Este conto foi escrito cerca de dez anos depois de «Noite de Almirante» e «A Cartomante», daí que a técnica deescrita seja diferente. O discurso de Machado de Assis ganha maior perfeição.
Este conto tem características específicas que resultam da quase inexistência de ação; relata apenas as impressões de um momento, sentidas pelo narrador, que é também personagem. Por isso,é homodiegético e autodiegético e tem uma relação mais estreita com a gistória do que nos contos anteriores.
Aquilo que o narrador conta passou-se em 1861-62, numa noite de Natal, quando ele tinha 17 anos. Não nos é dado o tempo que medeia entre o facto acontecido e a sua narração. Mas em 1861, o «eu» personagem era um estudante vindo da província para continuar os seus estudos na grande cidade. Era ingénuo e sem qualquer experiência de vida. O «eu-narrador», pelo contrário, é mais maduro e experiente. É esta oposição que marca o conto e torna difícil para nós percebermos se estamos a ver as coisas pela visão dapersonagem ou do narrador. Fica-nos a dúvida de saber se esta visão é uma visão ingénua da personagem de 17 anos ou umavisão irónica do narrador. Isto resulta sobretudo da sobreposição de dois tempos ao mesmo narrador. A duplicidade nunca é resolvida e o conto oscila sempre entre a ingenuidade e a ironia. Muitas vezes, o lembrar-se do que se passou é do narrador, mas a forma como se lembra é da personagem de 17 anos.
Linguagem
Machado de Assis é muito influenciado pelo Impressionismo: nunca nos dá os contornos muito claros daquilo que escreve e da linguagem que usa.
O Impressionismo, no seu início, tendia para um certo cientificismo e racionalismo. Depois é que se começou a tornar mais subjetivista.
Assis, ao não dar os contornos nítidos do que narra, é fiel à sensação que tem das coisas. O próprio tempo surge-nos como impressão e, por isso, os factos e as personagens não nos aparecem muito nítidos, tal como a impressão não é clara.
O Impressionismo tinha um objetivo realista e hoje estamos muito longe do que era esse Impressionismo nas suas origens, quando era uma técnica usada na literatura, pintura e escultura.
Alguns aspetos que resultam desse Impressionismo são:
- relação texto-tempo-narrador;
- o foco / núcleo não está no objeto, mas na forma como o objeto é recebido (ex.: descrição de Conceição é feita a partir da forma como foi apreciada naquela noite);
- relação objeto-sujeito;
- caracterização do narrador.
Estes são os elementos que concorrem para o Impressionismo no discurso de Machado de Assis.
Tempo
O tempo é uma categoria muito importante. Temos vários tipos de tempo:
- tempo histórico: muito curto (cerca de 30 minutos);
- tempo narrativo: ocupado pelo diálogo entre Conceição e o eu-personagem, que é o núcleo do conto. É muito alongado, porque é movido pela dimensão psicológica, pelo ritmo da vida interior das personagens.
O final do conto é rápido e frio. O contraste é importante, porque corresponde ao objetivo do narrador: alongar a cena que, para ele, é mais importante e referir o resto apenas de passagem. O diálogo é também muito importante e leva-nos a tirar algumas conclusões sobre Conceição, que desaparecem no dia seguinte.
Personagens
=> Nogueira: veio do interior para o Rio de Janeiro; é um provinciano ingénuo, o que podemos deduzir do seu comportamento e discurso. Era ainda muito jovem, pois ainda lia Dumas, e romântico, pois gostava de romances como Moreninha.
A atitude para com Conceição é de respeito, mas o que principalmente o caracteriza é a sua forte sugestibilidade, ou seja, tem uma personalidade facilmente impressionável.
Há uma constante dualidade entre o narrador e o eu-personagem e esta manifesta-se quando se levantam hipóteses em relação a Conceição. É difícil saber se são do narrador ou do eu-personagem. Estas hipóteses são geralmente seguidas de refutação.
A ligação entre as atitudes de Conceição e o estado de Nogueira é fundamental no conto. Ele vai passar por uma evolução gradativa em relação a Conceição:
- "Sendo magra, tinha um ar de visão romântica...";
- "Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular.";
- "... naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande.";
- "E não saía daquela posição que me enchia de gosto...";
- "... em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.";
- "Concordei... para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos".
As atitudes de Conceição surgem como elemento que vai causar a modificação psicológica de Nogueira. Mas a personalidade desta figura acaba por se apagar perante Conceição.
=> Conceição: há um contraste entre uma situação e um comportamento inicial de Conceição e o seu comportamento naquela noite. Sofre uma total reviravolta.
O seu aparecimento passa por algumas fases: rumor, passos e aparecimento. Dela são focados os comportamentos e atitudes que surpreendem, pelo hábito que Conceição tinha imposto. São também focados os elementos que intensificam a impressão que Nogueira tinha dela.
O discurso dileto livre é um processo realista que Machado de Assis explorou ao máximo.
No ambiente criado por ambos, o Impressionismo é fundamental. Só nos são dadas as impressões e daí da ideia de vazio que fica do diálogo de ambos. Ao momento de exaltação, segue-se um ambiente calmo, de "sono magnético", que é significativo.
O que se passa na manhã seguinte mostra que o comportamento dele fora condicionado pelas atitudes dela. O final é contrastante, quer pelo tempo que ocupa, quer pela situação. O tempo psicológico que alongou a narrativa é encurtado no final.
O próprio narrador não consegue explicar o que se passou naquela noite. São narrados de modo minucioso o diálogo e as impressões, mas as causas e as consequências nunca são explícitas.
Em relação a Conceição, mostra-se que a sua passividade é diferente de incapacidade. Durante uma escassa meia hora, ela revelou a capacidade de sedução que uma mulher tem quando quer. Há, nesta personagem, o contraste entre um íntimo sedutor e insinuante e um exterior passivo.
O conto pode resumir-se a isto: instante de intimidade entre duas pessoas, onde o comportamento novo de uma tem reflexos na atitude da outra.
=> Conclusões:
1. Ironia e desconcerto: processos muito usados por Machado de Assis.
2. Possibilidade de mutabilidade da pessoa humana (ex.: Genoveva).
3. Sobreposição de personalidades.
4. Insegurança moral e angústia que dela resultam (ex.: Cartomante, Camilo).
5. Falsa sensação de perenidade em relação ao amor: o amor é tratado não na fase da
paixão, nem na fase calma, mas no meio termo. Para ele, a paixão é muito negativa.
6. Gosto do que resta, da cinza. O próprio Impressionismo mostra o gosto por tudo o
que fica: o amor passa, ficando apenas a angústia de quem foi magoado.
7. Redução de valores: não há o jogo ou a exceção, mas aquilo que existe de facto. O
diálogo, algo tão banal no conto "Missa do Galo", é bem aproveitado e nele se
chega a encontrar uma certa singularidade. É a procura da valorização do que é
mínimo, que caracteriza Machado de Assis e o seu microrrealismo, que é precisa-
mente o gosto pelo mínimo, pelo que está escondido. É a busca de essências no
comum. Machado de Assis tirou o maior partido estético deste processo. O tempo psi-
cológico, tão importante no conto, resulta precisamente da associação tempo-micro-
realismo.
8. Maleabilidade do tempo (tempo psicológico). As próprias reflexões sobre o tempo são
o leit-motiv da sua obra; o tratamento do tempo influi de forma decisiva na estrutura
dos seus contos.