Português: 08/07/24

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Análise do poema "As avós e as tias", de Bruna Beber

    O poema, constituído por versos curtos que lhe imprimem um ritmo vivíssimo, abre com uma metáfora clássica (“Durante toda a minha caminhada / pela bola”), que representa a vida enquanto viagem pelo planeta e sugere uma perspetiva sobre as coisas decorrente da experiência e aprendizagem feita. A referência à Terra reflete a diversidade de perspetivas sobre as coisas: uns chamam-na “terra” e outros “água” (neste caso, por a superfície do planeta ser constituída maioritariamente precisamente por água), o que parece indiciar a noção de que a realidade pode ser interpretada de formas diversas, dependentes da perspetiva de cada pessoa.
    De seguida, associa a forma redonda da Terra a uma memória da juventude: a de um amigo do colégio que apelidaram “balofo”, certamente por causa do seu excesso de gordura corporal. Atente-se no uso irónico do advérbio de modo “carinhosamente”, pois estamos na presença de um epíteto que nada tem de carinhoso nem para o alvo nem para os autores. Por outro lado, estamos perante uma espécie de tradição escolar juvenil: a atribuição a colegas de escola de epítetos, alcunhas, umas vezes traduzindo, de facto, relações de amizade e carinho, outras enquanto forma de humilhação, ou, como se dirá hoje, “bullying”. É da natureza humana distribuir apelidos pelos seus semelhantes. Seja como for, quer interpretemos o “balofo” como apelido carinhoso, quer como depreciativo, estes versos indiciam a importância das relações interpessoais e das memórias afetivas ao longo da vida.
    Do seu percurso de vida, resulta um processo de aprendizagem do «eu» poético: a vida é feita de incertezas, porém há uma certeza que tem e que gostaria de partilhar com os outros, nomeadamente com as gerações futuras diretas – “os seus filhos”. Deste modo, os versos parecem traduzir a ideia de que a transmissão do conhecimento e da experiência aos vindouros é um legado, uma herança extremamente valiosa(o).
    Mas, afinal, que certeza é essa? Todo o ser humano possui ou já possuiu uma toalha bordada. É evidente que esta referência configura uma metáfora que traduz a importância das pequenas coisas, ou gestos, que possuem pouco valor material, mas enorme valor sentimental e cultural. Estamos, pois, no campo da tradição e da herança familiar. Note-se que, numa entrevista concedida em 2022, a poeta afirmou que desconhece o conceito económico de herança, ou seja, bens, imóveis, fortunas materiais, e que nunca herdou nada. No entanto, acrescenta, na sua família existe aquilo que chama “a mística dos objetos de carinho”: “Fui criada recebendo, não sem controle e num intervalo de tempo que não prevê facilidades, um rádio de pilha de um avô aqui, um reloginho de uma avó acolá, um cinzeiro que meu pai já me repassou em vida (…) Enfim, desde que nasci recebo objetos que têm ou tiveram importância para alguém que ajudou a me criar. Amigos e amigas também fazem isso comigo, namoradas já fizeram. Parece que as pessoas ficam à vontade para confiar em mim suas memórias e elas podem ficar tranquilas porque nunca vou jogar fora aquela toalhinha que ganhei quando tinha sete anos ou aquela lâmpada de pisca-pisca de Natal de 92. Assim, herança para mim é confiança.” As palavras da própria escritora dispensam mais considerandos.
    Voltando ao poema, atente-se na referência “pela bola – há quem /a diga achatada”, uma alusão evidente àqueles que acreditam no terraplanismo, uma nova indireta às diferentes crenças e perceções que as pessoas têm do mundo e da realidade. Por outro lado, os versos “É importante / que seus filhos / passem pros deles / essa verdade” enfatizam a importância de transmitir e preservar a cultura e as tradições familiares, passando-as às futuras gerações. Mesmo aqueles que não possuem filhos aos quais possam passar a “toalha bordada” continuarão a tê-la, isto é, continuarão a possuir as suas tradições e legados familiares e culturais. O facto de alguém não possuir filhos a quem legar a sua “toalha bordada” não invalida a importância ou o significado da herança cultural, pois existirão sempre objetos que testemunharão uma experiência e identidade compartilhadas. O legado transcende a procriação e as conexões familiares, pois há elementos compartilhados que nos unem como seres humanos.
    Deste modo, podemos concluir que a toalha bordada constitui uma metáfora para a herança cultural, por mais singela que seja, que é passada de geração em geração. A toalha é um elemento tangível e concreto, alfo concreto, um objeto que pode ser tocado e visto e que incorpora em si histórias, memórias e significados que transcendem a materialidade. Desta forma, o «eu» poético enfatiza a importância de o ser humano preservar e compartilhar as suas tradições e cultura, algo que já é indiciado pelo título – “As avós e as tias” –, que aponta desde logo para o conceito de família e ancestralidade, sugerindo que as tradições culturais são transmitidas por figuras maternas. Afinal, as “toalhas bordadas”, os trapos, são tipicamente associados ao universo feminino, estando o masculino totalmente ausente.

Análise da cena 2 do ato III de Hamlet

    O início do terceiro ato é constituído pelas tentativas dos antagonistas descobrirem os segredos um do outro: o rei espia o sobrinho para averiguar a sua proclamada loucura, enquanto Hamlet engendra um estratagema para estabelecer a culpa do tio. A peça dentro da peça conta a história de Gonzago, duque de Viena, e de sua esposa, que acaba por se casar com Luciano, o sobrinho assassino do rei. Hamlet, ao acrescentar à representação o excerto escrito por si que imita os detalhes da morte do pai, acredita que a peça é uma oportunidade mais fiável de estabelecer a culpa de Cláudio do que as afirmações do fantasma. Ele espera que, recorrendo ao processo de imitação da realidade pela arte, Cláudia se traia e indicie a sua culpa. Podemos, pois, concluir que Hamlet, ao socorrer-se deste estratagema, está a manipular a realidade e o ambiente circundante, controlando o desenrolar dos acontecimentos.
    A reação intempestiva de Cláudio à representação que reconstitui o assassinado do rei Hamlet revela a sua culpa e permite a Hamlet concluir que o tio é efetivamente responsável pelo crime. Este facto é muito importante, pois o jovem príncipe não tinha qualquer prova que sustentasse a denúncia do fantasma e é precisamente esta ausência de provas que alimenta a indecisão de Hamlet e que o leva a adiar a execução da vingança solicitada pelo espectro, pois não quer cometer um assassinato sem ter a certeza da culpa do rei. Agora, desaparece o motivo do protelar do príncipe. Em simultâneo, confirma-se que há mesmo algo podre no reino da Dinamarca: o atual rei ascendeu ao trono após cometer fratricídio.
    Tudo isto reacende o tema da aparência versus a realidade: as artimanhas de Hamlet, a pressão sobre Rosencrantz e Guildenstern para enganar o príncipe, a reencenação da morte do rei Hamlet no jardim. Intimamente ligado a esta temática temos o tema da loucura, desde logo por causa da loucura fingida de Hamlet, que não passa de mais um embuste. Além disso, a saída de Cláudio da sala onde a peça está a ser representada pode considerar-se uma saída louca, dando início a uma espiral de decadência do rei.
    As figuras femininas da peça são sempre relevantes por diversos motivos. A cena de abertura da peça, por exemplo, constitui um ataque a Gertrudes, visto que põe em xeque a sua lealdade ao rei Hamlet, nomeadamente quando a rainha-personagem afirma veementemente que não se voltará a casar caso o marido morra, ao contrário do que fez a monarca da Dinamarca, que casou de novo pouco tempo depois de ter ficado viúva. Convém, no entanto, ter presente que o comportamento de Gertrudes está em consonância com a sociedade da época, visto que era comum então que as mulheres viúvas se casassem de novo, contudo apenas após um período de luto considerável pelo marido falecido. Assim sendo, a forma célere como Gertrudes se casa novamente contraria certas expectativas da sociedade da época, porém há que ter em atenção que estamos a falar de uma monarca, com outras responsabilidades que uma mulher plebeia não tinha. Deste modo, a acusação implícita de Hamlet relativamente à decisão da mãe pode conter o seu quê de injusta, pois não tem em conta as pressões sociais a que Gertrudes estava sujeita e que a levaram ao segundo casamento.
    Por outro lado, o modo como Hamlet trata Ofélia mostra-o como alguém injusto e insensível, pois parece não refletir nos sentimentos de ambas as mulheres ou nas consequências que as suas atitudes e decisões possam ter sobre elas. Anteriormente, o príncipe já afirmara que não sentia nada por ela e, durante esta cena, senta-se intencionalmente ao seu lado e faz comentários obscenos para a deixar incomodada e desconfortável. Mas porquê tratar assim Ofélia, se já atingiu o objetivo de convencer todos de que está louco? Será um reflexo da sua eventual misoginia?
    No final de cena, Hamlet reflete brevemente sobre o seu comportamento e como este afetou a sua mãe, mas será que o prometido encontro posterior com Gertrudes confirmará este breve instante ou, pelo contrário, acentuará a sua raiva e grosseria dirigidas às mulheres?

Resumo da cena 2 do ato III de Hamlet

    Nessa noite, Hamlet junta-se ao grupo de atores e instrui-os sobre como representar os papéis que escreveu para eles, lamentando os atores que exageram as suas representações ou procuram suscitar o riso fácil, em vez de representarem de forma genuína.
    Entretanto, chegam Polónio, Rosencrantz e Guildenstern. Hamlet dirige-se-lhes e questiona Polónio se o rei e a rainha assistirão à peça. Após resposta afirmativa, diz àquele que passe a informação aos atores e manda Rosencrantz e Guildenstern apressarem os atores.
    Horácio entra em cena e o príncipe, satisfeito por o ver, elogia-o calorosamente, destacando as suas qualidades de espírito, a capacidade de autocontrole e reserva, bem como a sua lealdade e racionalidade. Depois de lhe contar o que o fantasma lhe disse, isto é, que Cláudio assassinou o seu pai, informa-o do seu plano de usar a cena que escreveu e que será adicionada à peça, a qual recria o que o espírito lhe revelou. Assim, pede a Horácio que observe cuidadosamente a reação de Cláudio durante aquela cena específica para avaliar a sua culpa. Se o rei parecer inocente, tal quererá dizer que o espectro será, afinal, um demónio. Horácio concorda, dizendo que, se o monarca, evidenciar algum sinal de culpa, ele irá identifica-lo.
    As trombetas tocam uma marcha dinamarquesa enquanto os membros da corte e o casal real entram no compartimento. O rei dirige-se a Hamlet e pergunta-lhe se está bem, ao que o príncipe responde de forma indireta e intrigante, antes de questionar Polónio sobre a sua experiência enquanto ator nos tempos de faculdade. Ele confirma que participou em peças e que chegou mesmo a desempenhar o papel de Júlio César, o que leva Hamlet a refletir sobre o assassinato do imperador romano e a ação impiedosa do seu filho Brutus no crime.
    Rosencrantz informa que os atores estão preparados. Gertrudes convida, então, o filho a sentar-se ao seu lado, mas ele opta por o fazer junto a Ofélia, provocando-a com uma série de trocadilhos eróticos, que a rapariga desvia, aludindo ao bom humor do companheiro.
    A pantomina pré-peça inicia-se e os atores representam uma cena em que um rei e uma rainha trocam afeto carinhosamente. Depois, a monarca sai e deixa o marido a dormir. Enquanto dorme, um homem rouba a sua coroa, derrama veneno no seu ouvido e foge. A rainha retorna, descobre o rei morto e chora o sucedido. Entrementes, o assassino regressa e começa a cortejar e a seduzir a viúva com presentes até ela ceder. Ofélia mostra-se perturbada com aquilo a que assistiu. A representação prossegue, entrando agora na peça propriamente dita: um rei e uma rainha discutem a duração do seu casamento e o amor que sentem mutuamente. O monarca reflete sobre a sua idade avançada e a morte que se aproxima e sugere que a esposa se deveria casar novamente após a sua partida. A rainha responde que um novo casamento seria como uma maldição e que cada beijo do outro marido seria semelhante a matar repetidamente o primeiro. O rei incentiva-a a manter a sua mente aberta e a não excluir hipóteses, visto que os seus sentimentos podem mudar após a sua morte, mas a esposa recusa terminantemente um novo matrimónio. A rainha sai, deixando o marido dormindo. Hamlet aproveita e pergunta à mãe se está a gostar da peça, ao que ela responde afirmativamente, acrescentando, porém, que a soberana refilava em demasia. Cláudio faz-se ouvir também e questiona se a peça não pode ser considerada muito inquietante e ofensiva, todavia Hamlet afirma que não passa de uma representação teatral que não incomodará ninguém cuja consciência esteja tranquila.
    Nesse ínterim, entra no palco um novo ator, representando uma personagem chamada Luciano, que é sobrinho do rei e que derrama veneno no ouvido do tio, matando-o. Nesse momento, Cláudio levanta-se e sai. A representação da peça é interrompida por ordem de Polónio e todos abandonam a sala, exceto Hamlet e Horácio. Os dois dialogam e concordam que a reação de Cláudio é reveladora de culpa.
    Rosencrantz e Guildenstern regressam e informam Hamlet que o rei está muito aborrecido e que a rainha ficou bastante irritada e solicita a sua presença nos seus aposentos. Polónio chega e informa Hamlet que a mãe deseja vê-lo imediatamente. O príncipe responde que irá ter com ela em breve e pede-lhe um momento a sós. Sozinho em cena, Hamlet decide ser absolutamente honesto com a mãe quando falar com ela, sem, no entanto, perder o controle e agir violentamente. 
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