De facto, apesar de serem dotados de
qualidade artística, de mestria poética, dado que “soem mui bem trovar”, só o
fazem na primavera, enquanto o sujeito poético exprime na sua poesia um amor verdadeiro,
sincero, pautado pelo sofrimento. Os provençais compõem poemas apenas nessa
estação do ano, porque é uma época propícia ao amor. Não o fazem no inverno,
pois os seus sentimentos estão adormecidos (“razom / nom am”). Assim sendo, não
sentem verdadeiro amor, que estaria presente em todas as estações.
Esse falso sentimento amoroso é
observado com ironia por parte do «eu»: “e dizem eles que é com amor” (verso
2). Assim que a primavera termina, os provençais deixam de ter motivo para
trovar, o que confirma que o seu sentimento não é verdadeiro.
Em suma, os trovadores provençais
apenas poetam na primavera e não todo o ano e escrevem que sofrem de amor, mas
esse sentimento é artificial: eles não padecem da «coita de amor» e vivem
alegres.
Por um lado, a poesia baseia-se no
convencionalismo e na imitação servil, na esteira dos trovadores provençais e
dos seus cantares de amor.
Por outro lado, D. Dinis sugere uma poesia
sustentada na expressão autêntica da «coita de amor», como se pode constatar
nesta composição poética.
▪ Estrofes: três sextilhas
isométricas.
▪ Métrica: versos eneassílabos (9 sílabas) e
maioritariamente decassílabos.
▪ Rima:
- esquema rimático. ABBCCA
- interpolada e emparelhada
- consoante (“amor”/”flor”)
- aguda ou masculina
- rica (“non”/”coraçom”) e pobre (“trobar”/”levar”)
▪ Ritmo binário.
▪ Transporte/encavalgamento: vv. 3-4, 4-5, 5-6, etc.
▪ Gradação “da coita de amor”: na primeira cobla, o
sujeito poético refere somente a sua «gram coita»; na segunda, afirma que não
existe outra igual (“qual eu sei sem par”); na última, assinala o facto de esta
coita ser a sua «perdiçom» e que o «á de matar».
▪ Nomes:
- proençaes: é o objeto da
crítica presente na cantiga e, simultaneamente, o criador do cantar de amor;
- tempo, frol: estes
nomes remetem para a crítica – os provençais trovam apenas na primavera;
- coita: o sofrimento que
atormenta o sujeito poético, em contraste com a artificialidade e o fingimento
dos provençais:
- perdiçom: a morte de amor,
dada a não correspondência amorosa da «senhor».
▪ Vocábulos provençais: prez, sem.
▪ Anáfora do e: explica que os provençais não
têm “gram coita no seu coraçom”, é um fingimento, pois só trovam numa dada época
do ano.
▪ Paralelismo estrutural e semântico.
▪ Ironia: “dizem eles que é com amor” (vv. 7-9); “sabem loar / sas senhores o mais e o melhor / que eles podem” – os provençais compõem belas cantigas, mas o que escrevem não corresponde aos seus sentimentos, pois tudo é fingimento.
É curioso que Nuno Júdice (in Cancioneiro de D. Dinis) a inclui na secção das cantigas de escárnio e maldizer por causa do seu tom crítico e satírico.
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