Português: 16/12/24

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Caracterização de João Romão, de O Cortiço

Enredo / Ação de O Cortiço

A. A Ascensão de João Romão

João Romão é um português pobre e ambicioso que, por meio de trabalho árduo e métodos desonestos, constrói um cortiço em um subúrbio do Rio de Janeiro. Ele rouba materiais de construção, explora trabalhadores e guarda dinheiro de forma obsessiva. Sua companheira, Bertoleza, é uma escravizada que foge acreditando estar livre, mas vive em regime de quase escravidão sob João Romão.

João Romão começa o cortiço como uma pequena habitação coletiva. Com o tempo, o local cresce e se torna uma representação da pobreza e da degradação social, abrigando dezenas de famílias que vivem em condições precárias.

 

B. A Vida no Cortiço

O cortiço é um microcosmo da sociedade brasileira. Ele abriga personagens de diferentes origens, que compartilham as dificuldades da vida cotidiana. Os moradores vivem em um ambiente insalubre, marcado por brigas, festas, promiscuidade e luta pela sobrevivência. Entre os moradores destacam-se:

  • Rita Baiana, uma mulher sensual e cheia de vida que simboliza a força dos instintos.
  • Pombinha, uma jovem inicialmente inocente, que acaba se entregando à prostituição.
  • Jerônimo, um operário português que se apaixona por Rita Baiana, abandonando sua esposa.

O cortiço é descrito como uma entidade viva, quase um personagem, que influencia o comportamento de seus habitantes. O local é frequentemente associado a imagens de calor, fermentação e animalização.

 

C. O Conflito entre João Romão e Miranda

Miranda, um comerciante rico e vizinho de João Romão, representa a elite brasileira. Embora seja economicamente superior, Miranda é um homem hipócrita, que despreza o cortiço, mas também age de forma corrupta para manter seu status. João Romão inveja o prestígio social de Miranda e tenta se aproximar dele, buscando ascender à classe burguesa.

João Romão, com seu desejo incessante de riqueza e respeito social, decide ampliar seus negócios e transformar sua imagem. Ele planeja casar-se com Zulmira, filha de Miranda, para se integrar à elite, mesmo que isso signifique trair Bertoleza.

 

D. A Queda de Bertoleza

No final da obra, João Romão denuncia Bertoleza às autoridades, revelando que ela ainda é legalmente escrava. A traição é motivada pelo desejo de se livrar dela e se casar com Zulmira. Ao perceber que será recapturada, Bertoleza, em um ato desesperado, comete suicídio, esfaqueando-se diante dos policiais.

O destino de Bertoleza simboliza a opressão dos mais pobres e a desumanidade de João Romão, que sacrifica tudo – inclusive suas relações pessoais – em nome da ascensão social.

Conclusões sobre O Cortiço: Forma

    1. Descrição dos elementos imprescindíveis de todo o romance. Através da descrição, as personagens surgem inseridas na vida do dia a dia. A descrição é feita, por vezes, através de metáforas, sobretudo do âmbito da zoologia.

    2. Apresentação de determinado tipo de episódios, quase sempre sórdidos e de temática sexual. A principal característica destes episódios é a total ausência de valores, a animalidade e a violência.

    3. Construção e estruturação de modo mais denso e rico. A preocupação pela forma é muito intensa em A. de Azevedo, pois há sempre indícios que se realizam. Esta preocupação orienta a narrativa para um determinado sentido, o que implica uma maior organização dos elementos.

    4. Uso de analepses: são várias e a sua função é a explicação de factos e a caracterização de personagens.

    5. As personagens raramente existem como elementos individuais: elas inserem-se num coletivo. Há algumas vivências de individualidade, mas apenas com as personagens principais.

    6. Em termos de intriga, há três elementos que despoletam a ação:
            - chegada dos portugueses: Jerónimo e Piedade
            - chegada de Rita
            - ascensão de Miranda ao baronato
    Estes factos são também importantes, porque vão influenciar a mudança das personagens. Por exemplo, é a chegada de Rita que vai conduzir à degradação de Piedade e é a ascensão de Miranda que provoca a ascensão de João Romão.

Análise do capítulo XXIII de O Cortiço

    O início deste capítulo contrasta com o fim do capítulo anterior: ambiente de riqueza e novos costumes de João Romão, que age como um novo rico, exagerando em tudo. É um capítulo mais alegre, mais urbano, onde João Romão tem a oportunidade de ostentar a sua riqueza e novos hábitos.
    Surge, então, Botelho, que anuncia a ida do dono de Bertoleza a casa de J. Romão para a buscar. Seguem depois para casa do último e, entretanto, há duas referências importantes:
        . Passagem de Pombinha, agora prostituta, com Henrique. Esta referência não é inocente.
        . Referência a um cúmplice, palavra do campo semântico do crime. O emprego desta palavra é intencional e não inocente. Há uma relação de cumplicidade entre Botelho e J. Romão, como se de um crime se tratasse.
    O final do romance, tal como o seu início, é sórdido. João Romão, apesar de ter mudado exteriormente, revela que íntima e moralmente é o mesmo.
    Bertoleza, pelo contrário, logo que vê o filho do seu antigo dono, apercebe-se de tudo e ganha plena consciência da sua situação. Podemos estabelecer um paralelo entre a situação de Bertoleza e a de Pombinha, depois do que aconteceu com Léonie: ambas ficam lúcidas e conscientes da sua verdadeira realidade. E a única solução para Bertoleza é a morte e as condições desta morte contrapõem-se ao seu caráter corajoso. De facto, morre num ambiente extremamente sórdido.
    Podemos estabelecer um confronto entre o caráter firme de Bertoleza e sordidez de João Romão:
           
            Bertoleza                            João Romão

            interior   +                            interior   -

            exterior   -                             exterior   +

    João Romão apenas evolui exteriormente, pois mantém o seu caráter de sempre, ao contrário de Bertoleza, que se mantém fisicamente degradada, mas com um caráter positivo. Com a sua morte, afasta-se o último elemento do cortiço que não se modificara. De facto, se o cortiço degradado desaparecera, a única solução para ela era a morte.
    Bertoleza e Rita Baiana eram as únicas personagens femininas dotadas de um forte caráter positivo; no final, o de Bertoleza ainda mais se eleva, enquanto o de Rita decai.
    Uma última chamada de atenção para a ironia com que o romance termina: uma comissão de abolicionistas vem trazer o título de sócio a J. Romão, o qual acabara de entregar uma antiga escrava (Bertoleza).

Análise do capítulo XXII de O Cortiço

    Referência ainda a Bertoleza e ao medo que começa a sentir, pois sabe que não é desejada.
    Romão, entretanto, consegue tudo o que quer e torna-se um grande capitalista; a sua venda transforma-se num grande armazém, com um grande movimento de empregados e clientes.
    Refere-se também o novo cortiço, agora Avenida, habitado por um estrato social diferente do cortiço anterior, pautado por um espírito coletivo, que se concretizava na festa de domingo. Agora não há esta cumplicidade entre as personagens, que passa para o "Cabeça-de-Gato", para onde vão os resíduos do cortiço de João Romão.
    Há ainda uma referência a Pombinha: o seu casamento não resultou e tornou-se prostituta. Não era mulher para cumprir todas as convenções inerentes ao casamento. D. Isabel continua na sua apatia estúpida. Esta é a mesma atitude do cortiço e Pombinha tona Senhorinha como protegida. É um ciclo que se repete. Apesar da mudança exterior, o cortiço continua a aceitar as coisas sem reconhecer o que é bom ou mau.
    Termina com a referência a Piedade e à extrema degradação do cortiço "Cabeça-de-Gato". Ela já nem chora, nem se lamenta, o que significa que atingiu o "fundo do poço". Esta descrição corresponde à descrição do inicial cortiço de João Romão.

Análise do capítulo XXI de O Cortiço

     Referência às aspirações de J. Romão, particularmente em relação à mulher, que agora é um obstáculo à sua ascensão social, ou seja, ao seu casamento com Zulmirinha. Bertoleza era um "ponto negro" às suas ambições. Começa a haver a urgência de se desfazer dela:
        = "E se ela morresse?"
        = "E se eu a matasse?"
        = "E se eu a esmagasse aqui mesmo?"
    Esta gradação mostra essa urgência e a intensidade da ambição de J. Romão.
    Temos depois o episódio da morte do filho da Machona: Agostinho. Mas o mais importante é a reação de Romão, que nunca fora humanitário e agora vê despertar-se-lhe uma certa sensibilidade. Mas este sentimento é hipócrita, porque não é verdadeiro.
    Surge Botelho, que vai ajudar Romão a realizar as suas ambições. Este recurso a Botelho para que fizesse o trabalho sujo, mostra uma certa falta de vigor em Romão, que sempre fizera tudo, legal ou ilegalmente. É este trabalho sujo que vai resolver o problema de Romão: entrega de Bertoleza ao seu dono, pois, ao contrário do que ela pensava, nunca deixou de ser escrava. Bertoleza apercebe-se de tudo e sente que merece ser tratada com mais respeito: é um grito de justiça perante a ambição de João Romão.

Análise do capítulo XX de O Cortiço

    Modificação do espaço e também dos seus habitantes.
    Piedade acaba por ser o último indício do que era antes o cortiço ao atingir os últimos graus de degradação. O que antes caracterizava o cortiço de J. Romão passa agora a caracterizar o outro cortiço, o "Cabeça-de-Gato": um organismo vivo com uma enorme sensibilidade.
    O novo cortiço de Romão é agora uma espécie de pensão, onde habitam já pessoas de uma claase social mais alta e não apenas lavadeiras e trabalhadores. As pessoas passam a ser vistas individualmente e já não se verifica o espírito de grupo.
    O capítulo termina com a degradação que atingiu Piedade e estabelece o contraste com a outra Piedade, que fora casada com Jerónimo. Mostra-se a influência do meio e da raça. Obviamente, isto vai refletir-se também no comportamento de Senhorinha. É todo um ciclo que se repete.

Análise do capítulo XIX de O Cortiço

     A vida no cortiço prossegue: as obras começaram e os moradores adaptar-se da melhor forma possível. Bertoleza sente-se presa na rotina e na monotonia e sente-se triste por sentir que João Romão a trata de modo diferente. Agora, não passa de um estorvo no caminho do homem, que pretende pedir a mão de Zulmira.
    Enquanto isso, Jerónimo e Rita procuram aproveitar a nova vida: ele tinha posto de lado os seus sonhos portugueses (de onde vinha) e tornara-se quase um legítimo brasileiro, com os mesmos hábitos e vícios. Piedade, por seu turno, recuperada da luta com Rita, começa a beber. A sua filha com Jerónimo, que passava a semana no colégio, no centro da cidade, consola a mãe aos fins de semana. Durante algum tempo, o pai deixa de pagar o colégio, pois até o pão ao padeiro deve. Num contacto posterior com Piedade, durante o qual ele se encontra bêbedo, ambos brigam e o homem confessa que deixaria de pagar a escola da filha.

Análise do capítulo XVIII de O Cortiço

     Volta-se ao incêndio, a Libório e à sua relação com João Romão. Este episódio serve para caracterizar moralmente o taberneiro, que se aproveita da situação e rouba o dinheiro ao velho, deixando-o morrer.
    Temos depois a referência ao cortiço depois do incêndio: ficam os destroços do espaço e das pessoas. A destruição deste cortiço e a ambição de J. Romão levam-no a construir outro cortiço. Aproxima-se mais de Miranda.
    Romão conta o tesouro de Libório, mas desanima quando vê que grande parte do dinheiro já não tem validade. Porém, ele é muito prático em relação ao dinheiro: a culpa não é da sua ambição, mas de Libório, que o guardou, e do governo, que limita os prazos de validade.
    As mudanças do cortiço não se verificam apenas ao nível do espaço, mas também das personagens. J. Romão continua a ver Bertoleza como obstáculo às suas ambições. Ela, apesar de o seu futuro ser estreito e sombrio, continua a adorar o amigo.
    Temos ainda a referência a Rita e Jerónimo, que já não apresenta nenhuma das características que faziam dele português, nem os seus hábitos de trabalho. Jerónimo abrasileirou-se de todo: preguiçoso, extravagante, luxurioso, ciumento; sem fazer economia, entregue apenas aos prazeres com a mulata.
    Pelo contrário, Piedade vivia num progressivo decadentismo, afundado na bebida e para quem o único prazer era a visita da filha, que vem desempenhar no cortiço o papel que antes era da responsabilidade de Pombinha. São duas personagens a quem foi dado um estatuto superior: Pombinha e Senhorinha, que também vão ter uma relação como a de Pombinha e Léonie.
    O capítulo termina com a visita de Piedade a Jerónimo e num ambiente de degradação.
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