Português: Análise de "Proençaes soem mui bem trobar"

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Análise de "Proençaes soem mui bem trobar"

 
Assunto: o sujeito poético acusa os trovadores provençais de serem artificiais e fingidos, pois trovam apenas na primavera, ao contrário dele, que sofre realmente pela sua amada.
 
 
Tema: a coita de amor / a teoria poética [reflexão sobre a escrita de poesia] e sátira aos poetas provençais / a sinceridade versus o fingimento do sentimento amoroso.
 
 
Estrutura interna – Crítica aos trovadores provençais

 
Questão suscitada pelo sujeito poético:
- Crítica aos trovadores provençais:
• apenas trovam na primavera e não no resto do ano
• não sofrem de amor como ele sofre pela sua amada
• nunca morrerão de amor como ele
• o sentimento de que falam os provençais é artificial – fingimento e simulação

Diferença entre o sujeito poético e os trovadores provençais


 
 
Simbolismo das estações do ano
 
            A primavera, momento em que a Natureza renasce, é a estação do ano propícia às relações amorosas, em oposição ao inverno, um tempo em que os sentimentos se encontram mais adormecidos. Deste modo, os trovadores provençais compõem cantigas somente na primavera, o que enfatiza o facto de não sentirem um verdadeiro amor pela mulher amada, antes se tratar de mero artificialismo poético.
 
 
Título
 
            O título da cantiga, ao referir-se aos «provençais», reflete a origem das cantigas de amor: a região da Provença, no sul de França.
 
 
Crítica aos trovadores provençais
 
            Esta cantiga constitui uma denúncia e crítica aos trovadores provençais, acusando-os de serem convencionais e artificias no que toca à expressão do sentimento amoroso.

            De facto, apesar de serem dotados de qualidade artística, de mestria poética, dado que “soem mui bem trovar”, só o fazem na primavera, enquanto o sujeito poético exprime na sua poesia um amor verdadeiro, sincero, pautado pelo sofrimento. Os provençais compõem poemas apenas nessa estação do ano, porque é uma época propícia ao amor. Não o fazem no inverno, pois os seus sentimentos estão adormecidos (“razom / nom am”). Assim sendo, não sentem verdadeiro amor, que estaria presente em todas as estações.

            Esse falso sentimento amoroso é observado com ironia por parte do «eu»: “e dizem eles que é com amor” (verso 2). Assim que a primavera termina, os provençais deixam de ter motivo para trovar, o que confirma que o seu sentimento não é verdadeiro.

            Em suma, os trovadores provençais apenas poetam na primavera e não todo o ano e escrevem que sofrem de amor, mas esse sentimento é artificial: eles não padecem da «coita de amor» e vivem alegres.

 
 
Crítica à artificialidade do amor cortês
 
            O sujeito poético critica a artificialidade do amor cortês ao afirmar que os trovadores provençais não amam como dizem amar nem sofrem realmente a dor amorosa que afirmam sofrer. Tudo isso é exagerado e artificial. Note-se, porém, que o próprio «eu» incorre no mesmo erro/exagero, ao afirmar, na parte final da cantiga, que morrerá de amor, em decorrência de não ser correspondido pela «senhor» que ama.
 
 
Reflexão sobre a criação poética
 
            Podemos considerar que a cantiga constitui uma reflexão sobre o processo de criação poética, apresentando duas formas de compor poesia.       

            Por um lado, a poesia baseia-se no convencionalismo e na imitação servil, na esteira dos trovadores provençais e dos seus cantares de amor.

            Por outro lado, D. Dinis sugere uma poesia sustentada na expressão autêntica da «coita de amor», como se pode constatar nesta composição poética.

 
 
Forma
 

Estrofes: três sextilhas isométricas.

Métrica: versos eneassílabos (9 sílabas) e maioritariamente decassílabos.

Rima:

- esquema rimático. ABBCCA

- interpolada e emparelhada

- consoante (“amor”/”flor”)

- aguda ou masculina

- rica (“non”/”coraçom”) e pobre (“trobar”/”levar”)

Ritmo binário.

Transporte/encavalgamento: vv. 3-4, 4-5, 5-6, etc.

  
 
Recursos expressivos
 
Perífrases:
 

Gradação “da coita de amor”: na primeira cobla, o sujeito poético refere somente a sua «gram coita»; na segunda, afirma que não existe outra igual (“qual eu sei sem par”); na última, assinala o facto de esta coita ser a sua «perdiçom» e que o «á de matar».

Nomes:

- proençaes: é o objeto da crítica presente na cantiga e, simultaneamente, o criador do cantar de amor;

- tempo, frol: estes nomes remetem para a crítica – os provençais trovam apenas na primavera;

- coita: o sofrimento que atormenta o sujeito poético, em contraste com a artificialidade e o fingimento dos provençais:

- perdiçom: a morte de amor, dada a não correspondência amorosa da «senhor».

Vocábulos provençais: prez, sem.

Anáfora do e: explica que os provençais não têm “gram coita no seu coraçom”, é um fingimento, pois só trovam numa dada época do ano.

Paralelismo estrutural e semântico.

Ironia: “dizem eles que é com amor” (vv. 7-9); “sabem loar / sas senhores o mais e o melhor / que eles podem” – os provençais compõem belas cantigas, mas o que escrevem não corresponde aos seus sentimentos, pois tudo é fingimento.

 
 
Classificação
 
            O poema é uma cantiga de amor de mestria, isto é, não possui refrão.

            É curioso que Nuno Júdice (in Cancioneiro de D. Dinis) a inclui na secção das cantigas de escárnio e maldizer por causa do seu tom crítico e satírico.

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