tenho vontade de recomeçar,
reerguer escombros,
ruínas, tarefas de pão e linho,
não dar
nome às coisas senão o de um vago
esquecimento
abandono. despede-te de mim como
se a vida
recomeçasse agora, não me procures
onde
a memória arde e o destino se
ausenta.
tudo são banalidades, afinal,
quando assim
se recomeça e a vida falha como um
material
solar e ilhéu. levamos poucas
coisas, basta
um pouco de ar, os objetos fixos,
em repouso,
os muros brancos de uma casa, o
espaço
de uma mão. arrumo as malas e os
sinais,
aquilo que nos adormece em plena
tempestade.
A
terceira estrofe – novamente uma quadra, à semelhança da primeira – retoma a
dor, o sofrimento e os acontecimentos das anteriores: “tudo são banalidades”.
Diante do recomeço, tudo se torna banal. Por outro lado, a vida é falha,
frágil, visto que “falha como um material / solar e ilhéu”. A comparação quase
torna a vida algo físico, tangível, e os adjetivos «solar» e «ilhéu» traduzem as
ideias de luz e isolamento, solidão, sugerindo que a vida, embora sendo bela,
comporta esses sentimentos. Afinal, quando uma relação termina, se desfaz, e os
intervenientes se afastam, entram num mundo de solidão, de isolamento, mesmo
que temporário. Perante este cenário, o importante é levar poucas coisas desse
passado, dessa relação que terminou: “levamos poucas coisas”. São suficientes “um
pouco de ar, os objetos fixos, em repouso”, metáforas que indiciam que, no
processo de recomeço, o essencial é o respirar, encontrar a estabilidade e o
equilíbrio.
A última
estrofe – um terceto, tal como a segunda – abre com uma série de metáforas que
prosseguem a enumeração daquilo que o sujeito poético leva do passado: a do
muro branco evoca paz, pureza, ao passo que os muros e a casa traduzem uma
imagem de produção e refúgio; a da mão pode simbolizar o afeto; o ato de
arrumar as malas associa-se à partida, mas também à preparação para algo novo,
enquanto os sinais remetem para memórias, vestígios de algo que existiu,
todavia entretanto terminou, no fundo, “aquilo que nos adormece em plena
tempestade”, isto é, que nos acalma durante momentos conturbados. Pode
tratar-se do amor na sua forma mais serena ou da aceitação da perda.
Em síntese, estamos na presença de um poema que reflete sobre o fim de uma relação amorosa e a resiliência necessária para enfrentar, bem como o processo de recomeço.