Aqui foi a casa:
Alva a toalha e o pão,
O berço além.
Breve a canção:
Bater de asa
O sorriso de mãe.
Veloz a hora:
Agora,
Só o coaxar noturno e certo
Das rãs,
Enche o campo deserto.
A
segunda estrofe é constituída por imagens que sugerem o domínio do passageiro,
como o exemplifica a alusão à canção breve, símbolo da transitoriedade. Essa
ideia é reforçada pela imagem do “Bater de asa”, que indicia o efémero, o
fugaz, como o tempo e a infância que passam. Também o sorriso da mãe constitui
uma imagem forte que transmite s noções de calor humano, carinho, afeto,
proteção, bem como um sentimento quase sagrado, ligado ao cuidado e à memória
afetiva. Esse sorriso e tudo o que ele simbolizava foi um bater de asa, não foi
duradouro; pelo contrário, foi passageiro – pelo menos, é essa a sensação do
sujeito lírico – e já não existe mais, pois pertence a um passado que já passou
e não voltará. Tudo passou muito rápido, como o bater de asas de uma ave.
A
terceira e última estrofe abre com um verso que retoma o tema central do texto:
a passagem do tempo e a brevidade da vida – “Veloz a hora”. O passado a que se
referiu anteriormente passou depressa. De seguida, através do advérbio de tempo
«agora», salta para o presente, que é um tempo que contrasta com o passado. De
facto, atualmente, não há mais risos, alegria, carinho, proteção, nem vida
doméstica e familiar, que foram substituídos pelo “coaxar noturno e certo das
rãs”. A noite é uma parte do dia propícia à solidão e à reflexão. Essa solidão,
agora, é preenchida apenas pelo som do coaxar das rãs. O ambiente, que outrora
era pautado pela presença humana, hoje é ocupado unicamente pelo elemento
animal. Por outro lado, a alusão ao coaxar dos batráquios remete para um som
constante, repetitivo, monótono, que preenche o silêncio, mas não traz alegria
ou felicidade ao sujeito poético. Em suma, do passado restam apenas as
lembranças, pois agora tudo é solidão, tristeza, monotonia e melancolia.
O poema
fecha com a imagem do “campo deserto”, o que remete para uma imagem de solidão.
Agora, o tempo passou e só resta o som das rãs, num lugar vazio, apenas
preenchido pelas lembranças. Deste modo, o “campo deserto” constituirá uma
metáfora da ausência, do presente esvaziado da presença humana e do afeto,
carinho e amor que antes caracterizava aquele espaço, o que contrasta
intensamente com a imagem da casa evocada nos versos anteriores. Note-se que um
campo pode ser associado a um lugar fértil, aberto à vida, à natureza, porém,
quando é adjetivado como «deserto», passa a significar abandono, silêncio e
solidão. O campo, que antes era habitado, sinónimo de família, amor e
intimidade, preenchido por sons humanos, agora é dominado pelo silêncio humano.
O tempo passou, a vida desapareceu daquela casa, e, presentemente, sobra
unicamente o eco da memória. O adjetivo «noturno», além do já referido, remete
para a noite, para o fim do dia, o que, simbolicamente, simboliza o fim de um ciclo,
a morte e o esquecimento. O adjetivo «certo» significa que o som das rãs é
constante, inaceitável, repetido – ele substitui os sons humanos do passado,
como a voz da música, o som da canção, o riso.
Nesse
contexto, as imagens da “toalha alva”, do “pão”, do “berço” e do “sorriso de
mãe” contrastam com o “coaxar noturno e certo / Das rãs” e o “campo deserto”,
desde logo porque as imagens dos dois tercetos carregam valores simbólicos de
acolhimento, alegria, calor humano, afeto, memória afetiva e pureza. A “toalha
alva” simboliza as ideias de limpeza, ordem, cuidado, enquanto o “pão” remete
para a nutrição, a vida e a comunhão familiares. O “berço” associa-se
claramente ao tempo da infância, da origem da vida e do amor protetor. Por seu
turno, o “sorriso de mãe” representa ternura, proteção, ideias sugeridas pela
figura materna. Tudo isto trabalha para construir uma imagem de aconchego,
proteção e vida familiar e íntima, onde há afeto e relações humanas. Pelo
contrário, o “coaxar noturno e certo das rãs” e o “campo deserto” associam-se a
outro universo simbólico. De facto, esses elementos representam a natureza
impessoal, que continua o seu percurso após a partida dos seres humanos,
levados pela morte. O som das rãs é repetitivo, monótono, quase mecânico,
opondo-se ao da canção, alegre, e à espontaneidade do sorriso materno. Por sua
vez, o campo deserto é um espaço aberto, sem limites e sem proteção, silencioso
e solitário, contrastando com o lar fechado, íntimo, familiar e seguro que constituía
a casa da infância. Este contraste traduz a passagem do tempo – desde logo
sugerida pela estrutura fragmentada do poema (os versos curtos e a ausência de
pontuação) – que tem como consequência a perda de uma presença afetiva e a
transformação do espaço vivido em espaço de memória.
O título
do poema, tendo em conta que o texto evoca tanto a memória de um passado alegre
e afetuoso quanto o vazio e a desolação do presente, pode parecer curioso. Por
um lado, pode representar a paz que surge como a solidão e o silêncio após as
mudanças ocorridas por efeito da passagem do tempo, ou seja, o presente é
desolador, mas, ao mesmo tempo, é silencioso, calmo. Tratar-se-á da paz de um
espaço desabitado, hoje de contemplação após a passagem do tempo, ou a paz num
sentido fúnebre ou espiritual, quer dizer, a que surge com a morte, com o fim
de um tempo, de um ciclo. Por outro lado, o título pode ser entendido com a
memória de um passado bom. Neste sentido, a casa do passado simboliza uma forma
de paz vivida: havia comida, amor, segurança e proteção. Esta paz vem associada
à simplicidade da vida familiar e quotidiana, ao pequeno e singelo gesto que
perdura na memória. Em suma, o título constitui uma espécie de síntese do
poema: um trajeto do afeto ao silêncio, da vida à lembrança, da presença à
ausência.