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"Natividade", de Caravaggio
quinta-feira, 9 de dezembro de 2021
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021
terça-feira, 7 de dezembro de 2021
segunda-feira, 6 de dezembro de 2021
Análise de "Que escada de Jacob?", de Ana Luísa Amaral
O título do poema de Ana
Luísa Amaral relaciona-se com a escada mencionada no livro do Génesis e
que constitui o meio de que os anjos se servem para subir e descer do céu. De
acordo com o texto bíblico, foi criada por Jacob nos seus sonhos, depois de se
ter confrontado com o seu irmão Esaú.
Relacionando o conteúdo do texto do Génesis
com este poema, podemos afirmar que a escada sonhada por Jacob representaria a
possibilidade de contactarmos com os anjos e os entes mortos queridos, sempre
presentes na nossa memória saudosa, uma espécie de ponte entre a vida e a
morte.
Ora, tendo em conta a dedicatória
que abre a composição, a ideia da morte e da ausência (neste caso, do pai do
«eu») estão presentes no texto desde o seu início. Note-se, por outro lado, que
a dedicatória está datada: 23 de dezembro de 2002, a antevéspera de Natal, a
efeméride que celebra o nacimento de Cristo, cuja morte, por outro lado, está
na base da fundação da religião católica, cujo princípio essencial será,
provavelmente, o amor e a fraternidade.
O verso inicial do poema alude à
noite em que o ser humano pisou a Lua pela primeira vez, o culminar da corrida
espacial que Estados Unidos e União Soviética travaram durante anos, que teve o
seu marco inicial em 1957, com o lançamento do Sputnik 1. Outra data marcante é
o dia 12 de abril de 1961, quando o cosmonauta russo Yuri Gagarin se tornou o
primeiro homem a ir para o espaço.
Voltando ao poema, o verso 2 remete
para outra realidade: a televisão ainda a preto e branco (portanto, nos
primórdios do seu surgimento), através da qual o «eu» e o seu pai assistiram a
esse momento extraordinário da história humana. Segue-se-lhe uma referência aos
escafandros (elemento que ressurge no texto), que estabelecem uma analogia
entre o vestuário dos astronautas que pisam a Lua e a roupa dos mergulhadores.
Qual o sentido desta analogia? O Homem, quando mergulha nas profundezas do mar,
necessita de fatos especiais para poder sobreviver debaixo de água; o mesmo
acontece quando abandona a atmosfera terrestre e voa para o espaço.
Na primeira estrofe ainda, o «eu»
refere os vários momentos e aspetos que caracterizaram a imagem que os espectadores
tiveram da chegada à Lua: a escada que desce do veículo que transportou os
astronautas até à superfície, o pó que foi levantado quando aqueles pisaram o
solo lunar, a ausência de gravidade. Além disso, o sujeito poético – feminino –
localiza os acontecimentos no tempo (duas horas da manhã) e afirma a presença
do seu pai (“estavas comigo” – v. 7), assistindo ambos ao feito histórico.
A segunda estrofe do poema coloca-nos
num cenário preciso: o lar onde morava com a sua família, associado a e
caracterizado por vários elementos: o lar em sim, a casa, a família, o passado,
nomeadamente o da infância, a sala com televisão a preto e branco, o prato de
sopa comido às quatro horas da manhã. E o «eu» recorda os vários objetos
presentes na sala onde assistiu à chegada à Lua: a mesa ao fundo e o sofá
grande. Ele [ela] tinha 11 anos e tudo ficou gravado na sua memória, que agora
é recordado, à distância de muitos anos, com nostalgia. Apesar da sua tenra
idade, nesse dia sentiu-se «grande», porque o pai assim a fez sentir. O
crescimento do «eu» é, simultaneamente, testemunhado e fomentado pelo seu
progenitor, como se fosse quase um deus que está sempre presente. Note-se que
os dois versos finais desta estrofe associam todo este ambiente à ideia da condição
humana. De facto, o ser humano, ao concretizar tal façanha, tinha-se
libertado da sua prisão na Terra, onde tinha estado confinado até aí.
Observe-se, no entanto, que a questão da condição humana não se esgota nesse
passo, dado que a composição poética foca outras questões, como o nascimento, a
vida e a morte. Mais: a questão do nascimento deixa de ser um acontecimento
meramente fisiológico, de cariz eminentemente feminino e restrito à esfera
privada (atente-se no facto de a poeta ter nascido na década de 50 do século
passado), e é apresentado sob a forma de um símbolo da iniciativa e da
esperança.
A terceira estrofe situa-nos no dia de
verão em que o sujeito poético realizou o seu exame, pelas três horas da tarde,
vivido com angústia, desde logo porque estava consciente da sua «ignorância» em
matéria de ciências: “eu sem saber o grau das equações, que incógnitas havia a
resolver”. Mas lá estava, mais uma vez, o seu pai, sempre presente e próximo
dela (“sentado atrás de mim, na carteira de trás”), também ele nervoso enquanto
progenitor face à «prova» da filha, mas terno e carinhoso como era seu timbre.
Essa presença afetuosa certamente constituía um porto de abrigo e um mar de
tranquilidade e segurança que acalmava o «eu».
Apesar da «ignorância», o sujeito
poético superou o exame (“Passei”), o que deixou, naturalmente, o pai feliz (“E
eu vejo ainda o teu sorriso”). Tinha 15 anos, ou seja, quatro se tinham passado
desde a primeira estrofe, isto é, a chegada do Homem à Lua, em 1969. Esse foi
mais um passo no seu crescimento; “a sentir-me grande”.
A estrofe seguinte abre com a alusão
a outro momento importante da vida do «eu», este marcado pela dor, uma dor
tipicamente feminina (a do parto). Atente-se na expressividade do adjetivo “nova”
a qualificar a “dor”. Ora, se esta é uma “nova” dor, tal significa que houve
outras antes. Quais? A da primeira menstruação e a da iniciação sexual, por
exemplo, todas elas femininas e essencialmente uterinas. Esse dia, em que o «eu»
deu à luz, marcou também o nascimento da poeta e da mãe, o que emociona
profundamente os eu pai (“e tu, a soluçar baixinho, retalhado entre amor/e
alegria”), sempre presente nos momentos importantes da vida da filha. Pelas
segunda e terceira vezes, surgem os escafandros, uma alusão, provavelmente, aos
médicos e/ou enfermeiros, que “utilizam batas como escafandros” e que tentam
sossegar o pai do sujeito poético. A imagem dos escafandros remeterá,
certamente, para as batas do pessoal médico, constituindo um modo de despersonalizar
essas pessoas, já que, envergando, de facto, um escafandro, o indivíduo não
possui traços distintivos ou fisionomia visíveis. Foi, em suma, um dia longo, “tão
longo em que o sol caminhou até ao fim”, mas esse fim do dia marcou, por
contraste, o nascimento de um novo ser.
A penúltima estrofe anuncia a morte
do pai, “Na noite em que a lua te deixou”, marcada pela ausência do «eu», da
filha, algo que a perturba e deixa ressentida: “eu não estava contigo”. O pai,
que parecia omnipresente, porque sempre estivera presente em todos os momentos
importantes da filha, passou a estar ausente, tal como ela está no momento da
morte do pai, marcando-se, assim, um contraste entre presença e ausência. A
mesma Lua que assiste a um nascimento, de uma “outra” condição humana, é
associada agora a uma partida, a uma morte, o que enfatiza um outro lado da
condição humana: a da fragilidade do Homem, da sua finitude e
mortalidade. Segue-se nova menção aos escafandros “cinzentos”, bem como a
referência à “noite dos fantasmas”. Neste passo, os escafandros, à semelhança
do que sucedia antes, anunciarão provavelmente algo novo; o momento da morte do
pai. Esta interpretação da figura do escafandro como o anunciador de algo novo
pode fazer-se também relativamente aos outros passos do poema em que surge: da
primeira vez associa-se à chegada do ser humano à Lua; da segunda, ao
nascimento do(a) filho(a) da poeta.
Por outro lado, com a morte do pai, o
sujeito poético parece ganhar consciência da finitude do ser humano, de que
todos iremos um dia morrer. Nesse momento de partida, ressalta a impotência do
«eu» para o impedir, desde logo porque estava ausente, mas esse momento serviu
igualmente como o despoletar da recordação dos eventos mais importantes vividos
por pai e filha, “como s só depois da morte do pai, diante da solidão, e da
memória, às vésperas do dia de Natal, fosse possível perceber a dimensão daquela
figura no decorrer da sua própria vida. A ausência da figura paterna agora
(ele, que estivera sempre presente na vida dela) une-se à ausência da filha
(que tivera a companhia/presença dele nos eventos mais importantes da sua
existência) no momento da sua morte.
O dístico com que a composição encerra
é constituído por duas interrogações: “A que sabia a sopa que comemos? / Que
escada de Jacob?” A primeira interrogação parece sugerir que o pai sabia de
algo que a menina de outrora – aquela que a comera na noite da chegada à Lua –
desconhecia. A segunda questionará a existência da tal escada que liga a Terra
ao Céu, através da qual o «eu» poderia/irá subir um dia e reencontrar o seu
pai?
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