Nos
dias seguintes, Zezé toma precauções (por exemplo, sair mais cedo de casa,
caminhar pela sombra) para não se encontrar com o Portuga, figura que lhe
provocava uma grande raiva, a ponto de desejar matá-lo futuramente, porém, com
a passagem do tempo, o medo e a hostilidade diminuem, sobretudo porque o
português desaparece por alguns dias, o que lhe traz alívio.
O tempo
vai passando, a vida da rua segue o seu curso normal. A estação muda e o menino
afasta-se um pouco de Minguinho, que continua a crescer, assim como a criança,
que se aproxima dos seis anos. A cumplicidade entre ambos continua a
estreitar-se e as conversas tornam-se sobretudo relevantes após as sovas que
Zezé apanha. O narrador detalha o modo como decora a árvore, usando tampinhas
de garrafa e pedaços de linha, e admira como o vento as faz baterem umas nas
outras, dando uma imagem poética e vívida. Por outro lado, a vida na escola
decorre bem: já conhece vários hinos nacionais de cor, destacando o da
Liberdade como o seu preferido. Todas as terças-feiras falta às aulas para se
encontrar com Ariovaldo e venderem, juntos, os folhetos do músico. Durante os
recreios, gosta de jogar bola de gude, jogo que lhe granjeou o epíteto de
«rato» por causa da sua boa pontaria, que lhe permitia ganhar muitas bolinhas.
A professora vê-o como um menino especial e sente grande carinho por ele.
Conhecedora da pobreza em que vive, à hora do lanche, chama-o à parte e dá-lhe
dinheiro para ele ir comprar um sonho recheado. Além disso, não acredita que
seja travesse ou diga palavrões. Em contrapartida, ele porta-se bem nas aulas
(“... eu era um anjo.”), não tem qualquer repreensão e torna-se o oferecido das
professoras por ser um dos alunos mais pequenos.
Certo
dia, Manuel Valadares regressa, passa lentamente por ele de carro e buzina-lhe,
enquanto sorri. A partir daí, diariamente, a caminho da escola, Zezé continua a
cruzar-se com o veículo do Portuga, que continua a buzinar-lhe, porém o menino
não quer dar-lhe importância, visto que mantém o desejo de se vingar no futuro.
Como é evidente, corre a contar estes eventos ao amigo Minguinho, que continua
a crescer, daí que a criança necessite de um caixote para lhe subir.
Numa
tarde, não consegue resistir ao aroma das goiabas que lhe chega da casa da
vizinha Ifigénia e decide tentar roubar alguma. No entanto, é surpreendido pela
mulher, que lhe grita da janela da cozinha. Ato contínuo, ele foge e salta para
dentro do valão, porém magoa-se num pé com gravidade (espeta um pedaço de vidro
no pé), mas omite as dores intensas que sente com medo de ser castigado.
Astutamente, procura Glória – Godóia – na cozinha, a irmão de quinze anos, que
fica muito preocupada não só com a profundidade do corte, mas também com as
palavras de desalento do irmão, que chega a referir a possibilidade de se
suicidar ao atravessar a Rio – São Paulo. Ao jantar, Glória disfarça a ausência
da criança, dizendo que se fora deitar, porque tinha dor de cabeça, em
resultado das sovas constantes que apanhava (naquele dia tinham sido três).
Na
manhã seguinte, ao ir para a escola, cruza-se novamente com o português, que se
apercebe do ferimento no pé e se oferece para o ajudar. Zezé, inicialmente,
ignora-o e procura seguir o seu caminho, mas Manuel Valadares corta-lhe a
passagem com o automóvel, desce e fala-lhe docemente, o que deixa o narrador
espantado com aquela atitude de alguém que, alguns dias antes, lhe tinha
batido. De seguida, oferece-se para o levar à escola, mas Zezé só aceita depois
de o Portuga lhe prometer que o deixará antes de chegar à escola, pois a
criança sentirá vergonha se os colegas – que sabem da sova que o homem lhe deu
– o virem na sua companhia. Esta é a peripécia que irá transformar o
curso da ação, na opinião de Miguel Neves Santos (op. cit., p. 20), dado que o
português o leva a uma farmácia para tratar a ferida, antes que apanhe tétano,
dá-lhe força e coragem para enfrentar as dores e leva-o até perto de casa. Zezé
fica tão impressionado com a atitude do antigo inimigo que passa a nutrir um
forte apreço e gratidão por ele: “O Português tinha se tornado agora a pessoa
que eu queria mais bem no mundo.”
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