Se, no poema I, Caeiro definiu a sua filosofia, assente no sensacionismo, na objectividade na análise da natureza, neste segundo poema da obra O Guardador de Rebanhos refere-se mais concretamente ao seu processo de pensamento. É preciso não esquecer que, para deixar de pensar, é necessário pensar no assunto.
O texto inicia-se com uma comparação ("O meu olhar é nítido como um girassol.") que significa que o sujeito poético vê a realidade à luz do sol, com toda a nitidez que essa luz lhe propicia. Dito de outra forma, a comparação evidencia a nitidez do olhar do «eu», dado a planta a que o seu olhar é comparado segue continuamente a luz solar. À semelhança de Cesário Verde, o sujeito poético assume uma atitude deambulatória ("Tenho o costume de andar pelas estradas..." - v. 2), observando atentamente a realidade, atento à diversidade que o rodeia, ("Olhando para a direita e para a esquerda..."), descobrindo novas «coisas» a cada olhar, constituindo, assim, a visão, o sentido primordial que nos permite conhecer o mundo.
O verso 9 apresenta-nos uma nova comparação, desta vez com uma criança, um símbolo recorrente em Caeiro, pela inocência e ingenuidade que lhe estão associadas. Neste caso específico, a comparação é estabelecida com uma criança "ao nascer", o que remete para um ser não contaminado, constantemente surpreendido pelos estímulos da realidade que lhe chegam através dos sentidos e que provocam o seu espanto ("pasmo essencial" - v. 8), resultante do que o rodeia, novo para quem acabou de nascer. De modo semelhante, o sujeito poético sente-se como a criança recém-nascida, que vê com uma inocência primordial, isto é, vê tudo como se visse pela primeira vez, espantado perante "a eterna novidade do Mundo". Todos estes dados confirmam, no fundo, a afirmação de Jacinto do Prado Coelho: "Caeiro (...) vive de impressões, sobretudo visuais, e goza em cada impressão o seu conteúdo original.".
À semelhança do que sucede na primeira estrofe, a segunda abre com nova comparação (neste caso, entre a sua crença no mundo e um malmequer), que é uma forma de objectivação, concretização, através dos sentidos, de uma realidade eminentemente abstracta dado que reside apenas no pensamento. No entanto, este versos confirmam-nos que, apesar do seu esforço para afirmar o contrário, o sujeito poético ainda pensa e não vê apenas. Dito de outra forma, ele apresenta uma teoria à qual falta uma prática efectiva e continuada, confirmada por uma espécie de «insistência doentia» nas explicações dos seus actos. Repare-se como ele começa por fazer uma constatação ("Creio no Mundo"), para de seguida se justificar: "Porque o vejo. Mas não penso nele (...)". Se estivesse convicto das suas afirmações, não necessitaria do raciocínio justificativo. Ainda assim, prossegue a sua afirmação da supremacia do olhar sobre o pensamento: "Porque pensar é não compreender..." - v. 15; "(Pensar é estar doente dos olhos)" - v. 17). Este último verso é uma confirmação da negação do pensamento, da metafísica, pois não devemos procurar procurar ou atribuir significados ao mundo, devemos antes deixar-nos guiar pelos sentidos, pelas sensações puras, aceitando pacificamente as coisas tais quais elas são ("Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo..." - v. 18).
A terceira estrofe abre com uma afirmação categórica: "Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...". Esta afirmação clarifica a sua veia antifilosofia, evidenciando a recusa da metafísica, do pensamento abstracto, defendendo em alternativa o primado dos sentidos. Os restantes versos acabam por comprovar / aprofundar esta ideia, ao aclararem o tipo de relação que o «eu» estabelece com a natureza, uma relação de amor ("Mas porque a amo..." - v. 21). E é uma relação de amor porque no amor não há perguntas, não há certezas acerca do «objecto» amado, não há «razões» que justifiquem o «amor por», nem sequer uma definição do que é amar. Deste acto amoroso, está ausente o pensamento, a racionalidade; o sujeito aceita apenas as coisas tais como são. Há, portanto, uma tentativa de equiparação do amor ao seu desejo de inconsciência, de não pensar
A última estrofe é constituída por um dístico silogístico: se "amar é a eterna inocência" (v. 24) e se "a única inocência é não pensar" (v. 25), então "amar" é "não pensar". Neste sentido, não pensar é uma espécie de amor sem objecto, um amor ideal. É um amor pela Natureza, um amor natural e sinónimo de aceitação incondicional, sem questionação. No fundo, estamos perante a necessidade humana de amor, de carinho, mesmo que unicamente no seio da Natureza.
Em suma, «Persegue Caeiro a inocência como Mestre, para que Pessoa conquiste o amor como discípulo.» (Nuno Hipólito, in No Altar do Fogo)
O texto inicia-se com uma comparação ("O meu olhar é nítido como um girassol.") que significa que o sujeito poético vê a realidade à luz do sol, com toda a nitidez que essa luz lhe propicia. Dito de outra forma, a comparação evidencia a nitidez do olhar do «eu», dado a planta a que o seu olhar é comparado segue continuamente a luz solar. À semelhança de Cesário Verde, o sujeito poético assume uma atitude deambulatória ("Tenho o costume de andar pelas estradas..." - v. 2), observando atentamente a realidade, atento à diversidade que o rodeia, ("Olhando para a direita e para a esquerda..."), descobrindo novas «coisas» a cada olhar, constituindo, assim, a visão, o sentido primordial que nos permite conhecer o mundo.
O verso 9 apresenta-nos uma nova comparação, desta vez com uma criança, um símbolo recorrente em Caeiro, pela inocência e ingenuidade que lhe estão associadas. Neste caso específico, a comparação é estabelecida com uma criança "ao nascer", o que remete para um ser não contaminado, constantemente surpreendido pelos estímulos da realidade que lhe chegam através dos sentidos e que provocam o seu espanto ("pasmo essencial" - v. 8), resultante do que o rodeia, novo para quem acabou de nascer. De modo semelhante, o sujeito poético sente-se como a criança recém-nascida, que vê com uma inocência primordial, isto é, vê tudo como se visse pela primeira vez, espantado perante "a eterna novidade do Mundo". Todos estes dados confirmam, no fundo, a afirmação de Jacinto do Prado Coelho: "Caeiro (...) vive de impressões, sobretudo visuais, e goza em cada impressão o seu conteúdo original.".
À semelhança do que sucede na primeira estrofe, a segunda abre com nova comparação (neste caso, entre a sua crença no mundo e um malmequer), que é uma forma de objectivação, concretização, através dos sentidos, de uma realidade eminentemente abstracta dado que reside apenas no pensamento. No entanto, este versos confirmam-nos que, apesar do seu esforço para afirmar o contrário, o sujeito poético ainda pensa e não vê apenas. Dito de outra forma, ele apresenta uma teoria à qual falta uma prática efectiva e continuada, confirmada por uma espécie de «insistência doentia» nas explicações dos seus actos. Repare-se como ele começa por fazer uma constatação ("Creio no Mundo"), para de seguida se justificar: "Porque o vejo. Mas não penso nele (...)". Se estivesse convicto das suas afirmações, não necessitaria do raciocínio justificativo. Ainda assim, prossegue a sua afirmação da supremacia do olhar sobre o pensamento: "Porque pensar é não compreender..." - v. 15; "(Pensar é estar doente dos olhos)" - v. 17). Este último verso é uma confirmação da negação do pensamento, da metafísica, pois não devemos procurar procurar ou atribuir significados ao mundo, devemos antes deixar-nos guiar pelos sentidos, pelas sensações puras, aceitando pacificamente as coisas tais quais elas são ("Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo..." - v. 18).
A terceira estrofe abre com uma afirmação categórica: "Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...". Esta afirmação clarifica a sua veia antifilosofia, evidenciando a recusa da metafísica, do pensamento abstracto, defendendo em alternativa o primado dos sentidos. Os restantes versos acabam por comprovar / aprofundar esta ideia, ao aclararem o tipo de relação que o «eu» estabelece com a natureza, uma relação de amor ("Mas porque a amo..." - v. 21). E é uma relação de amor porque no amor não há perguntas, não há certezas acerca do «objecto» amado, não há «razões» que justifiquem o «amor por», nem sequer uma definição do que é amar. Deste acto amoroso, está ausente o pensamento, a racionalidade; o sujeito aceita apenas as coisas tais como são. Há, portanto, uma tentativa de equiparação do amor ao seu desejo de inconsciência, de não pensar
A última estrofe é constituída por um dístico silogístico: se "amar é a eterna inocência" (v. 24) e se "a única inocência é não pensar" (v. 25), então "amar" é "não pensar". Neste sentido, não pensar é uma espécie de amor sem objecto, um amor ideal. É um amor pela Natureza, um amor natural e sinónimo de aceitação incondicional, sem questionação. No fundo, estamos perante a necessidade humana de amor, de carinho, mesmo que unicamente no seio da Natureza.
Em suma, «Persegue Caeiro a inocência como Mestre, para que Pessoa conquiste o amor como discípulo.» (Nuno Hipólito, in No Altar do Fogo)