Português: 31/12/24

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Adeus, 2024!

5. A origem do teatro

    O teatro foi introduzido em Atenas no século VI a.C. sob a tirania de Pisístrato.
    O regime tirânico de Pisístrato foi, ao mesmo tempo, uma emanação da aristocracia e uma reação contra ela. O poder estava nas mãos de famílias célebres que o administravam ou através de um regime monárquico ou de um regime oligárquico e podia ser transmitido de forma hereditária ou eletiva, mas estava sempre nas mãos da aristocracia. Com o surgimento de uma série de crises no seio da aristocracia ocorriam casos em que um aristocrata tomava indevidamente o poder, apoiado por outros aristocratas e/ou por um grupo de cidadãos. Pisístrato foi um desses tiranos “populares”. Na realidade, tomou e perdeu o poder três vezes na segunda metade do século VI a.C., concretamente entre os anos 561-555 a.C., 544-538 a.C. e 534-533 a.C. Foi precisamente neste último período de tirania que Pisístrato, preocupado com o apoio do povo, regulamentou as representações teatrais em Atenas.
    Antes dessa época, o teatro grego tinha um caráter privado e voluntário. Assim, temos notícia de que eram representadas «peças» em Atenas desde 558 a.C., associadas a Téspis, o primeiro autor de que temos conhecimento, porém foi Pisístrato quem determinou que fossem encenadas nas Grandes Dionísias Urbanas, que ocorriam nos finais do mês de março. Deste modo, Pisístrato usava a religião contra a aristocracia, reorganizando as festividades tradicionais e patrocinando o culto mais popular da época – o de Dioniso – e a sua festa mais importante – as já citadas Dionísias Urbanas.
    De acordo com o conhecimento que se tem, a primeira representação de uma tragédia incluída nas Dionísias Urbanas terá ocorrido entre 536 e 533 a.C. Existem igualmente poucos dados sobre os autores dessa primeira fase do teatro grego. Assim, após e além de Téspis, conhecemos o nome de Quérilo, que terá composto cerca de 160 tragédias, e de Frínico, discípulo de Téspis, cuja primeira vitória se deu entre 511 e 508 a.C. Os grandes nomes do teatro grego situam-se, porém, no século V a.C.: Ésquilo (525-455 a.C.), Sófocles (495-405 a.C.) e Eurípides (480?-406-405 a.C.). Da sua produção teatral, terão chegado até ao nosso conhecimento apenas cerca de 10%, concretamente sete tragédias de Sófocles e Ésquilo e dezoito de Eurípides, num total de trinta e duas, a saber: Ésquilo – Os persas (472), Os sete contra Tebas (467), As suplicantes (data incerta), Prometeu Agrilhoado (data desconhecida e autenticidade contestada), Oresteia: Agamémnon, As coéforas e as Euménides (458); Sófocles – Ájax (data desconhecida), As traquínias(data desconhecida), Antígona (442), Édipo Rei (cerca de 420), Eletra (sem data), Filoctetes (409) e Édipo em Colona (401); Eurípides – Alceste (438), Medeia (431), Os heráclidas (entre 430 e 427), Hipólito (28), Andrómaca (cerca de 426-424), Hécuba (cerca de 424), As suplicantes (entre 424 e 421), Hércules furioso (entre 420 e 415), Íon (entre 418 e 414), As troianas (415), Eletra (413), Ifigénia em Táurida (entre 415 e 412), Helena (412), As fenícias (provavelmente em 410), Orestes (408), Ifigénia em Áulida (após a morte de Eurípides), As bacantes (após a morte de Eurípides) e Reso (data desconhecida e autenticidade contestada). Na verdade, Ésquilo terá escrito cerca de noventa tragédias, Sófocles mais de cem (Aristófanes de Bizâncio menciona 130, sete das quais passavam por inautênticas) e Eurípides 92, 67 das quais ainda eram conhecidas na época em que foi escrita a sua biografia.
    O teatro gregro, por outro lado, situa-se num duplo plano: religioso, visto que se insere no calendário festivo-religioso, e político, dado tratar-se também de uma festa estatal, cabendo à polis tratar dos preparativos para a sua realização.
    Com o desenvolvimento do género teatral, as Grandes Dionísias, no século V a.C., atraem um público cada vez maior. Assim, vemos a cidade de Atenas a reunir-se em peso para assistir anualmente, num determinado momento do calendário religioso, à representação de tragédias e comédias, pelo que se pode concluir que é para a polis que as peças são direcionadas. No entanto, gradualmente os estrangeiros começam a participar no evento, vindos de outras cidades gregas (metecos), ou de outros países, exclusivamente para assistir às representações teatrais. Deste modo, o teatro ateniense torna-se o símbolo cultural da cidade e constitui um elemento importante da política hegemónica de Atenas na zona do Mediterrâneo oriental a partir das vitórias sobre as invasões persas.
    Após a regulamentação promovida por Pisístrato, as Grandes Dionísias ou Dionísias Urbanas passaram a ser um conjunto de manifestações religiosas, políticas e poéticas com uma programação definida. A organização cabia à cidade, mais concretamente do arconte-epónimo, num contexto de tribalização, isto é, a comunidade de Atenas mantinha a antiga divisão em tribos, embora das quatro tradicionais se tivesse formado dez novas. De cada tribo era escolhido um arconte e o conjunto dos dez arcontes organizava durante um ano a vida quotidiana e religiosa da cidade de Atenas. Um deles designava-se arconte-rei ou arconte-epónimo, dado que dava o seu nome ao ano em curso, e era o responsável por selecionar três tragediógrafos dentre os autorizados a concorrer nos concursos.
    O festival estendia-se por seis dias, mais concretamente entre 10 e 15 do mês Elafebolión, o que corresponde a finais de março e início de abril do nosso calendário atual, e os espetáculos sucediam-se ininterruptamente de manhã até ao meio da tarde.
    Nesse espaço de tempo, além das atividades religiosas propriamente ditas, tinham lugar quatro tipos de apresentações artísticas soba forma de concursos: ditirambos, comédia, drama satírico e tragédia, as primeiras três com ligação clara a Dioniso. Note-se que o caráter competitivo que preside a essas representações teatrais é uma das formas motrizes da cultura grega, que competia por «tudo e por nada»: desporto, beleza física, arte, artesanato, canto, dança, teatro, etc. A competição e o confronto públicos (agón) atraíam irresistivelmente os gregos e todas as suas festividades possuíam algum tipo de competição, desde logo porque a civilização helénica possui um caráter fortemente público. Por exemplo, desde os poemas homéricos, os heróis têm o seu status definido pelos feitos que realizam publicamente, na presença dos seus iguais. Os Jogos Olímpicos, cuja primeira edição conhecida teve lugar em 776 a.C., são o exemplo máximo desse espírito competitivo dos festivais religiosos, neste caso, em homenagem a Zeus e de caráter pan-helénico, nos quais competiam atletas de várias cidades gregas, bem como poetas e oradores. Essa pulsão competitiva caracteriza também a tragédia, não só pela competição entre os tragediógrafos, mas também pelo facto de possuir a cena do enfrentamento.
    No primeiro dia do festival – 10 –, um grande cortejo conduzido pelo arconte-rei e protegido pelos efebos, jovens de 16 a 18 anos, acompanha a estátua de madeira de Dioniso Eleutério, o Libertador, que é transportada para a cidade, a qual será conduzida até ao teatro à luz de tochas. Neste cortejo, participam todos os concorrentes às diversas modalidades poéticas. Além disso, durante este primeiro dia, ocorre também uma hecatombe, ou seja, um grande sacrifício de inúmeros animais que alimenta animados banquetes por toda a cidade.
    Nos dois dias seguintes – 11 e 12 –, havia o concurso de ditirambos, que eram cantados em louvor a Dioniso por coros de homens e crianças. Esses coros, de origem bem antiga, no passado, acompanhariam um rito de sacrifício dionisíaco com dilaceração e consumo das carnes da vítima viva e do seu sangue ainda quente.
    Na noite do dia 12 para o dia 13, havia um grande kômos, isto é, uma procissão irreverente de foliões com faloforia, ou seja, o transporte do falo, na qual participavam figuras disfarçadas e mascaradas, em geral de sátiros ou de animais, subordinada a um argumento rudimentar. Assim, havia uma entrada em cena tumultuada, uma discussão por motivo fútil e um discurso-bufo final. Na realidade, o kômos constituiu uma espécie de embrião da comédia.
    As apresentações aconteciam em três dias consecutivos. No quarto dia, tinha lugar o concurso de comédias. Nestas representações teatrais, é retomado o argumento simples do kômos, embora de forma mais elaborada nas suas três partes principais: párodo, a entrada tumultuosa do coro, evocando eventualmente uma cena conhecida; o agón, a disputa/ o conflito entre as personagens; e a parábase, o momento em que o coro se dirige diretamente ao público, solicitando-o como testemunha. No entanto, a comédia diferencia-se do kômos primitivo por já não apresentar tão frequentemente Dioniso e o seu cortejo.
    Os dois últimos dias do festival – 14 e 15 – eram reservados aos concursos trágicos. De facto, o rápido crescimento da produção teatral e do interesse que ela despertava foi responsável pela introdução do concurso de tragédias nas Grandes Dionísias Urbanas, em evento instituído oficialmente por Pisístrato e que contava com o patrocínio do Estado e realização da pólis, o que conferia a estas representações teatrais numa das festividades mais populares um forte cunho político.
    O arconte (magistrado da Grécia Antiga que, antes de Sólon, detinha o poder de legislar e, posteriormente, se tornou um simples executor de leis), o cidadão mais importante de Atenas, designava para cada autor um corega, que seria o responsável pelas representações e aquém incumbia, a expensas suas, a função de escolher os jovens coreutas que formariam o coro, os atores – para esses papéis eram selecionados apenas pessoas do sexo feminino – e o ensaio de ambos.
    Em cada concurso trágico, cada autor apresentava três tragédias, a chamada trilogia, e finalizava com um drama satírico, ou drama silénico. O conjunto das três tragédias e do drama constituía a tetralogia, que possuía unidade temática. Somente uma trilogia temática chegou até nós, a Oresteia, também designada Trilogia de Orestes, da autoria de Ésquilo. Nela, a primeira tragédia representava o regresso e morte de Agamémnon às mãos de Clitemnestra, a sua esposa; na segunda, Orestes, seu filho, vinga o pai assassinando a própria mãe; na última, Orestes é inocentado do matricídio graças à intervenção da deusa Atena.
    O elemento mais importante do drama satírico, e que lhe dava o nome, era o coro de sátiros que representava sob a forma de danças acrobáticas o aspeto exterior da manía, a loucura decorrente da possessão divina. Esses dramas satíricos assemelhavam-se, na forma, às tragédias, mas, ao nível do conteúdo, aproveitavam os detalhes grotescos das lendas antigas. Apenas um drama satírico grego completo chegou aos nossos dias, os Ciclopes, de Eurípides, além de um fragmento extenso dos Icneutas, de Sófocles.
    No dia do festival, todo o povo era convidado. A entrada para os espetáculos era paga, porém o Estado responsabilizava-se pelas despesas dos que não pudessem pagar e contribuía com uma quantia de dinheiro para pagar os seus dias de trabalho. Toda a cidade de Atenas estava presente, desde as mulheres (existem, porém, dúvidas sobre a constituição do público teatral na Atenas do século V a.C., defendendo alguns autores que as mulheres não teriam lugar na plateia, no entanto falas de vários textos são dirigidos a um público feminino, o que pode pressupor a sua presença no auditório) até aos escravos, passando pelos estrangeiros e metecos (estrangeiros residentes em Atenas), o que fez com que essas manifestações culturais adquirissem características de uma manifestação nacional.
    A presença de tanta gente em simultâneo criava um ambiente agitado e tumultuoso, havendo certamente lugar ao consumo de comida e bebida dada a duração das representações, que se tornaram num acontecimento de grande importância. Em primeiro lugar, havia a questão de se tratar da grande festa em honra de Dioniso, que por si só já era motivo de atração; depois, havia o caráter único de cada apresentação, que não voltaria a ser exibida durante muito tempo; a seguir, havia a curiosidade geral para saber como seria tratado um tema já conhecido por todos; por último, havia o prazer de as pessoas se juntarem para uma atividade em comum.
    No final dos três dias de representações, um tribunal constituído por representantes das diferentes tribos, decidia quem deveria ocupar o primeiro, o segundo e o terceiro lugar, recebendo o poeta vencedor uma coroa como prémio.
    A existência da tetralogia, isto é, a conjugação de tragédia e de um drama satírico terá uma explicação. Muitos autores associam a tragédia ao sacrifício de um animal, como sucede nas Grandes Dionísias, em que era sacrificado um bode a Dioniso e bode, em grego, dizia-se trágos. A morte de animais na caça ou em sacrifícios estava associada a sentimentos de culpa pelo sangue derramado, que é igual ao do caçador ou sacrificador. Assim sendo, o animal abatido necessita de ser apaziguado de alguma forma, para que não perturbe o seu matador, por exemplo por meio de rituais. Ora, se a trilogia trágica é o momento do sacrifício, do derramamento de sangue, deve haver alguma compensação em cena. Deste modo, é natural que às tragédias sucedesse um drama satírico, dado que os bodes seriam trazidos novamente ao palco, agora vivos, revertendo os maus fluidos através da ressurreição e assim fechando um ciclo. Quanto ao espectador, após uma sequência de três tragédias, há uma grande quantidade de tensão naturalmente acumulada que seria libertada através do drama.

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