A economia / concentração do tempo da acção implica o recurso frequente a referências ao passado e / ou ao futuro. No entanto, no caso da peça em análise, de um modo geral, elas não têm por objectivo narrar propriamente os acontecimentos, mas ajudar a compreender a importância ou a evolução das situações ou das personagens.
1. O presente
O presente está intimamente ligado à definição de espaços psicológicos. Neste âmbito, destaca-se o recurso ao monólogo interior (anunciado pela incidência da luz) como processo de caracterização de alguns desses espaços, sobretudo aqueles que, por serem mais inconfessáveis, não podem ser compartilhados. Por exemplo, Beresford apresenta assim os seus receios, nomeadamente o de ser substituído pelo general Gomes Freire de Andrade (pág. 63), enquanto D. Miguel reflecte sobre as suas características de homem de gabinete, incapaz de lidar com o povo (p. 70).
2. O passado
Através de recuos no tempo, destaca-se o passado do general, contado pelo Antigo Soldado (pp. 18 a 20) e por Matilde (pp. 85, 90, 93, 101, 138) (as lutas, a vida em Paris, etc.), a infância de Vicente (p. 27), bem como o passado de Matilde (pp. 91 e 92).
O passado recente revela-se igualmente importante. Por exemplo, principal Sousa revela os seus sonhos, que evidenciam a sua consciência pesada e os medos que dominam o seu inconsciente: "Dedos imundos tocam-me as vestes. [...] Estava no Campo de Sant'Ana, subindo ao cadafalso, enquanto à minha volta os gritos do povo me não deixavam, sequer, ouvir a sentença..." (p. 68).
Assim, as referências ao passado mostram como este condiciona o futuro. É o que sucede quando D. Miguel usa o facto de Andrade Corvo e Morais Sarmento terem pertencido à maçonaria para fazer «chantagem» (pp. 49 e 50).
3. O futuro
3.1. Desejos para o futuro
Para compreender as personagens e os seus comportamentos, é importante conhecer os desejos que norteiam os seus objectivos. Vicente recorre à denúncia para obter o cargo de polícia que realizará o seu sonho de bem-estar socioeconómico (pp. 31 e 38). Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o seu futuro discorrendo sobre as vantagens que a denúncia lhes trará e sobre os inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar (pp. 45 a 47). Já Beresford revela que é o seu sonho de poder viver em
Inglaterra como um gentleman que motiva o seu comportamento (pp. 57 e 58), enquanto D. Miguel afirma que a sua acção visa a construção de "um Portugal próspero e feliz com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor", um país em que a nobreza dirija sem qualquer limitação (pág. 69).
3.2. Medos e projectos
Da incapacidade de aceitar as mudanças (D. Miguel) ou da percepção de que os seus interesses estão em jogo (Beresford e principal Sousa) nascem visões medonhas do futuro e projectos maquiavélicos de acção para manter o poder a todo o custo. D. Miguel, por exemplo, tem medo de "um mundo em que se não distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular", em "que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei", em que a sua opinião valha "tanto como a de qualquer arruaceiro", isto é, teme perder a sua posição se o povo puder "escolher os seus chefes" (p. 69). Por isso, tendo em consideração o seu conhecimento da psicologia popular, planeia minuciosamente uma acção contra-revolucionária que envolverá, também, o clero e o exército (p. 73) e, mais tarde, planifica, igualmente, o julgamento de Gomes Freire, de modo a tornar inevitável a sua condenação (pp. 65 e 66).
3.3. Esperança
O final da peça demonstra que o passado e o presente determinam os acontecimentos seguintes, já que, devido à morte de Gomes Freire, o futuro, que na sequência do presente se antevia como pouco esperançoso, ir-se-á tornar, na perspectiva de Matilde, um tempo de esperança e de luta eficaz pela liberdade (p. 140).
3.4. O passado irreal
É a partir do tempo imaginado do que poderia ter sido mas não foi que se revela o universo idealizado de tranquilidade familiar sonhado por Matilde, algo que não passa de mera ilusão desesperada e cega, própria de quem tem a consciência de que a realidade está completamente desfasada do desejo (pág. 84).
3.5. Envelhecimento
O tempo, em Felizmente há Luar!, é um factor de desgaste físico e evolução psicológica. Se para o general a passagem do tempo se traduziu num processo de amadurecimento, já que a "a idade lhe aumentou a fome e a sede de justiça" (p. 132), para o principal Sousa o envelhecimento será um processo gradativo de remorsos - é a praga, de provável concretização, com que Matilde o amaldiçoa (p. 129). Em Vicente, o tempo desenvolveu capacidades, particularmente a de compreender os mecanismos do poder (p. 37), bem como o espírito crítico com que observa o envelhecimento dos outros - é por ele que se sabe que os velhos soldados, já sem préstimo para o exército, são obrigados a pedir esmola pelas igrejas (p. 22). Aflora-se, assim, a problemática socioeconómica da velhice.
3.6. História de uma personagem ausente
Como o general nunca aparece em cena, a sua história, o seu julgamento, condenação e execução são apresentados por outras personagens. Assim, os governadores apresentam o julgamento e condenação ainda em projecto (pp. 65 e 66), enquanto o acontecido durante a prisão é narrado, no passado, por Sousa Falcão (pp. 111 a 112) e Manuel (p. 135). Finalmente, é um popular que explica o que farão aos restos do seu corpo (p. 136). esta diversidade no tratamento do tempo ajuda a evitar o excessivo envolvimento emotivo do espectador e está, portanto, ao serviço da distanciação preconizada por Brecht.
O passado recente revela-se igualmente importante. Por exemplo, principal Sousa revela os seus sonhos, que evidenciam a sua consciência pesada e os medos que dominam o seu inconsciente: "Dedos imundos tocam-me as vestes. [...] Estava no Campo de Sant'Ana, subindo ao cadafalso, enquanto à minha volta os gritos do povo me não deixavam, sequer, ouvir a sentença..." (p. 68).
Assim, as referências ao passado mostram como este condiciona o futuro. É o que sucede quando D. Miguel usa o facto de Andrade Corvo e Morais Sarmento terem pertencido à maçonaria para fazer «chantagem» (pp. 49 e 50).
3. O futuro
3.1. Desejos para o futuro
Para compreender as personagens e os seus comportamentos, é importante conhecer os desejos que norteiam os seus objectivos. Vicente recorre à denúncia para obter o cargo de polícia que realizará o seu sonho de bem-estar socioeconómico (pp. 31 e 38). Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o seu futuro discorrendo sobre as vantagens que a denúncia lhes trará e sobre os inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar (pp. 45 a 47). Já Beresford revela que é o seu sonho de poder viver em
Inglaterra como um gentleman que motiva o seu comportamento (pp. 57 e 58), enquanto D. Miguel afirma que a sua acção visa a construção de "um Portugal próspero e feliz com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor", um país em que a nobreza dirija sem qualquer limitação (pág. 69).
3.2. Medos e projectos
Da incapacidade de aceitar as mudanças (D. Miguel) ou da percepção de que os seus interesses estão em jogo (Beresford e principal Sousa) nascem visões medonhas do futuro e projectos maquiavélicos de acção para manter o poder a todo o custo. D. Miguel, por exemplo, tem medo de "um mundo em que se não distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular", em "que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei", em que a sua opinião valha "tanto como a de qualquer arruaceiro", isto é, teme perder a sua posição se o povo puder "escolher os seus chefes" (p. 69). Por isso, tendo em consideração o seu conhecimento da psicologia popular, planeia minuciosamente uma acção contra-revolucionária que envolverá, também, o clero e o exército (p. 73) e, mais tarde, planifica, igualmente, o julgamento de Gomes Freire, de modo a tornar inevitável a sua condenação (pp. 65 e 66).
3.3. Esperança
O final da peça demonstra que o passado e o presente determinam os acontecimentos seguintes, já que, devido à morte de Gomes Freire, o futuro, que na sequência do presente se antevia como pouco esperançoso, ir-se-á tornar, na perspectiva de Matilde, um tempo de esperança e de luta eficaz pela liberdade (p. 140).
3.4. O passado irreal
É a partir do tempo imaginado do que poderia ter sido mas não foi que se revela o universo idealizado de tranquilidade familiar sonhado por Matilde, algo que não passa de mera ilusão desesperada e cega, própria de quem tem a consciência de que a realidade está completamente desfasada do desejo (pág. 84).
3.5. Envelhecimento
O tempo, em Felizmente há Luar!, é um factor de desgaste físico e evolução psicológica. Se para o general a passagem do tempo se traduziu num processo de amadurecimento, já que a "a idade lhe aumentou a fome e a sede de justiça" (p. 132), para o principal Sousa o envelhecimento será um processo gradativo de remorsos - é a praga, de provável concretização, com que Matilde o amaldiçoa (p. 129). Em Vicente, o tempo desenvolveu capacidades, particularmente a de compreender os mecanismos do poder (p. 37), bem como o espírito crítico com que observa o envelhecimento dos outros - é por ele que se sabe que os velhos soldados, já sem préstimo para o exército, são obrigados a pedir esmola pelas igrejas (p. 22). Aflora-se, assim, a problemática socioeconómica da velhice.
3.6. História de uma personagem ausente
Como o general nunca aparece em cena, a sua história, o seu julgamento, condenação e execução são apresentados por outras personagens. Assim, os governadores apresentam o julgamento e condenação ainda em projecto (pp. 65 e 66), enquanto o acontecido durante a prisão é narrado, no passado, por Sousa Falcão (pp. 111 a 112) e Manuel (p. 135). Finalmente, é um popular que explica o que farão aos restos do seu corpo (p. 136). esta diversidade no tratamento do tempo ajuda a evitar o excessivo envolvimento emotivo do espectador e está, portanto, ao serviço da distanciação preconizada por Brecht.
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