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sábado, 7 de maio de 2011

Personagens

          É possível organizar as personagens em diferentes grupos, de acordo com a didascália inicial:
  • As personagens do poder - "Três conscienciosos governadores do Reino":
                    - D. Miguel, o representante do poder político;
                    - principal Sousa, o representante do poder religioso;
                    - Beresford, o representante do poder militar.

  • Os delatores:
                    - Vicente, "um provocador em vias de promoção";
                    - Andrade Corvo e Morais Sarmento, "dois denunciantes que honraram a classe",
                       cuja existência história se encontra comprovada.
  • As personagens do antipoder:
                    - general Gomes Freire de Andrade, sempre presente embora ausente;
                    - Matilde de Melo, "a companheira de todas as horas";
                    - Sousa Falcão, "o inseparável amigo";
                    - Frei Diogo de Melo, o confessor e amigo do general.
  • O povo:
                    - Manuel, "o mais consciencioso dos populares";
                    - Rita, "a mulher de Manuel";
                    - Os populares, "o pano de fundo permanente".

Contexto (época da acção - 1817)

          Na esteira de Brecht, Sttau Monteiro construiu uma peça a partir de um acontecimento do início do século XIX para, dessa forma, denunciar a situação de ditadura e opressão que se vivia no tempo da escrita da peça (1961). Dito de outra forma, o autor não tenciona prestar uma homenagem aos acontecimentos e às figuras que os protagonizaram em 1817, mas intervir criticamente nos domínios político, social e religioso do princípio dos anos sessenta do século XX. Assim, o século XIX constitui uma metáfora do século XX.


  • A acção da peça decorre no ano de 1817, um período conturbado da nossa História, que precede uma das grandes viragens do país: a Revolução Liberal.
  • Nas vésperas dessa revolução, a situação de Portugal era de crise em todos os sectores.
  • Crise política:
- as recentes invasões francesas tinham deixado o país num estado deplorável;
- a família real e a corte fugiram para o Brasil por causa das invasões francesas;
- esta atitude real suscitou no povo uma sensação de cobardia e de abandono por parte do rei;
- a sede da Monarquia e a capital do Império foram também transferidas para o Brasil;
- as riquezas do estado eram igualmente canalizadas para o Brasil;
- a administração do reino foi entregue a uma tríade: D. Sousa Coutinho, D. Miguel Pereira Forjaz e o oficial inglês William Beresford;
- o auxílio inglês para reorganizar e comandar o exército português (na resistência aos franceses) - Beresford é o símbolo do domínio britânico

Contexto (tempo da escrita)

  • O panorama que se vivia em Portugal em 1961 não era muito diferente do que é descrito em Felizmente há Luar!.
  • O regime político instituído sob a direcção de Salazar e que vigorou em Portugal sem interrupção, embora com alterações de forma e conteúdo, desde 1933 até 1974, apresenta alguns aspectos semelhantes aos regimes ditatoriais instituídos por Benito Mussolini na Itália e por Adolf Hitler na Alemanha.
  • O Estado Novo distinguiu-se pelo seu carácter autoritário, nacionalista, corporativo, imperialista, profundamente católico e anti-marxista, que recusava a formação de partidos e que impedia a luta de classes.
  • Ao longo dos seus quarenta e dois anos de existência, o Estado Novo criou organizações militares para a defesa e propagação dos seus ideais; controlou o ensino e a cultura e colocou a oposição à mercê de poderosos instrumentos de repressão, como a censura e a polícia política.
  • Em 1957, foi assinado, em Roma, o tratado fundador da CEE, tendo surgido, em 1959, a EFTA (Associação Europeia do Comércio Livre), factos que estimularam a oposição à política do Estado Novo de Salazar.
  • Em 1958, Humberto Delgado concorreu à Presidência da República pela oposição democrática, tendo sido derrotado, provavelmente por fraude eleitoral.
  • Em 1959, D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto e feroz opositor do regime salazarista, foi forçado a exilar-se. O número de presos políticos aumentou significativamente até 1960.
  • Em 1961, iniciou-se a guerra colonial, assistindo-se à mobilização de milhares de jovens e ao exílio de outros. Em Maio, os sessenta e dois subscritores do Programa para a Democratização (liberais e homens da esquerda socialista e comunista) foram presos pela PIDE.
  • Em 1962, ocorreram várias greves estudantis, acompanhadas de forte repressão policial.
  • Em 1965, a PIDE assassinou o general Humberto Delgado.
  • Em 25 de Abril de 1974, ocorreu uma revolução que derrubou o Estado Novo e pôs fim à ditadura, implantando a democracia e a liberdade, tendo como precedentes:
a) a guerra colonial;
b) o crescente descontentamento popular, pela falta de liberdade, pela opressão, pela miséria, insegurança, delação..., dando origem à formação de grupos clandestinos de oposição ao regime;
c) o descontentamento de determinados círculos militares, nomeadamente «os capitães».

Tempo histórico

          A acção da peça decorre em 1817 - ainda que seja uma metáfora de 1961 - e contém várias referências ao contexto que se vivia na época:
  • alusão à ausência da família real do país em consequência da sua fuga para o Brasil, em resultado das invasões francesas e de acordo com a combinação prévia com a Inglaterra, em 1807;
  • referências às invasões francesas;
  • a aliança de Portugal com a Inglaterra: os ingleses instalaram-se em terras lusas desde 1808 para reorganizar a sua defesa face à ameaça das invasões francesas, acabando por interferir na governação do reino - daí a presença de Beresford;
  • referências (inúmeras) aos estrangeirados (pág. 33);
  • referência à revolta de Pernambuco, ocorrida em 1817 e que inspirou, de certo modo, a conspiração portuguesa desse mesmo ano (pág. 37);
  • o exercício arbitrário do poder por uma Junta Provisória, que tomou a seu cargo, naturalmente, os negócios do reino;
  • alusão ao crescimento exponencial do clima de descontentamento, de revolta e dos ideais de revolução e liberdade («A polícia não chega para arrancar os pasquins revolucionários das portas das igrejas...» - pág. 40) contra o rei, os ingleses e a regência;
  • referências à Revolução Francesa (pág. 42);
  • a perseguição a todos os liberais;
  • as perseguições políticas constantes, baseadas na delação, no favoritismo e na troca de favores, reprimindo a liberdade de expressão, a circulação de ideias e qualquer tentativa de implantação do liberalismo - o regime absolutista, ainda de direito divino;
  • o clima de recessão económica e de instabilidade social decorrentes das invasões francesas (1807, 1809 e 1810) - referências à miséria do povo e à estratificação social;
  • a repressão contra os conjurados de 1817, levada a cabo pela Junta Provisória;
  • a condenação à morte de Gomes Freire de Andrade, um estrangeirado liberal e militar competente e prestigiado, supostamente envolvido numa conspiração.

Tempo do discurso

          A economia / concentração do tempo da acção implica o recurso frequente a referências ao passado e / ou ao futuro. No entanto, no caso da peça em análise, de um modo geral, elas não têm por objectivo narrar propriamente os acontecimentos, mas ajudar a compreender a importância ou a evolução das situações ou das personagens.


1. O presente

          O presente está intimamente ligado à definição de espaços psicológicos. Neste âmbito, destaca-se o recurso ao monólogo interior (anunciado pela incidência da luz) como processo de caracterização de alguns desses espaços, sobretudo aqueles que, por serem mais inconfessáveis, não podem ser compartilhados. Por exemplo, Beresford apresenta assim os seus receios, nomeadamente o de ser substituído pelo general Gomes Freire de Andrade (pág. 63), enquanto D. Miguel reflecte sobre as suas características de homem de gabinete, incapaz de lidar com o povo (p. 70).


2. O passado

          Através de recuos no tempo, destaca-se o passado do general, contado pelo Antigo Soldado (pp. 18 a 20) e por Matilde (pp. 85, 90, 93, 101, 138) (as lutas, a vida em Paris, etc.), a infância de Vicente (p. 27), bem como o passado de Matilde (pp. 91 e 92).
          O passado recente revela-se igualmente importante. Por exemplo, principal Sousa revela os seus sonhos, que evidenciam a sua consciência pesada e os medos que dominam o seu inconsciente: "Dedos imundos tocam-me as vestes. [...] Estava no Campo de Sant'Ana, subindo ao cadafalso, enquanto à minha volta os gritos do povo me não deixavam, sequer, ouvir a sentença..." (p. 68).
          Assim, as referências ao passado mostram como este condiciona o futuro. É o que sucede quando D. Miguel usa o facto de Andrade Corvo e Morais Sarmento terem pertencido à maçonaria para fazer «chantagem» (pp. 49 e 50).


3. O futuro

          3.1. Desejos para o futuro

          Para compreender as personagens e os seus comportamentos, é importante conhecer os desejos que norteiam os seus objectivos. Vicente recorre à denúncia para obter o cargo de polícia que realizará o seu sonho de bem-estar socioeconómico (pp. 31 e 38). Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o seu futuro discorrendo sobre as vantagens que a denúncia lhes trará e sobre os inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar (pp. 45 a 47). Já Beresford revela que é o seu sonho de poder viver em
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