Português

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Quem quer ser professor?

Professora cai em buraco no soalho da sala de aula de escola na Marinha Grande

Após queda violenta, mulher teve de ser assistida no Hospital de Leiria. 

Sintaxe do verbo aquiescer

    O verbo «aquiescer» pode reger-se com as preposições a e em.

    Exemplos:
        1. O professor aquiesceu ao pedido do aluno.
        2. A Miquelina aquiesceu no casamento.

Favas contadas

    A expressão favas contadas refere-se a um acontecimento ou facto dado como certo.

    Favas contadas teve origem na forma como, em muitos mosteiros medievais, eram eleitos os abades.

    De facto, depois de "chamados ao capítulo" (uma espécie de assembleia de religiosos), os monges escolhiam o abade mediante um sistema de votação baseado em favas: as brancas constituíam um voto a favor do nomeado e as pretas contra o nomeado. No final, contavam-se as favas.

    Alguns autores associam a origem deste sistema de eleição à Grécia Antiga.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Análise de "Proençaes soem mui bem trobar"

 
Assunto: o sujeito poético acusa os trovadores provençais de serem artificiais e fingidos, pois trovam apenas na primavera, ao contrário dele, que sofre realmente pela sua amada.
 
 
Tema: a coita de amor / a teoria poética [reflexão sobre a escrita de poesia] e sátira aos poetas provençais / a sinceridade versus o fingimento do sentimento amoroso.
 
 
Estrutura interna – Crítica aos trovadores provençais

 
Questão suscitada pelo sujeito poético:
- Crítica aos trovadores provençais:
• apenas trovam na primavera e não no resto do ano
• não sofrem de amor como ele sofre pela sua amada
• nunca morrerão de amor como ele
• o sentimento de que falam os provençais é artificial – fingimento e simulação

Diferença entre o sujeito poético e os trovadores provençais


 
 
Simbolismo das estações do ano
 
            A primavera, momento em que a Natureza renasce, é a estação do ano propícia às relações amorosas, em oposição ao inverno, um tempo em que os sentimentos se encontram mais adormecidos. Deste modo, os trovadores provençais compõem cantigas somente na primavera, o que enfatiza o facto de não sentirem um verdadeiro amor pela mulher amada, antes se tratar de mero artificialismo poético.
 
 
Título
 
            O título da cantiga, ao referir-se aos «provençais», reflete a origem das cantigas de amor: a região da Provença, no sul de França.
 
 
Crítica aos trovadores provençais
 
            Esta cantiga constitui uma denúncia e crítica aos trovadores provençais, acusando-os de serem convencionais e artificias no que toca à expressão do sentimento amoroso.

            De facto, apesar de serem dotados de qualidade artística, de mestria poética, dado que “soem mui bem trovar”, só o fazem na primavera, enquanto o sujeito poético exprime na sua poesia um amor verdadeiro, sincero, pautado pelo sofrimento. Os provençais compõem poemas apenas nessa estação do ano, porque é uma época propícia ao amor. Não o fazem no inverno, pois os seus sentimentos estão adormecidos (“razom / nom am”). Assim sendo, não sentem verdadeiro amor, que estaria presente em todas as estações.

            Esse falso sentimento amoroso é observado com ironia por parte do «eu»: “e dizem eles que é com amor” (verso 2). Assim que a primavera termina, os provençais deixam de ter motivo para trovar, o que confirma que o seu sentimento não é verdadeiro.

            Em suma, os trovadores provençais apenas poetam na primavera e não todo o ano e escrevem que sofrem de amor, mas esse sentimento é artificial: eles não padecem da «coita de amor» e vivem alegres.

 
 
Crítica à artificialidade do amor cortês
 
            O sujeito poético critica a artificialidade do amor cortês ao afirmar que os trovadores provençais não amam como dizem amar nem sofrem realmente a dor amorosa que afirmam sofrer. Tudo isso é exagerado e artificial. Note-se, porém, que o próprio «eu» incorre no mesmo erro/exagero, ao afirmar, na parte final da cantiga, que morrerá de amor, em decorrência de não ser correspondido pela «senhor» que ama.
 
 
Reflexão sobre a criação poética
 
            Podemos considerar que a cantiga constitui uma reflexão sobre o processo de criação poética, apresentando duas formas de compor poesia.       

            Por um lado, a poesia baseia-se no convencionalismo e na imitação servil, na esteira dos trovadores provençais e dos seus cantares de amor.

            Por outro lado, D. Dinis sugere uma poesia sustentada na expressão autêntica da «coita de amor», como se pode constatar nesta composição poética.

 
 
Forma
 

Estrofes: três sextilhas isométricas.

Métrica: versos eneassílabos (9 sílabas) e maioritariamente decassílabos.

Rima:

- esquema rimático. ABBCCA

- interpolada e emparelhada

- consoante (“amor”/”flor”)

- aguda ou masculina

- rica (“non”/”coraçom”) e pobre (“trobar”/”levar”)

Ritmo binário.

Transporte/encavalgamento: vv. 3-4, 4-5, 5-6, etc.

  
 
Recursos expressivos
 
Perífrases:
 

Gradação “da coita de amor”: na primeira cobla, o sujeito poético refere somente a sua «gram coita»; na segunda, afirma que não existe outra igual (“qual eu sei sem par”); na última, assinala o facto de esta coita ser a sua «perdiçom» e que o «á de matar».

Nomes:

- proençaes: é o objeto da crítica presente na cantiga e, simultaneamente, o criador do cantar de amor;

- tempo, frol: estes nomes remetem para a crítica – os provençais trovam apenas na primavera;

- coita: o sofrimento que atormenta o sujeito poético, em contraste com a artificialidade e o fingimento dos provençais:

- perdiçom: a morte de amor, dada a não correspondência amorosa da «senhor».

Vocábulos provençais: prez, sem.

Anáfora do e: explica que os provençais não têm “gram coita no seu coraçom”, é um fingimento, pois só trovam numa dada época do ano.

Paralelismo estrutural e semântico.

Ironia: “dizem eles que é com amor” (vv. 7-9); “sabem loar / sas senhores o mais e o melhor / que eles podem” – os provençais compõem belas cantigas, mas o que escrevem não corresponde aos seus sentimentos, pois tudo é fingimento.

 
 
Classificação
 
            O poema é uma cantiga de amor de mestria, isto é, não possui refrão.

            É curioso que Nuno Júdice (in Cancioneiro de D. Dinis) a inclui na secção das cantigas de escárnio e maldizer por causa do seu tom crítico e satírico.

Análise de "Se eu pudesse desamar"



 Resumo
 
            O sujeito poético exprime o desejo (impossível) de se vingar da “senhor”, pois esta tratou-o mal, pagando-lhe na mesma moeda, isto é, deixando de a amar, procurando o seu mal e fazendo-a sofrer como ele sofre. No entanto, este desejo é impossível de concretizar, desde logo porque a culpa é do seu próprio coração, que o fez desejar quem nunca o desejou. Como não consegue dormir, só lhe resta pedir a Deus que desampare quem sempre o desamparou e lhe dê a ele a capacidade para a perturbar um pouco. Deste modo, conseguiria dormir. Em alternativa, pede-lhe que pelo menos lhe dê coragem para falar com ela.
 
 
Assunto: o desejo de vingança por parte do sujeito poético relativamente à sua «senhor», pelo facto de ela o fazer sofrer muito (“coita de amor”).
 
 
Tema: a revolta contra o poder da “coita de amor” / o amor não correspondido / a amada como ser inacessível.
 
 
Caracterização da «senhor»
 
            A mulher amada mostra-se fria e indiferente em relação ao sujeito poético e ao seu sentimento, não lhe correspondendo amorosamente. Ela é, pois, de acordo com a convenção da cantiga de amor, inacessível ao trovador, pois não lhe corresponde amorosamente e nunca o será. E ele tem consciência disso.
 
 
Caracterização do sujeito poético
 
            O retrato do sujeito poético pode sintetizar em meia dúzia de traços:

▪ está apaixonado;

▪ sente-se enganado (v. 9);

▪ não dorme (v. 12);

▪ está desamparado e perturbado (vv. 16, 18);

▪ sofre (v. 26)

▪ deseja vingar-se da «senhor».

            De facto, o «eu» está enamorado, mas sofre imenso e mostra-se muito indignado e revoltado porque a mulher que ama não corresponde ao seu amor.

            Além de não lhe corresponder e de lhe causar dor, a «senhor» parece ter desejado fazê-lo sofrer, como o indicia o verso 4: “a quem me sempre mal buscou!”. Por outro lado, ela espicaçou nele, de forma maldosa, o amor e a paixão, como se pode comprovar pelos versos 24 e 25: “por que me fez em si cuidar, / pois ela nunca em mim cuidou”.

            Tudo isto o leva a manifestar o desejo de se vingar dela pelo sofrimento e pela dor que lhe causou, fazendo-a sofrer como ele tem sofrido. No entanto, como é impossível retribuir-lhe o mal que ela lhe causou, a sua mágoa é reforçada, ou seja, porque ele não antevê qualquer alívio futuro. Esta ideia é bem traduzida pelo refrão, que ora aponta a causa do sofrimento do «eu» (estrofes 2 e 4), ora indicia a condição impossível para o alívio do sofrimento (coblas 1 e 3): o «eu» não pode vingar-se nem dormir, isto é, encontrar a paz, pois não pode fazer sofrer a amada. Assim, como não lhe é possível libertar-se da dor, resta-lhe lamentar-se e continuar a sofrer.

            O tom do seu queixume é de lamento e algo colérico, visto que, como já foi mencionado, ele sofre por amor e está revoltado com a situação em que se encontra e com a «senhor», a responsável pelo seu estado de alma.

            Em suma, o «eu» vive um conflito interior, visto que, por um lado, deseja vingar-se da mulher, “devolvendo-lhe” todo o sofrimento que ela lhe causa, contudo, por outro lado, tem consciência de que não lhe é possível evitar o amor que o prende à dama.

 
 
Fuga às convenções da cantiga de amor
 
            De acordo com o cânone da cantiga de amor, o trovador, quando não é correspondido pela «senhor», é submisso e mantém-se leal ao amor e ao serviço amoroso. Nas palavras de António José Saraiva (in O Crepúsculo da Idade Média em Portugal), “O amor era concebido à maneira cavaleiresca, como um «serviço». Consistia esse serviço em dedicar-lhe [à amada] os pensamentos, os versos e os atos. O serviço está para a «senhor» como o vassalo está para o suserano.

            Mas o que é próprio das cantigas de amor e do seu modelo provençal é a distância a que o amante se coloca em relação à sua amada, a quem chama senhor, tornando-a um objeto quase inacessível.”

            Por outro lado, as regras do amor cortês não lhe permitem dirigir-se diretamente à mulher, daí usar o verbo «ousar» (v. 22) e no pretérito imperfeito do conjuntivo, sugerindo uma situação improvável. De facto, falar com ela constituiria um atrevimento e uma quebra do código amoroso e do serviço de vassalagem que tem de lhe prestar.

            No entanto, esta cantiga contraria a convenção, visto que o «eu» poético não serve dedicadamente a mulher amada e não aceita o sofrimento amoroso e a dor causados pela não correspondência amorosa da dama, não se resignando a sofrer. Mais do que isso, ele revolta-se contra ela e expressa mesmo o desejo de se vingar, fazendo-lhe mal e trazendo-lhe igualmente sofrimento. A revolta contra o poder da «coita de amor» é uma fuga ao código da «fin’amors», pois o trovador jamais poderia desanimar ou colocar o seu sofrimento acima do seu serviço. O amor, ainda que não correspondido, devia ser fonte de depuração. Além disso, desmistifica a ideia da mulher idealizada: ela é cruel, dá esperanças ao pobre trovador e depois desdenha dele, ignora-o.

 
 
Forma
 
Estrofes: quatro sétimas.

Rima:

- esquema rimático: ABABRAR

- cruzada e interpolada

- consoante e toante

- pobre e rica

- aguda

Métrica: versos octossílabos.

Transporte.

Ritmo lento e arrastado.

Refrão:

. estabelece o confronto entre o desejo e a realidade;

. o sujeito formula o desejo de que a “senhor” que ama e que não lhe retribui o amor sofra tanto como ele tem sofrido por ela;

. atesta a oscilação do sujeito poético entre os dois domínios: o do possível e o do impossível, expressa na alternância do primeiro verso do refrão entre as estrofes ímpares e pares:
- impossível: “se eu podesse coita dar”;
- possível: “nom posso coita dar”.
  
 
Recursos estilísticos
 
Assonância em a e e.

Aliteração em s.

Personificação do coração: o sujeito poético responsabiliza-o pelo seu sofrimento

Antítese entre o desejo do trovador e a realidade da cantiga de amor, do código da “fin’amors”. Trata-se de um conflito não resolvido, pois é impossível ao «eu» «punir» a amada, o que o deixa em tensão.

Orações subordinadas condicionais e causais: mostram o esforço do sujeito poético para encontrar a solução acertada para a sua vingança: pensa, avalia, calcula várias possibilidades sem conseguir concluir.

 
 
Classificação
 
Cantiga de amor: esta composição poética é uma cantiga de amor cujo sujeito de enunciação é masculino – o trovador –, que expressa os seus sentimentos pela «senhor», uma dama inacessível geralmente casada.
 
Recursos formais da cantiga de amor:
- Refrão (vide).
- Dobre: repetição da mesma palavra flexionada (isto é, mudando-lhe o tempo verbal ou o género, por exemplo) no mesmo lugar:
. desamar / desamou
. busca / buscou
. podesse / posso
. enganar / enganou
. dar / deu
 
 
Valor documental
 
            Esta cantiga retrata já uma desmistificação do amor cortês em confronto com uma realidade bem diferente, uma realidade onde havia mulheres de carne e osso com defeitos e virtudes.

            Além disso, é também o reflexo da decadência da vida da corte, da nobreza, que começa a perder o seu poder para uma nova classe que começa a surgir – a burguesia.

 

Ricardo Reis: o monarca clássico


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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Análise de "Sedia la fremosa seu sirgo torcendo"

 
Assunto: esta cantiga coloca-nos perante um cenário doméstico, onde nos é apresentada uma donzela que, enquanto tece, sentada, canta cantigas de amigo. Alguém dialoga com ela, relacionando o seu canto com as mágoas de amor que a jovem sentirá, o que é confirmado pela rapariga.
 
 
Tema: a alegria (motivada pelo amor).
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (estrofes 1 e 2) – Apresentação de um quadro doméstico medieval, de feição narrativa: uma donzela «fremosa» tece o seu sirgo e canta cantigas de amigo. Como a voz é «manselinha» e o cantar é «fremoso», pode concluir-se que o seu canto não é feito de lágrimas ou de recordações penosas, mas de uma evocação consoladora. A sua saudade é apenas gosto e não “gosto amargo”.
 
2.ª parte (estrofes 3 e 4) – Diálogo: o canto é interrompido por um alvitre de alguém – quem assim canta está, sem dúvida, apaixonado.
 
3.ª parte (finda) – Conclusão: a donzela responde ao seu interlocutor de forma lacónica, confirmando o alvitre dele.
 
 
Caracterização da donzela

▪ formosa

▪ alegre

▪ apaixonada

▪ exultante, radiante

▪ canta doce e harmoniosamente

▪ disfarça o seu amor

▪ saudosa

▪ ansiosa por voltar a ver o amigo

 

Análise de "Que fizeste das palavras"

             O poema, de Eugénio de Andrade, baseia-se no recurso intenso à interrogação retórica. Assim, o «eu» começa por questionar um «tu»: “Que fizeste das palavras?” Com esta interrogação retórica, ele reflete sobre o seu ofício de poeta, que é alguém que trabalha com as palavras. Ora, estas são constituídas por vogais e consoantes, resultam da fusão desses dois elementos.

            As vogais são «azuis» (sensação visual), cor que simboliza a tranquilidade e a paz (a cor azul relembra, por exemplo, o céu e o mar, que reflete aquele), enquanto as consoantes ardem entre o “fulgor / das laranjas [cor quente] e o sol [símbolo de vida] dos cavalos” (animais que representam a força e a vitalidade). Assim sendo, as palavras possuem um grande potencial e diversidade. Por outro lado, estas metáforas traduzem a relação das palavras com a Natureza.

            No terceiro terceto, o «eu» poético associa, metaforicamente, as palavras a “minúsculas sementes” (vv. 8-9), relacionando-as novamente à Natureza. Através desta metáfora (as palavras são sementes), ele sugere que o poeta e uma espécie de semeador, pois fá-las germinar, ou seja, semeia-as e fá-las nascer e crescer, isto é, o poeta constrói o poema como se se tratasse de um ser vivo. Então, isto significa que o poeta é um criador, dá vida (ao poema, à poesia) e tem de ser muito cuidadoso com o seu ofício.

            Por outro lado, a poesia constitui uma tarefa de grande responsabilidade e as palavras têm grande potencial, pois são sementes, de onde surge uma planta. O ofício de poeta é um labor, um trabalho, uma construção e uma consciência do que se faz, com o objetivo de traduzir inquietações ou emoções do ser humano.
 

Análise de "Quem a tem", de Jorge de Sena

             Este poema, constituído por um dístico e duas sextilhas, foi datado de 9 de dezembro de 1956, quando Jorge de Sena acabara de completar 37 anos, vivia ainda em Lisboa como engenheiro e se preparava, a convite do British Council, para se deslocar para Inglaterra, para um estágio sobre betão armado.

            O título do poema (“Quem a tem”) é constituído por uma frase incompleta com uma referência não concretizada. Tendo em conta que o pronome pessoal «a» se refere à liberdade, essa frase reticente deixa por saber quem é que possui liberdade ou o que faz quem a tem.

            No dístico, o sujeito poético manifesta o desejo de não morrer sem assistir à chegada da liberdade, isto é, de a ver chegar ao seu país. Tendo o poema sido escrito em 1956, facilmente se conclui que a ausência de liberdade referida é a que se vivia em Portugal durante o Estado Novo, o regime salazarista. Por outro lado, este dístico repete-se como os dois versos finais da última estrofe. Esta repetição traduz a convicção do sujeito lírico na crença de que um dia verá a liberdade chegar ao seu país. Essa convicção é tal que ele está determinado a viver o tempo que for necessário para que o desejo/a situação se concretize. Neste contexto, há também a destacar o recurso à metáfora, ao atribuir-se à liberdade uma cor. Esta estrofe inicial indicia um profundo sentimento de esperança na humanidade e no movimento de mudança próprio da História. Os versos inscrevem-se em duas realidades distintas: a realidade da censura que se vivia em Portugal na época de escrita do texto; a presentificação de um futuro assente na certeza de que a liberdade haverá de chegar, mais tarde ou mais cedo.

            No início da segunda estrofe afirma a impossibilidade de, sendo português, não poder ser outra coisa que não português, ainda que possa viver noutros espaços (por exemplo, de exílio), na ânsia de viver em plena liberdade. A pertença a uma pátria específica torna plena a consciência de que, apesar de ser um cidadão do mundo, é e será sempre português. Há aqui, nomeadamente nos versos 3 a 5, a noção de uma pertença dupla ao mundo e a Portugal.

            No verso 7, o sujeito poético questiona-se acerca da verdade da liberdade, isto é, como ela será quando chegar a Portugal? Já o verso 9 (“Trocaram tudo em maldade”) coloca-nos perante outro traço do regime salazarista: a denúncia e a difamação.

            Os versos 11 e 12, pontuados pela metáfora, denunciam a ocultação de informação e da realidade que o Estado Novo cultiva (aparentemente Portugal era um paraíso, um mundo perfeito), bem como a política de manter os portugueses na ignorância e de desencorajar a intervenção pública e as limitações à liberdade de expressão (“mudo”).

            O estado de espírito do sujeito poético é caracterizado pela tristeza e ansiedade, mas temperado pela esperança na chegada da liberdade. O seu tom ao longo do poema é marcado pela melancolia e pela especulação, associado a um certo desânimo e à ansiedade do «eu», mas também à tal esperança que tem na mudança deste estado de coisas.

 
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