores a que está associada representam as suas emoções e as relações com
outras personagens. Por exemplo, o alecrim remete para a lembrança, enquanto a
violeta, a fidelidade.
A sua morte,
para a qual parece fadada desde o início da obra, é ambígua, pois é sugerido
que ela se afogou num rio de forma acidental, mas também existem indícios de
que se trata de suicídio. De facto, a rainha narra a morte de forma poética,
porém a imagem de que ela era uma jovem desesperada, incapaz de suportar o seu
infortúnio, que se deixou levar pela água indicia que, no seu estado de
insanidade, desistiu de lutar. Por outro lado, tratando-se efetivamente de um
suicídio, tal pode significar que, nos seus derradeiros momentos, Ofélia ganhou
uma espécie de autonomia de que nunca usufruiu ao longo da vida.