(c) A Vida Screta das Línguas
domingo, 18 de agosto de 2024
Breve História da Escrita
Análise do poema "Meu ser evaporei na lida insana", de Bocage
Este
soneto e o texto “Já Bocage não sou” têm um denominador comum: o contrito
arrependimento perante a vida passada. A uma existência intensa e desregradamente
vivida, sucede uma fase de resignação e esperança cristãs. No balanço da
existência, o homem contrito, escravo dos vícios e das paixões que o arrebatam,
mostra consciência do pecado e abertura ao transcendente. Esta composição é,
precisamente, uma das várias onde o sujeito poético expõe um profundo
sentimento de religiosidade e contrição.
n
Tema: o arrependimento do passado por parte do sujeito poético.
n
Estrutura interna
Nos primeiros 6
versos, o sujeito poético descreve a ilusão da vida passada, utilizando para
tal o pretérito perfeito e imperfeito. Através de repetidas
frases exclamativas (vv. 3 e 6), expressa o seu arrependimento, visto
que, durante quase uma vida inteira, acreditou na sedutora demanda do prazer,
dissipando a existência em sucessivas e ruidosas paixões, que apenas lhe
trouxeram uma felicidade ilusória (vv. 5-6), representada na metáfora “inúmeros
sóis”. As ilusões foram sóis que ofuscaram a natureza instintiva do homem que
se deixou aprisionar pelos prazeres.
Alterando a cadência
anterior, a acentuação sáfica introduzida no final da segunda quadra sublinha o
contraste passado/presente. Continuando a evocação do passado, o sujeito
poético retira uma conclusão vital sobre a sua existência: a busca do prazer
foi uma perdição, que conduziu a sua vida para o abismo e para o amargo sentimento
do desengano. A felicidade verdadeira não estava na miragem enganadora em que
acreditava.
▲ 2.ª
parte (vv. 12-14) – Presente (tempo da razão): súplica a Deus – acto de contrição
e arrependimento do sujeito poético:
Já no presente
(conjuntivo optativo: ganhe, saiba) e até com projecção para o futuro
(roube), com a iminência da morte, eufemisticamente referida (v.
12), o sujeito poético formula uma sentida prece. De facto, no segundo terceto,
, na reforçada invocação a Deus, expressa um manifesto e lapidar desejo
de arrependimento: “Saiba morrer o que viver não soube” (v. 14). De notar ainda
o paralelismo antitético dos dois últimos versos, expressos pelas formas
verbais (ganhar/perder e morrer/viver), a salientar o
contraste entre o passado de dissipação e o presente de arrependimento. Mas
esta afirmação contrita do arrependimento perante as faltas passadas é
formulada com uma indesmentível teatralidade, a demonstrar a vocação
dramatúrgica de Bocage.
Esta divisão do texto
remete para dois estados de espírito do sujeito poético: um, referente ao
passado e constituído por sentimentos como o entusiasmo, a paixão, o orgulho; o
outro, o presente, caracterizado pela decepção, tristeza, arrependimento e
esperança de encontrar a paz na morte.
n
Recursos poético-estilísticos
1.
Nível fónico
O poema é constituído
por duas quadras e dois tercetos, num total de 14 versos (soneto) decassílabos
heróicos e sáficos (vv. 13-14). Os versos sáficos, além de um ritmo
ternário, são normalmente mais melancólicos. O ritmo ternário põe em
destaque três elementos importantes: momento/perderam/anos, morrer/viver/soube.
A rima obedece
ao esquema ABBBA/ABBA/CDC/DCD, sendo portanto interpolada e emparelhada nas
quadras e cruzada nos tercetos. Toda a rima é consoante (“insana”/”humana”),
grave ou feminina (“arrastava”/”sonhava”), rica (“insana”/”humana”) e pobre (“arrastava”/”sonhava”).
O ritmo é
predominantemente binário e sugere a correria louca do sujeito poético em busca
das paixões. As aliterações dos fonemas /s/ e /p/ sugerem, a primeira,
dissipação e, a segunda, o movimento agitado das paixões. A repetição das vogais
abertas /á, é/ sugere a sedução que as paixões exerciam sobre ele. Por
último, nota para o transporte existente nos versos 1-2, 3-4, 5-6 e 7-8.
2.
Nível morfossintático
As
formas verbais, na 1.ª parte, distribuem-se pelo pretérito perfeito,
que exprime o que o sujeito poético fez, e pelo pretérito imperfeito,
que subentende uma reflexão, marca o contraponto entre o que é o sujeito
actualmente e o que já foi. Estas formas verbais ligadas ao passado são
acompanhadas pela primeira pessoa porque estão directamente ligadas aos passos
que ele deu. A forma evaporei pressupõe a proximidade da morte, pois o
que já se evaporou já desapareceu; a forma acreditava sugere afastamento
da realidade. Na 2.ª parte, predomina o presente do conjuntivo em
tom de imperativo marcando uma ideia de futuridade, sugerindo a
formulação de um desejo, como se o sujeito poético quisesse dar uma lição
àqueles que levam uma vida como a dele. Estas formas verbais de presente/futuro
aparecem na terceira pessoa porque exprimem o arrependimento no momento da
reflexão; o sujeito poético evita referir a primeira pessoa por causa do seu
desalento; é uma espécie de aniquilamento do EU para que obtenha a salvação.
Os
nomes (tropel, ruído, prazeres, sócios) e os adjectivos (insana,
cego, mísero, falaz, escrava, sedenta) apontam para um certo desgaste do
sujeito poético, derivado da sua vida de conflitos.
As
interjeições sugerem decepção, enquanto os pronomes pessoais e possessivos
exprimem o tom confessional do poema.
3.
Nível semântico
As exclamações
traduzem a decepção e o desengano do sujeito poético. A apóstrofe do
verso 9 identifica a causa dos seus males: os prazeres, enquanto a do verso 12
exprime o desejo/lição que pretende formular: um desejo de arrependimento e de
morrer com dignidade.
Por outro lado, o
poema assenta em duas antíteses. A primeira assenta no contraste
luz/sombra, sendo que a luz simboliza a vida, neste caso vivida ao sabor das
paixões, enquanto a sombra está ligada à morte, pois, no fim da vida,
reflectindo sobre a mesma, dá-se conta de que essa luz que o seduziu era falsa.
Daí o desejo da morte. A segunda antítese decorre desta primeira: vida/morte, e
atinge a máxima intensidade no verso 14: “Saiba morrer o que viver não soube.”,
onde claramente afirma o desejo de morrer com dignidade, já que em vida,
moralmente, se enganou e desviou do caminho recto.
A repetição “Ah!,
cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava” (v. 3) enfatiza o estado de alma do
sujeito poético, a falsidade e o engano em que vivia, enquanto a metáfora
“inúmeros sóis” (v. 5) representa a felicidade ilusória que as paixões lhe
trouxeram, ou seja, as ilusões foram sóis que ofuscaram a natureza instintiva
do homem que se deixou aprisionar pelos prazeres. A iminência da morte é eufemisticamente
referida no verso 12: “Quando a morte à luz me roube...”.
n
Características
n
Conclusão
Estamos
perante um soneto egocêntrico, centrado em torno do poeta, onde se verifica uma
dicotomia entre passado e presente, que permite evidenciar a temática do
arrependimento, perante o tropel de paixões e o seu orgulho, que parecem ser os
seus maiores pecados e dos quais o poeta pretende redimir-se à beira da morte,
ao desejar uma boa morte. Daí falar-se em tom de contrição e arrependimento. As
suas faltas foram cometidas insanamente, chegando ao ponto de querer
divinizar-se, ao querer ser imortal.
Análise do poema "Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga”, de Bocage
n Assunto: evocação
da noite e de uma paisagem horrenda, consolo do sujeito poético.
n
Tema: a obsessão da morte.
n
Estrutura interna
O primeiro verso assume grande importância
dentro da mensagem, pois revela a presença de uma entidade abstracta (“Noite”)
que adquire uma força concreta e humana, tendo papel de destaque dentro das
relações do sujeito (“amiga”) – note-se a personificação – e fazendo a
maiúscula inicial adivinhar o seu protagonismo. Conduz a uma identificação da
noite com a morte – note-se a metáfora – o que deixa antever uma
situação de sofrimento e desespero por parte do sujeito poético, pela invocação
de duas entidades ligadas à escuridão, à solidão, à fuga; sugere o estado de pessimismo,
dramatismo em que o EU se encontra. No desenrolar do poema, conclui-se
ser a noite o momento mais ansiado pelo sujeito lírico, em quem deposita a
esperança de encontrar algum consolo, alguma compreensão – daí o lamento
através da interjeição Oh, que imprime um tom de tristeza, de
lamento, de desabafo ao poema, encontrando-se reiterada no verso 9.
O sujeito, num apelo
que dirige à Noite, sua confidente e amiga, pede-lhe protecção, conforto e
amparo para suportar o seu sofrimento (“Dá-lhes [aos desgostos] pio agasalho no
teu manto”) na sua companhia, pois a noite, pelo sossego e possibilidade de
fuga que permite, é ideal para conviver com alguém que não quer espalhar a sua
dor, mas que quer a paz e a tranquilidade necessárias à introspecção, à
reflexão, ao desabafo (com ninguém).
Esta
relação positiva entre o sujeito poético e a Noite deve-se ao estado de espírito
daquele: desiludido e desesperado. Neste estado, só a Noite constitui o
ambiente que se coaduna com a sua sensibilidade. Porém, a nível humano, o
grande responsável pelo estado de espírito do sujeito lírico é a mulher, que
não lhe corresponde amorosamente.
A Noite assume papel de grande destaque, o
que até a própria maiúscula inicial faz supor. Trata-se da confidente e amiga
do sujeito poético [“Noite amiga”, v. 1; “(...) testemunha do meu pranto”, v.
3; “De meus desgostos secretária antiga”, v. 4; “(...) manda Amor, que a ti
somente os diga”, v. 5], em cuja companhia ele deseja estar (“Por cuja
escuridão suspiro há tanto!”, v. 2). A Noite, por ser a ausência de luz,
representa o medo, o abandono, a solidão; por ser o período oposto ao dia,
simboliza o descanso, o sossego, é o momento dedicado aos sonhos, pesadelos, à
reflexão, à introspecção; sendo ainda sinónimo de trevas, corresponde à
ausência de conhecimento, à ignorância; conotando-a com os sentimentos, vêmo-la
relacionada com sofrimento, dor, angústia, mágoa, bem diferente do entusiasmo,
alegria, conforto, prazer que o dia proporciona.
Assim, conclui-se que
o facto de o sujeito poético ansiar por tal momento se deve à sua vontade de
estar só, isolado e afastado daquela que perturba o seu estado de espírito [“(...)
a cruel que a delirar me obriga”, v. 8], à necessidade de encontrar a
tranquilidade e a acalmia próprias da Noite, propícias à introspecção, à
intenção de pretender reflectir e analisar os seus sentimentos [“(...) meu
pranto”, v. 3; “(...) meus desgostos”, v. 4] e de desejar conviver com
elementos nocturnos (“Fantasmas vagos, mochos piadores”, v. 10) que, pelo seu
aspecto assustador e sombrio, não convivem com elementos diurnos, o que os
torna bons receptores para quem não deseja ver os seus sentimentos divulgados
(v. 3).
n
Estado de espírito do sujeito poético
O sujeito poético
mostra-se abalado, angustiado, desesperado, procurando a companhia de
realidades (“Noite”, fantasmas”, “mochos”) que, tal como ele, vivem ou correspondem
à penumbra, às trevas; que, tal como ele, se refugiam no seu próprio ser, sem
procurarem/desejarem convívio, relação com outros seres. O sujeito poético
procura encontrar maior conforto nestes do que na realidade do dia, da luz, da
vida, que para si é como um pesadelo (“Inimigos como eu da claridade!”, v. 11)
devido a ressentimentos com base no amor que sente/sentiu por uma mulher que o
faz sofrer, sem que sequer sinta culpa [“(...) enquanto / Dorme a cruel que a
delirar me obriga”, v. 8]. A sua angústia ocorre em simultâneo com a
tranquilidade, despreocupação da amada (“delirar” vs. “dorme”). Note-se a
ambiguidade existente no verbo dormir que é sinónimo de sossego
para um e desassossego para outro, surgindo reforçado pela expressão “me
obriga” – não é voluntário, não é pacífico, não é indolor. Note-se, ainda, que
a forma verbal dorme pode referir-se também à própria morte ou ausência
da amada.
Por outro lado, dos
últimos dois versos do poema ressalta um certo narcisismo e masoquismo do
sujeito poético, que manifesta o desejo de se encontrar no meio de fantasmas e
mochos apesar de ter consciência do carácter horrível e mórbido que lhes é
inerente: “Quero a vossa medonha sociedade” (v. 13). Na base deste masoquismo
está o desejo de se flagelar, talvez numa tentativa de exteriorizar a sua
revolta, a sua angústia ou até de acabar com o seu sofrimento (“Quero fartar
meu coração de horrores”, v. 14). O sujeito poético deseja castigar o seu
coração, provavelmente por se ter deixado envolver numa relação que o desiludiu
e arruinou psicologicamente ou que abruptamente foi quebrada.
De referir, por
último, que este estado de espírito do sujeito lírico tem raízes no passado.
Ele anseia há muito por se encontrar na companhia das trevas, tal como explicita
no verso 2: “Por cuja escuridão suspiro há tanto!”,
pois vive um estado de dor, de sofrimento há já algum tempo, como se deduz
pelos versos 4 e 7: “De meus desgostos secretária antiga!”,
“Ouve-os, como costumas, ouve...”.
n Visão da Natureza
– “locus horrendus” ® presença da noite como
retrato da morte e associada a um cenário de horror: escuridão, fantasmas,
mochos piadores, cortesãos da escuridade, horrores.
n
Características
n
Recursos poético-estilísticos
1.
Nível fónico
Trata-se de um poema
composto por duas quadras e dois tercetos, que se denomina soneto. Os
versos são isométricos, sendo todos decassílabos heróicos, excepto os
versos 4, 8 e 14, que são sáficos. O esquema rimático é o
seguinte: ABBA/ABBA/CDC/DCD, havendo rima interpolada e emparelhada nas quadras
e cruzada nos tercetos; consoante (“amiga”/”antiga”), grave (“tanto”/”pranto”),
pobre (“amiga”/”antiga”) e rica (“tanto”/”pranto”). Por outro lado, as palavras
que rimam partilham o seu sentido ou por semelhança ou por oposição. A rima não
é apenas uma questão de ouvido, gera sentidos. Assim, a rima entre “amiga” e “antiga”
serve para salientar a relação existente entre o sujeito poético e a Noite: uma
relação prolongada no tempo. A rima entre “tanto” e “pranto” serve igualmente
para realçar o prolongado sofrimento do sujeito.
Várias são as aliterações:
do fonema /m/ (em todo o poema) a sugerir tristeza e angústia, do fonema /t/,
do fonema /s/ (“... de meus desgostos secretária...”). Outro elemento
importante é a alternância entre vogais abertas e vogais fechadas (ó,
á, e, ô, an, ão) que pode sugerir, por um lado, a vontade de conviver com a
Noite e, por outro, o desespero.
O ritmo do
soneto é dominantemente binário, quer porque alguns versos estão partidos em
dois hemistíquios, quer porque há dois acentos dominantes na maior parte dos versos
(decassílabos heróicos). O predomínio do ritmo binário está de acordo com a
presença de duas “personagens”: o sujeito poético e a Noite. É mais lento nas
quadras e mais rápido nos tercetos, de acordo com a intensidade dos apelos,
menos forte nas primeiras e mais fortes nos segundos.
Por último, realce
para o transporte existente nos versos 7 e 8.
2.
Nível morfossintáctico
Existe
no poema grande quantidade de vocabulário de teor negativo: morte,
Noite, escuridão, pranto, desgostos, cruel, delirar, escuridade, fantasmas,
mochos, piadores, inimigos, clamores, medonha, horrores. Estes vocábulos,
de que fazem parte muitos nomes abstractos, referem-se e reflectem o
estado de espírito do sujeito poético, na medida em que, estando este numa
situação de sofrimento e solidão, recorre a conceitos de cariz negativo que se
aproximam da forma como se sente.
Dentre
os adjectivos, destacam-se amiga (caracterizando a Noite como a
única que pode compreender e consolar os desgostos do sujeito) e cruel,
que se refere à mulher amada, apontando-a como a causadora do estado
sentimental do sujeito poético, porque não lhe corresponde amorosamente, e
servindo de contraste entre a sua tranquilidade a dormir e o seu desespero.
Das funções da
linguagem, predominam a poética (selecção de vocabulário; conotação
de certos vocábulos – secretária, agasalho, manto, cortesãos da escuridade;
originalidade de algumas palavras – escuridade; recursos estilísticos;
rima; métrica; sonoridade de alguns sons), a expressiva (o estado
emocional do sujeito poético expresso através duma linguagem subjectiva e dum
discurso de 1.ª pessoa do singular e de frases de tipo exclamativo) e a apelativa
(o sujeito lírico apela à Noite para que o ampare e aos elementos da Noite,
pedindo-lhes que o deixem fazer parte do seu grupo para com ele exteriorizar a
sua mágoa – estes apelos são feitos através dum discurso apelativo, cujas
formas verbais estão no modo imperativo; o discurso é de 2.ª pessoa, visto que
é direccionado para o destinatário das palavras proferidas).
A nível verbal,
predominam o presente do indicativo e o imperativo. O presente
traduz o estado de espírito (que se arrasta desde “há tanto” e se mantém) e
vontade presentes, assim como as determinações de outrem sobre o sujeito
poético (manda, costumas, dorme, obriga). O imperativo representa o
apelo/pedido desesperado do sujeito no sentido de obter protecção, companhia
junto das realidades nocturnas. O imperativo existe em função do presente do
indicativo, sendo a consequência e a causa, respectivamente; o primeiro
pretende atenuar a dor do segundo, ou seja, o facto de o sujeito se encontrar
deprimido e desesperado faz com que se refugie na noite, para minimizar ou,
pelo menos, não fazer avolumar a sua angústia.
Os pronomes
pessoais de primeira pessoa traduzem o egotismo romântico e os de segunda
referem o destinatário do pretenso diálogo encetado pelo sujeito poético.
A interjeição oh,
repetida três vezes, expressa a dor e o desespero do sujeito que o levam a
apelar à Morte e à Noite.
Sendo um soneto
formalmente clássico, não é de estranhar a presença do hipérbato: “De
meus desgostos secretária antiga!”.
Nos versos 13 e 14
temos a repetição anafórica da forma verbal Quero, que determina
a real intenção do sujeito poético que, num discurso eu/vós, apela para
que o deixem tornar-se um elemento da noite, reforçando-se, assim, o seu
carácter de fraqueza e falta de persistência ao deixar-se vencer pelos
desgostos sofridos. Deste modo, o lado sentimental e emocional do sujeito –
desilusão, mágoa, desgosto, dor, sofrimento, angústia, derrota – influencia o
seu lado racional, conferindo-lhe o pessimismo e dramatismo evidenciados, ou
seja, o coração sobrepõe-se à razão.
3.
Nível semântico
As exclamações
traduzem o estado de alma do sujeito poético, carregado de dor, ansiedade,
desespero, consideração/estima e respeito (v. 4) pela Noite, bem como o apelo
que dirige aos seus elementos (vv. 9-11). As exclamações são reforçadas pelo
uso das interjeições, que conferem um misto de apelo e lamento às
palavras do sujeito poético; das personificações e das apóstrofes
da Morte e a Noite, as destinatárias do discurso do sujeito, a quem este se
dirige e por cuja companhia e compreensão “suspira há tanto”, afinal a solução
para os seus males de amor. Ambas as figuras de estilo são retomadas no verso 9
com idêntico significado. Ao bom estilo clássico, encontramos no verso 5 a personificação
do Amor e, nos tercetos, a dos fantasmas e dos mochos, que se tornam também
destinatários do sujeito poético.
Logo no primeiro verso
do poema encontramos a metáfora da Noite como retrato da Morte. Outras
metáforas encontram-se nos versos 3 (“Calada testemunha de meu pranto...”), 4 (“De
meus desgostos secretária antiga!”), 6 (“... pio agasalho no teu manto...”).
A comparação do
verso 11 (“... como eu...”) aponta os mochos como inimigos da luz, assim como o
sujeito poético no estado em que se encontra.
Na última estrofe,
sobretudo no último verso (“Quero fartar meu coração de horrores”), encontramos
a hipérbole, a traduzir o desejo masoquista do sujeito a fim de aplacar
o seu desespero, desejando uma Natureza que reflicta e sirva de enquadramento
ao seu estado de alma. A estes recursos se acrescenta a enumeração dos
versos 9 e 10 (“... cortesãos da escuridade / Fantasmas vagos, mochos
piadores...”). Por último, realce para a gradação na expressão do estado
de espírito do sujeito poético.
n
O Amor em Bocage
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