Português: 09/10/24

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Análise do 3.º parágrafo do conto «A Aia»

    Este parágrafo é dominado pela descrição da reação da rainha à morte do marido, caracterizada por uma profunda dor e tristeza. A manifestação física visual dessa reação são as lágrimas, o choro. Por outro lado, a dor é distribuída pelas várias facetas da monarca. Assim, como rainha, chora o facto de o reino ficar sem um governo forte, de forma intensa, mas também digna (atentar na expressividade do advérbio de modo «magnificamente», refletindo a grandeza e o respeito que ela tinha pelo esposo. Em segundo lugar, chora «desoladamente» (novo advérbio de modo expressivo) o esposo, ou seja, como mulher, perde o marido, fica viúva, ressaltando neste passo a perda pessoal do companheiro amado, cujos traços físicos («formoso» e psicológicos («alegre») tornam a perda mais impactante e difícil de suportar. Todavia, o que mais a angustia é, no papel de mãe, o facto de o filho de ambos ficar desamparado e à mercê dos inimigos (atentar no valor expressivo do terceiro advérbio de modo – «ansiosamente» –, que remete para um perspetivar angustiado do futuro). Em suma, a rainha sente dor não apenas pela perda pessoal do marido, mas, sobretudo, pela vulnerabilidade em que ficam o filho e o reino.
    Neste parágrafo, conhecemos também mais duas características do rei, uma física («formoso») e outra psicológica («alegre»). Quanto ao príncipe, é enfatizado o facto de ser uma criatura frágil (convém não esquecer que é um bebé de berço) e ficar desamparado com a morte do pai, rodeado de inúmeros inimigos.

    No que diz respeito à linguagem, além da expressividade dos advérbios de modo já abordada, destaca-se a linguagem elevada e solene («magnificamente») usada para descrever o luto e a reação da rainha à morte da esposa, carregados de dignidade, apesar da tremenda tristeza e dor. Essa linguagem, no fundo, adequa-se ao caráter nobre das personagens e do meio em que se inserem.
    A anáfora e o paralelismo [“chorou (…) chorou (…) chorou”] enfatizam a intensidade e a multiplicidade da(s) perda(s) sentida(s) pela rainha: primeiro, como rainha, do rei; depois, como mulher, do esposo; por último, como mãe, do pai do filho. Esta progressão de perdas reflete a profundidade crescente do seu sofrimento. Neste contexto, podemos considerar também a existência de uma enumeração dos diferentes papéis que o rei desempenhava, que enfatiza que a perda sofrida pela rainha não é apenas política (a de um monarca, líder de um reino), mas sobretudo pessoal (a do companheiro afetivo e do pai do seu filho).
    Por sua vez, a aliteração em «f», presente em “forte pela força e forte pelo amor”, sugere a fragilidade do príncipe, que, com a morte do pai, não tinha quem o protegesse e defendesse dos perigos e inimigos que espreitavam. Por outro lado, a repetição do adjetivo «forte» reforça a ideia de grandeza do reino, nascida não só da força, mas também do amor.
    Em “o braço que o defendesse”, podemos vislumbrar uma metáfora / sinédoque que sugere a ausência de alguém que protegesse e defendesse o príncipe. Por último, o quantificador «tantos» enfatiza, sem quantificar, a grandeza da ameaça enfrentada pelo bebé, os perigos que o espreitavam. Além disso, nota-se aqui um claro contraste (antítese) entre o elevado número e a força de inimigos e a vulnerabilidade e fragilidade em que vivia.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...