Português

domingo, 28 de outubro de 2018

Substratos


                A língua portuguesa pertence ao grupo das línguas românicas, também chamadas neolatinas, resultado das transformações que ocorreram no latim vulgar que chegou à Península Ibérica. O latim é uma língua que nasceu na Itália, numa região chamada Lácio (Latium), pequeno distrito situado na margem do rio Tibre e foi levado para o território ibérico pelas legiões romanas.
                Antes da ocupação romana da Península Ibérica, os povos que a habitavam eram numerosos e apresentavam língua e cultura bastante diversificadas. Havia duas camadas de população muito diferenciadas: a mais antiga – Ibéria – e outra mais recente – os Celtas, que tinham o seu centro de expansão nas Gálias. Em suma, antes de se falar latim na Península Ibérica, nela falavam-se muitas línguas que influenciaram, em maior ou menor grau, a língua latina e, consequentemente, as novas línguas que se viriam a formar a partir dele.


Os substratos

                Antes de os romanos conquistarem a Península Ibérica, povos indo-europeus como os lígures, ilíricos e ambro-ilíricos habitaram-na no II milénio a.C., bem como os celtas, um povo também indo-europeu, que terá aqui chegado no séc. VII a.C.
                Mais tarde, outros povos além destes se instalaram ou frequentaram o território peninsular: egípcios, fenícios, cretenses, cartagineses, tartéssios (no estuário do Guadalquivir), talvez afins do etrusco.
                Posteriormente, quando os romanos ocuparam, efetivamente, a Península, esta já era habitada por outros povos:
. iberos (vindos do norte de África;
. fenícios (em entrepostos comerciais na costa sul);
. gregos (na costa catalã);
. bascos (vindos, provavelmente, da Ásia Menor ou do norte de África);
. celtas, pertencentes a vários tribos:
- cantabros, ásturese galaicos (a norte do rio Douro);
- lusitanos (entre os rios Douro e Mondego);
- cónios, etc.
                Esses povos falavam línguas próprias que, quando os romanos impuseram o latim na Península, a partir do século III a.C., acabaram por se lhe submeter, deixando, no entanto, alguns vestígios no latim. São os chamados substratos: os contributos linguísticos deixados pelas línguas faladas pelos vários povos que habitaram a Península antes da romanização.

sábado, 27 de outubro de 2018

Belenenses - 2 Benfica - 0

     O comentário ao desempenho do treinador do Benfica hoje não é meu, daí a inveja que sinto:
"Hoje nada a dizer, fizemos o que pudemos contra uma excelente equipa. O Belenenses é uma equipa fantástica e, como tal, fizemos o que nos era possível. 2-0 acaba por ser um resultado positivo e que dará motivação para o futuro. Acredito que depois do jogo de hoje a equipa tenha muita revolta. Eu que injustamente já me fartei de criticar o Sr. Rui Vitória, hoje não tenho nada a apontar: muito bem montada a equipa, muito bem a rodar alguns jogadores e devo dizer que esteve genial nas substituições. Felizmente, teve capacidade para perceber que não deveria desmontar a linha de 4 defesas, se não poderíamos ter levado mais. Orgulho, muito orgulho neste Benfica! Parabéns, rapazes, grande esforço frente a esta super equipa. Carrega, Benfica! 1904!

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Regência do verbo "parecer-se"

O verbo parecer-se, na aceção «ser semelhante», pode ser intransitivo:
  • «Toda a família se parece.»*
Pode também ser transitivo indireto, selecionando, neste caso, complemento oblíquo, introduzido pelas preposições a ou com:
  • «A crítica diz que este livro se parece ao anterior.»*
  • «Eu acho que os animais se parecem com os donos.»

*Casteleiro, João Malaca (dir.), Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Lisboa: Texto Editores, 2007

A euróbica faz bem à coluna


Predicativo do complemento indireto

     De acordo com o sítio Ciberdúvidas [aqui], existe, na língua portuguesa, um caso de predicativo do complemento indireto, que ocorre com o verbo chamar.

     Assim, de acordo com o post, na frase «Chamavam gulosa à Maria.», o verbo «chamar» é transitivo indireto, exigindo a presença de um complemento indireto: à Maria. A este, está-lhe inerente o adjetivo gulosa, que é um caso (raro) de predicativo do complemento indireto, e que acontece apenas com o verbo chamar.

     Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 147, 2.ª edição, fazem notar que «somente com o verbo chamar pode ocorrer o predicativo do complemento indireto:

     «A gente só ouvia o Pancário chamar-lhe ladrão e mentiroso. (Castro Soromenho, Viragem)»

     «Chamam-lhe fascista por toda a parte. (Ciro dos Anjos, Montanha)»

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Dália


Do indo-europeu ao latim

                Nos finais do século XVIII, os europeus que começaram a contactar com a literatura tradicional da Índia deram conta que o sânscrito, língua clássica daquele país longínquo, era semelhante ao latim e ao grego a tal ponto que deveria ter uma origem comum. Nas décadas seguintes, compreendeu-se que também as línguas germânicas, celtas e eslavas, bem como o persa, língua falada no Irão, pertenciam à mesma família, a que se passou a chamar indo-europeu por a ela pertencerem quase todas as línguas da Europa, da Índia e de grande parte das regiões entre uma e outra.
                Foi Sir William Jones, jurista, filólogo e humanista inglês, quem demonstrou, em 1786, que o sânscrito, uma língua antiga da Índia, era inequivocamente próxima do grego, do latim e das demais línguas já referidas. No discurso dirigido à Sociedade Asiática, publicado em 1788, considerado o início da Linguística Histórico-Comparativa, afirmou o seguinte:
            O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado do que ambos. Mantém, todavia, com estas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito. (ROBINS, 1983, p.107)
                O termo indo-europeu acabou por ser cunhado, em 1813, pelo polímata inglês Thomas Young.
                Em suma, dos diversos estudos dos filólogos, cientistas, gramáticos comparativos e humanistas, foi possível descobrir que o latim e o sânscrito eram aparentados o suficiente para terem uma origem comum, nos moldes em que dizemos que o francês e o português têm origem no latim. A suposta língua que deu origem ao latim, ao grego, ao sânscrito, ao protogermânico, etc., foi chamada protoindo-europeu (PIE). No entanto, não há praticamente nenhum resquício escrito da passagem do PIE para as línguas da família indo-europeia e a sua reconstituição é feita com base na comparação entre as diversas línguas indo-europeias e nas mudanças linguísticas atestadas historicamente.
                As línguas dos povos indo-europeus (que terão vivido cerca de 5000 a.C.) foram-se diferenciando e dando origem a diversos grupos de línguas:
. o anatólio (que se desenvolveu provavelmente por volta de 2000 a.C.);
. o indo-iraniano (cerca de 1400 a.C.);
. o balto-eslavo;
. o tocariano;
. o arménio;
. o albanês;
. o helénico (cerca de 1300 a.C.);
. o germânico;
. o céltico;
. o itálico (o latim era uma das línguas do grupo itálico).
                Assim, pode supor-se que o PIE terá sido falado provavelmente antes de 2500 a.C., mas as datações são todas muito difíceis de estabelecer e muito hipotéticas. Para termos ideia da extensão cronológica envolvida nas transformações entre as línguas indo-europeias, é lícito dizer-se que o latim teve origem em torno do século XI a.C. (as inscrições mais antigas encontradas datam do século VII, embora Roma tenha sido fundada por Rómulo, segundo a lenda, em 753 a.C.) e o sânscrito entre 1500 e 1000 a.C.
                O quadro seguinte ilustra as principais famílias linguísticas que tiveram origem no protoindo-europeu:


O símbolo (†) indica que se trata de uma língua que não tem mais falantes nativos, ou seja, trata-se de uma língua morta.
No quadro, estão representadas famílias de línguas que não pertencem ao indo-europeu.

                O indo-europeu não é, obviamente, a única família de línguas do planeta. Idiomas como o árabe, o chinês e o turco não são indo-europeus e cada um pertence a uma família linguística, respetivamente, o semítico, o sino-tibetano e o altaico (a inclusão deste último é incerta, mas esta família inclui também o coreano e o japonês, entre outras).

Fontes:
. Gramática de Português, Maria Regina Rocha (pág. 14);
. História da Língua, Rodrigo Gonçalves e Renato Basso.



terça-feira, 16 de outubro de 2018

Análise da cantiga "Levad', amigo que dormides as manhanas frias"


Assunto: a donzela chama o amigo e lembra-lhe que agora, nas manhãs frias, já não a procura de madrugada. Quando ele vinha, as aves cantavam as alegrias daquele amor.
      O amor arrefeceu da parte do amigo e tudo se transformou: as aves deixaram os ramos e as fontes.


 Tema: o amor desfeito:
- a ferida do abandono, da falta de atenção por parte do amigo;
- a acusação / apelo, não em nome próprio, mas em nome das aves, dos ramos, das manhãs, das fontes;
- a ausência do amor e o seu reflexo destrutivo na natureza.


 Estrutura interna




Tudo se modifica pela ausência do amigo e o espaço fica vazio, sem a presença das aves, tal como o espaço do seu coração está vazio sem a presença do amigo = amor.
O refrão, na segunda parte, adquire um sentido humorístico-trágico, uma vez que a alegria da donzela já não existe.

                Esta cantiga é uma alba, ou seja, a acção ocorre nas primeiras horas da manhã e põe fim a uma noite de amor entre a donzela e o amigo.
                Quando fala no presente, estamos perante uma relação que acabou, que, de ardente, se tornou fria. Ocorre-lhe então a lembrança do amor feliz da Primavera. O pretérito perfeito marca a ideia de que ele é que cortou os ramos e secou as fontes do amor de ambos. Em suma, o pretérito perfeito marca a irreversibilidade da situação.
                De acordo com os autores do manual Entre nós e as palavras 10, o apelo da donzela, expresso logo no verso 1 da cantiga, traduzirá o seu apelo dirigido ao amigo, para que este se levante depois de terem passado a noite juntos. Assim sendo, não obstante o facto de o amigo se ter vindo a distanciar gradualmente da donzela e da relação entre ambos, é possível considerar que ela ainda se mantém no presente.
                Por outro lado, o pormenor de as manhãs serem caracterizadas como «frias» significará o arrefecimento da relação amorosa, pelo que o apelo da donzela poderá representar, simbolicamente, o seu desejo de que o amigo deixe de dormir (isto é, de assumir um papel passivo) e faça algo no sentido de reverter o processo de destruição da relação amorosa. (Alexandre Pinto e Patrícia Nunes, in Entre nós e as palavras 10, Santillana, pág. 34).


● Dupla leitura do texto

                O gesto do amigo, ao tirar os ramos onde estavam as fontes e ao secar as fontes onde bebiam e tomavam banho, poderá significar que pretendia afastá-las, de modo que o amor existente entre si e a donzela se mantivesse secreto.
                Por outro lado, esses atos podem significar o fim do seu amor pela donzela e, consequentemente, da relação entre ambos.


Cenário: natural ® aves, ramos, fontes.


Relação amor/natureza

                Esta cantiga evidencia um tópico/tema que posteriormente será desenvolvido por autores como Petrarca ou Camões: a natureza reflete a relação amorosa entre o par amoroso – canta e espalha a alegria amorosa; reflete o esfriar amoroso, através das "manhãs frias", da queda dos ramos e da secagem das fontes.
                Por outro lado, está também presente a oposição clássica entre a mudança cíclica da natureza e a irreversibilidade da mudança do sentimento amoroso. De facto, essas ações e o desaparecimento das aves remete para a destruição de um cenário primaveril, conotado com a juventude, o amor, a esperança e a harmonia, e a sua redução a um espaço de tom invernal, associado à tristeza, à solidão, ao abandono, à esterilidade e à morte. Assim se sugere a destruição do amor por parte do amigo.


● Simbologia das aves

                As aves, através do seu canto, simbolizam o amor e a felicidade dele resultante. Por outro lado, também através do canto, poderiam divulgar o amor vivido entre a donzela e o amigo, daí surgirem personificadas.


Recursos poético-estilísticos

                1. Nível fónico

. Estrofes: oito estrofes heterométricas de 3 versos.
. Metro: versos de 12 sílabas e 8 no refrão.
. Rima         - AAR / BBR;
- emparelhada;
- toante ("frias" / "diziam") e consoante ("dizian" / "havian");
- rica ("frias" / "dizian") e pobre ("dizian" / "havian");
- grave.
. Ritmo binário, lento, de acordo com a tristeza da donzela pela indiferença do amigo.
. Refrão: na 1.ª parte, traduz a alegria da donzela por amar e ser amada e feliz; na 2.ª parte, adquire um sentido humorístico-trágico, uma vez que a alegria da donzela já não existe.
. Aliteração: repetição das consoantes v e s.
. Assonância em i e á.


                2. Nível morfossintáctico

. Paralelismo perfeito.
. Leixa-prem.
. Substantivos: aves ® refletem a felicidade amorosa, cantando o amor, e a ausência do amor;
aves, manhãs, ramos, fontes ® substantivos que refletem, num primeiro momento, a felicidade amorosa, e, num segundo momento, a ausência e o seu reflexo destrutivo na natureza.
. Adjetivos: frias ® caracteriza a frieza amorosa presente, isto é, a ausência do amor;
leda ® refere-se, na 1.ª parte, à felicidade da donzela e, na 2.ª, adquire um tom irónico.
. Funções da linguagem:
. apelativa:
- verbos no imperativo;
- vocativos;
. expressiva:
- adjetivos;
- refrão.
. Verbos:
. modos:
® indicativo: o modo da realidade;
® imperativo: o apelo da donzela ao amigo para que se levante, ou seja, que retome o amor por ela;
. tempos:
® pretérito imperfeito             - "as aves cantavan" \ nosso amor  -  Primavera
- "en ment' avian"    /
® pretérito perfeito            - "vós lhi tolhestes os ramos" \ destruição do amor
- "vós lhi secastes as fontes"   /
® presente       - "levade"       \ manhãs frias  -  Inverno
                                - "dormides" /
. Anáfora.
. Hipérbato.
. Frases: declarativas.
. Construção oracional: predomínio da coordenação.


                3. Nível semântico

. Apóstrofe dirigida ao amigo, apelando-lhe ao retorno e ao amor.
. Personificação das aves, que reflectem a relação amorosa, nos bons e maus momentos.
. Metáforas:
- "vós lhi tolhestes os ramos em que siian" \ significam que o amigo destruiu o amor
- "e lhis secastes as fontes u se banhavam"  / de ambos, destruiu o sustento e a habitação do amor.
. Hipérbole: “todalas aves do mundo” – o canto melodioso das aves sugere a intensa alegria causada pela paixão.


Classificação

                1. Cantiga de amigo.

1.1. Temática: alba / alvorada / serena.

1.1.1. Relação com as albas provençais: a alba tem como cenário o amanhecer, que desperta os amantes, acordados pelo corneteiro da corte ou por um amigo do amante. Por isso se diz que a lírica provençal fala de um amor adúltero.
                Na lírica galego-portuguesa, não há albas como na lírica provençal e, como tal, a sua designação é difícil. Na lírica galego-portuguesa, fala-se do amanhecer, mas nunca da relação adúltera e da separação dos amantes.

1.2. Formal:
- cantiga paralelística perfeita;
- cantiga de refrão.
                O refrão mantém-se inalterado ao longo da cantiga, não obstante o seu valor ser diferente em casa uma das partes.
                Com efeito, na primeira, ele traduz a alegria e a felicidade vividas pela donzela, a evocação dos momentos idílicos da relação amorosa, enquanto na segunda traduzem o lamento amargurado da jovem face à destruição progressiva do relacionamento.
                Por outro lado, a ênfase posta na alegria por parte da donzela poderá sugerir que esta ainda não perdeu totalmente a esperança de reverter a situação e de regressar à alegria e felicidade experimentadas no passado.

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