Português

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Texto expositivo-argumentativo (2) - AI

O Simular da Vida de Fernando Pessoa



          Fernando Pessoa finge completamente a dor. O fingimento poético possibilita a construção da arte, pois fingir é inventar, elaborar mentalmente conceitos que resultam dum processo criativo, que é vital para o ser humano.
          O fingimento artístico não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou comunicações, como podemos constatar no poema Autopsicografia.
          Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e racional. Como por exemplo, nos poemas Ela canta pobre ceifeira… ou Gato que brinca na rua, onde a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.
          Esta dialéctica possibilita criar diferentes linguagens e realidades e assim permite-lhe atingir a finalidade da arte.

Texto expositivo-argumentativo (2)

          Comente a opinião, a seguir transcrita, sobre a teoria do fingimento poético em Pessoa ortónimo, referindo-se a poemas relevantes para o tema em análise.

          Escreva um texto de oitenta a cento e vinte palavras.
          "É na poesia ortónima que o Pessoa 'restante', o que não cabe nos heterónimos laboriosamente inventados, se afirma e 'normaliza': é então que ele 'faz' de si e os seus poemas são 'chaves' para compreender o seu extraordinário universo literário."
António Mega Ferreira, Visão do Século

Baltasar

          Baltasar Mateus - uma personagem ficcional - é um ex-soldado recém-chegado da Guerra da Sucessão espanhola (1704 - 1712), natural de Mafra e com 26 anos. Apresenta uma deficiência física - é maneta, em virtude de ter perdido a mão esquerda na guerra, "estralhaçada por uma bala" -, que provocou a sua expulsão do exército, o que significa que, à semelhança do Bailote de Aparição ou do Antigo Soldado de Felizmente há Luar!, representa todos aqueles que são explorados até ao tutano enquanto são saudáveis e que, depois, são desprezados e abandonados quando já não têm utilidade prática. Essa expulsão leva-o a vaguear como pedinte em Évora com o intuito de fazer um gancho que lhe substitua a mão perdida até chegar a Lisboa, onde conhece Blimunda num auto-de-fé. Mais tarde, torna-se açougueiro na capital, porque o gancho que lhe substitui a mão esquerda lhe facilita o trabalho. Mais tarde torna-se um dos operários que trabalham na edificação do convento como servente ou boieiro ou a fazer carretos com os carros de mão.
          Conhece Blimunda e o padre Bartolomeu num auto-de-fé, iniciando aí uma relação que o levará a participar do sonho de voar e a colaborar activamente na construção da passarola. Todos estes factos contribuem para o agigantar da sua imagem ao longo do romance, chegando mesmo a alcançar uma esp´cei de divinização: "(...) Com essa mão e esse gancho podes fazer tudo quanto quiseres, e há coisas que um gancho faz melhor que a mão completa, um gancho não sente dores se tiver de segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se queima, e eu te digo que maneta é Deus, e fez o universo (...)"; "Olhou o desenho e os materiais espalhados pelo chão, a concha ainda informe, sorriu, e, levantando um pouco os braços, disse, Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar." (cap. VI, pág. 68).
          No fundo, Baltasar é apresentado, inicialmente, como um marginal, lutando pela sobrevivência e não hesitando em matar, isto é, uma espécie de herói pícaro[1]:
  • foi soldado na Guerra de Sucessão espanhola, de onde foi expulso por ter ficado mutilado da mão esquerda;
  • sem salário, inicia uma vida aventureira e errante: pede esmola para conseguir ter um gancho de ferro, mata um homem que o quisera roubar e conhece João Elvas, rufia e igualmente antigo soldado.
          Por outro lado, encarna a crítica à inutilidade da guerra, já que se sacrificam homens em nome de interesses que lhes são alheios: "A tropa andava descalça e rota, roubava os lavradores, recusava-se a ir à batalha, e tanto desertava para o inimigo como debandava para as suas terras, metendo-se fora dos caminhos, assaltando para comer, violando mulheres desgarradas (...) por artes de uma guerra em que se haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se um Carlos austríaco ou um Filipe francês, português nenhum..." (pág. 36).
          O envelhecimento físico que vai manifestando ao longo da obra, à medida que os anos passam, não deteriora a sua juventude interior e a relação que mantém com Blimunda, sobretudo porque aos seus olhos Baltasar continua o mesmo: "... tens a barba cheia de brancas, Baltasar, tens a testa carregada de rugas, Baltasar, tens encorreado o pescoço, Baltasar, já te descaem os ombros, Baltasar, nem pareces o mesmo homem, Baltasar, mas isto é certamente defeito dos olhos que usamos, porque aí vem justamente uma mulher, e onde nós víamos um homem velho, vê ela um homem novo..." (p. 326) [2]
          No final da obra, Baltasar paga com a sua própria vida a perseguição do sonho da passarola ao ser queimado num auto-de-fé. Deste modo, é transformado no verdadeiro herói do romance, superando «a imagem do povo oprimido e espezinhado de que faz parte».

[1] A picaresca caracteriza-se por uma série de peripécias e aventuras vividas por uma personagem (o herói pícaro) de baixa condição social, que serve a vários amos, em toda a espécie de expedientes, esfomeado, errante, com um código de honra muito duvidoso que consiste em safar-se da forma mais airosa possível de toda a sorte de dificuldades, principalmente através da sua astúcia e habilidade pouco escrupulosas.

[2] O narrador faz aqui uma distinção entre duas perspectivas: a "nossa", objectiva, externa, que só vê aparências; a de Blimunda, subjectiva, interna, que "vê" mais longe e mais fundo, porque observa com os olhos do amor.

Padre Bartolomeu de Gusmão

          Bartolomeu de Gusmão nasceu em Santos, São Paulo, Brasil, em 1685. Desde cedo interessou-se pelo estudo da Física, tendo concebido uma máquina de elevação de água a cem metros de altura, no Seminário de Belém. Veio para Portugal, pela segunda vez, em 1708, onde cursou Cânones em Coimbra e desenvolveu os seus estudos de Física e Matemática. Em 1709, dirigiu uma petição a D. João V anunciando-lhe que tinha descoberto "um instrumento para se andar pelo ar da mesma sorte que pela terra e pelo mar". O rei concedeu-lhe privilégio para o referido instrumento através de um alvará de 19 de Abril desse ano. Na sequência desta permissão, o padre Bartolomeu de Gusmão desenvolveu diversas experiências com balões de ar aquecido, algumas delas na presença da figura real e da corte. Em 1713, deslocou-se para a Holanda para aprofundar os seus estudos e desenvolver as suas experiências. Regressado a Portugal, acabou por se converter ao judaísmo em 1724 e fugir para Espanha, procurando iludir a perseguição da Inquisição. Aí faleceu, na cidade de Toledo, nesse ano, durante a sua fuga.

          O Padre Bartolomeu de Gusmão é uma personagem parcialmente referencial, como o próprio nome, já que a designação de Lourenço não aparece nos livros de História, assim como não são factos históricos a construção da passarola (da qual só é conhecido um desenho) e a viagem de Lisboa até Mafra. Sendo, de facto, em parte, uma personagem referencial, apresenta, contudo, diversos traços da personagem histórica:
  • a relação com a corte e com as academias: "... e o outro reverendo (...) encarece as atenções com que a corte extensamente distingue o doutor Bartolomeu de Gusmão." (p. 175);
  • a construção da passarola: "Se o padre Bartolomeu de Gusmão, ou só Lourenço chegar a voar um dia." (p. 166);
  • o doutoramento em Cânones: "Já o padre Bartolomeu Lourenço regressou de Coimbra, já é doutor em cânones, confirmado de Gusmão por apelido onomástico e forma escrita." (p. 159);
  • as viagens ao Brasil e à Holanda.
          Ele é, antes de mais, um sonhador: tem o sonho de voar, por isso toda a acção se centra na construção da passarola, projecto concretizado na quinta do duque de Aveiro, em São Sebastião da Pedreira. A concretização desse sonho depende da protecção e da amizade de D. João V, o que não consegue impedir a perseguição do Santo Ofício. Não obstante todas as dificuldades que lhe surgem, acaba por construir a passarola e voar, com a ajuda de Baltasar e Blimunda.
          Bartolomeu de Gusmão tem, no início do romance, 26 anos, a mesma idade de Baltasar.


(em actualização...)

D. Maria Ana Josefa

          D. Maria Ana, de origem austríaca (o narrador refere, no início do romance, que tinha vindo da Áustria há dois anos), tornou-se rainha de Portugal ao casar com D. João V.
          A rainha é apresentada como uma personagem muito religiosa, beata, submissa e medrosa. O enfoque inicial é dado à sua relação matrimonial, que a deixa extremamente insatisfeita, quer amorosa quer sexualmente, desempenhando sempre um papel passivo. O casal real não dorme junto, mantém relações sexuais duas vezes por semana apenas para tentar conceber um herdeiro e não comunica. Essa insatisfação leva-a a ter sonhos eróticos com o cunhado, o infante D. Francisco, facto que lhe acarreta novos problemas, pois vive atormentada pela consciência de estar / viver em pecado, já que considera os sonhos um «acto» vergonhoso e criminoso, um pecado que atenta contra a castidade. Consequentemente, procura superar os remorsos e o sentimento de culpa cumprindo penitência, rezando e peregrinando pelas igrejas, em missas e novenas intermináveis. Como afirma o narrador, D. Maria Ana é somente a «devota parideira que veio ao mundo só para isso».
          Vive num ambiente de repressão, constantemente vigiada pela família à distância, com poucas ocupações e temas de conversas com as aias - ambiente esse de que procura fugir através do sonho - e cheia de saudades de casa.
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