Português: 30/11/24

sábado, 30 de novembro de 2024

Análise do 9.° parágrafo do conto "A Aia"

    No que diz respeito à categoria tempo, este parágrafo confirma o seguinte: a maioria dos acontecimentos do conto tem lugar à noite. Neste caso, o evento é a invasão do palácio pelo tio bastardo e da sua horda, na tentativa de matar o principezinho e subir ao trono.
    O facto de se tratar de uma noite escura e de silêncio ajuda criar um ambiente de suspense e de mistério, bem como de ameaça iminente. Com a escuridão, os sentidos das personagens estão mais alerta, daí que estejam mais atentos a pequenos ruídos ou movimentos. Por outro lado, a noite é uma fase do dia em que as pessoas se encontram mais vulneráveis, pois encontram-se maioritariamente a dormir. Em terceiro lugar, a ausência de luz facilita a aproximação dos inimigos ao palácio, todavia o silêncio é um obstáculo ao ataque, dado que qualquer ruído será mais facilmente escutado pelos vigias.


    Quando às personagens, é o que sucede com a aia, que, quando se prepara apara adormecer, com os sentidos ainda assim despertos, “adivinhou, mais que sentiu, um curto rumor de ferro e de briga, longe…”. Ou seja, a protagonista pressente o que está a acontecer, no seu permanente estado de alerta para proteger o príncipe.
    Determinada, a ama procura confirmar o seu pressentimento e, após tê-lo feito, perante a ameaça iminente (“Num relance tudo compreendeu – o palácio surpreendido, o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu príncipe!”), não hesita e troca os bebés de berço para proteger o príncipe. A sua ação é rápida e firme, sem espaço para hesitação: “Então, rapidamente, sem uma vacilação, uma dúvida arrebatou o príncipe do seu berço de marfim, atirou-o para o pobre berço de verga – e tirando o seu filho do berço servil, entre beijos desesperados, deitou-o no berço real…”.
    Deste modo, a aia sacrifica o seu próprio filho por um bem maior: a defesa do príncipe e, consequentemente, do reino. Por outro lado, com este gesto, a protagonista confirma o seu forte senso de dever e lealdade… mas a que custo!
    Além disso, a troca de bebés mostra que a aia é uma mulher decidida e astuta. De facto, ela não pensa sequer em confrontar os invasores, optando por fazer uso de uma estratégia engenhosa para os enganar e, assim, salvar o príncipe, deitando-o no berço simples e pobre. Os assaltantes concluem, como se verá no parágrafo seguinte, que o príncipe dorme no berço rico, de acordo com a sua condição nobre. O plano da aia é simples, mas eficaz.
    Apesar da astúcia, frieza e racionalidade demonstradas na troca de bebés, o seu amor de mão está sempre presente, como se constata pela intensa emoção que evidencia (“entre beijos desesperados”) quando concretiza a sua ação.
    Por que razão uma mãe como a aia sacrificaria o seu próprio filho tão amado?

1.º) Por lealdade ao rei e à rainha.

2.º) Por um bem maior: o de todo o reino.

3.º) Por acreditar na vida além da morte.

4.º) Por acreditar que a vida depois da morte é uma continuação da vida terrena.


    Relativamente à linguagem, a deste parágrafo espelha alguma formalidade, mático e elevado. É o que sucede, por exemplo, através do recurso a expressões como “arrebatou o príncipe” ou “atirando os cabelos para trás”, que conferem à narrativa uma certa grandiosidade.
    Outro recurso importante são os verbos de ação. Formas verbais como «descerrou», «arrebatou», «atirou» ou «cobriu» criam uma sensação de movimento, de dinamismo e urgência. Por exemplo, o verbo «arrebatar» evidencia a rapidez e a determinação com que a aia troca os bebés de berço. Por outro lado, a presença de outras formas verbais, no pretérito perfeito («adivinhou», «escutou») remete para ações já concluídas.
    Em terceiro lugar, destacam-se as sensações, nomeadamente as visuais e auditivas. A alusão ao som de “passos pesados e rudes” (hipálage e adjetivação) e de um corpo “tombando molemente” (advérbio de modo) criam a noção de imagens auditivas intensas, vívidas, o que sucede igualmente com as sensações visuais, como “um clarão de lembranças, brilhos de armas…”.
    Outro recurso relevante é a antítese. Esta é visível, por exemplo, entre o silêncio inicial e o súbito som de luta, ou entre a nobreza e o requinte que rodeiam o príncipe e a humildade e simplicidade do escravozinho. A troca de berços para salvar o príncipe reflete esses contrastes, pois o que permite, à partida, aos invasores, saber qual dos dois bebés é o príncipe é exatamente o berço: o mais rico é aquele onde dorme a vítima que buscam.
    Como é característico do conto, o narrador socorre-se da economia de diálogos, ou seja, não existe diálogo, havendo apenas a registar uma única fala em discurso direto, da autoria da aia. O efeito da ausência de diálogos prende-se, por um lado, com a construção de uma ação rápida e, por outro, com o aumento da tensão narrativa.
    A adjetivação é bastante expressiva, como sucede ao longo do conto. Assim, o adjetivo «curto», em “curto rumor de ferro e de briga”, sugere que o ruído que a aia ouviu ou pressentiu é breve, mas é o suficiente para a deixar em alerta. Por seu turno, a dupla adjetivação “pesados e rudes” a qualificar os passos sugere a aproximação de alguém ameaçador e rude. De facto, além da adjetivação, podemos vislumbrar na expressão a presença da hipálage, que consiste na atribuição de uma característica que pertence a uma pessoa a algo relacionada com ela. Assim, a lentidão e a rudeza, que, na realidade, pertencem à pessoa que caminha, são transferidas para os seus passos. Por outras palavras, o indivíduo que a aia ouve a caminhar é pesado e rude. Quanto ao adjetivo «desesperados», qualifica os beijos que a aia dá ao filho quando o retira do seu berço e o coloca no do príncipe, enfatizando o desespero e a dor infinita que sente ao fazê-lo e, assim, condená-lo à morte. No fundo, a protagonista vive um drama pessoal intensíssimo, dividida entre o seu instinto de mãe e o dever de proteger a vida do príncipe.
    A obra de Eça de Queirós inovou bastante no uso do advérbio. Neste excerto, a locução adverbial “à pressa” dá conta da rapidez com que a aia se veste por causa da urgência da situação: ela tem de se certificar rapidamente da causa e origem do barulho que ouviu. Da celeridade da sua atuação, depende a vida do príncipe. Por sua vez, o advérbio «violentamente» enfatiza a ânsia e a tensão que se apoderam da protagonista e a necessidade de agir rapidamente. Além disso, dão nota da necessidade de correr a cortina para evitar que alguém, a partir do exterior, consiga ver o que ela vai fazer: trocar os bebés de berço. Na frase imediatamente anterior, deparamos com «molemente», advérbio que traduz o modo como o corpo cai, já sem vida ou resistência. Já «rapidamente» expressa a celeridade com que a aia agiu, sem hesitação.
    Por último, a comparação “um corpo tombando molemente sobre lajes, como um fardo” caracteriza o modo como o corpo de um interveniente na luta caiu no chão, isto é, de forma simultaneamente mole e pesada.

Breve bosquejo das ideias que moldaram o século XVII

Docente: Dr. Henrique Almeida
Ano: 1989/1990

     A obra literária é o retrato do mundo circundante e, por isso, temos que nos debruçar sobre os condicionalismos económicos e sociais em que uma obra surge. O texto não surge afastado da época emque é produzido. Terá que se fazer uma inserção do texto na sua época. Os nossos pontos de referência cultural provêm da Europa, nomeadamente de França, Inglaterra e Alemanha. Daí procurarmos efetuar um levantamento cultural e social dos aspetos provenientes da Europa.
    O texto permite uma apreciação em dois pólos de estudo: reete para conceções da vida e sociedade de uma época; mas é passível de uma análise do texto inserido no policódigo literário.

    O século XVII aparentemente tinha sido um século inculto, porque não houve grades manifestações com caráter perdurável. Mas em vez de inculto, é mais correto o termo estéril, na medida em que a sua cultura surgiu desgarrada dos problemas reais da vida. Não é um século de grandes inovações.
    Não obstante, escreveu-se, pensou-se e construiu-se muito. No entanto, devido ao afastamento da vida real,  cultura desta época parece ter-se encaminhado para subterfúgios de estilo e racionalismo da história e da arte e de uma ligação marcada à época medieval, uma época de verdades feitas e aceites sem comprovções.Não havia a preocupação de inovação e enraizamento dos valores culturais.
    Mas o século XVII constitui um pólo importante. Para provar que não foi um século inculto, podemos falar em correntes ou combinações de ideias de Galileu, Spinoza, etc. Podemos, assim, falar no espírito racionalista de Descartes, no geometrismo indutivo de Spinoza, no empirismo dos filósofos ingleses como Lockee no experimentalismo de Bacon e no fisicismo de Newton. São correntes que marcam este século.
    O denominador comum a estas correntes é uma confiança total, sem restrições, na razão e no espírito crítico, de modo a combater as verdades tradicionais estabelecidas, as quais surgem aos olhos dos novos pensadores como fruto de superstições e crendices, como não tendo comprovação possível. Essas «verdades» eram recebidas como divinas. Nesta época, inicia-se um período de campanha crítica contra os valores do passado. Pope afirmou: "A natureza e suas leis estavam escondidas nas treveas: «faça-se Newton, disse Deus, e tudo brilhou»."
    Nesta altura, a Europa medieval tinha sofrido um abalo não só com o Renascimento, mas também com toda a sua renovação de ideias.
    Aos poucos criavam-se as bases para se alicerçarem as invações que estavam para chegar com o século XVIII. A linha do empirismo e do heliocentrismo do século XVIII foi sendo criada com os contributos do século XVII, apesar deneste não terem acontecido grandes inovações.
    É, em 1715, que surge o Iluminismo,ainda no tempo de Luís XIV, altura em que era evidente a transformação europeia, que foi designada por Paul Hazard como "a crise da consciência europeia", porque se dá uma rutura de mentalidades.
    A segunda vaga do Iluminismo corresponde ao movimento do Enciclopedismo. Já no século XVII tinha surgido uma obra de antecipação à obra Encyclopédie, escritaentre 1751 e 1755 por Diderot e d'Alembert e composta por 35 volumes. Esta enciclopédia foi vista como referente a um abalo sísmico em grau elevado em relação às verdades tradicionalmente aceites. Agora é verdadeiro aquilo que é verificável, raciona, captado pelos entisos e experimentável. Daqui se depreende que novas apetências começam a surgir no público, atinentes às ciências exatas e naturais. É uma época que traz consigo uma forte movimentação de apologia da razão e do progresso. Segundo este novo critério da razão, as pessoas acreditam no que é comprovável.
    Entramos nos alvores do Século das Luzes, que traz consigo um esforço de renovação cultural, que passa por uma corrente política: o despotismo iluminado,que tem em vista uma eficiência total e se vai subordinar à conceção do progresso humano. Usa-se a noção do Iluminismo que advém da luz, esclarecimento.
    O homem é visto não como uma criatura degradada pelo pecado original, submetido a leis divinas; ele domina a natureza pelas suas leis e conhecimentos exatos. Daí a importância do papel  da máquina,que seconexa a progresso técnico e científico com poderes ilimitados. Só o homem pode dominar o mundo, porque domina a razão. Devem ser abolidos os hábitros tradicionais e das desigualdades humanas. A razão passa a ser detentora do fiel da ciência. A ciência passa a ser divulgada segundo critérios tradicionais. Daí a designação de Século das Luzes. Entende-se que as superstições conduziam a injustiças humanas e estariam na base do sofrimento humano. Agora dominam os princípios da razão.
    Foi a confiança no poder da ciência que se chamou Iluminismo.

Análise do 8.° parágrafo do conto "A Aia"

    O parágrafo abre com a alusão ao ambiente geral que se vive no palácio real: “um grande temor enchia o palácio”. Na ausência do rei (morto) e do herdeiro, o príncipe (bebé de berço), quem governa agora é uma mulher (a rainha) entre mulheres. Este passo (“uma mulher entre mulheres”), por um lado, constitui um contraste entre a fraqueza associada ao género feminino e a força esperada em quem reina num contexto de crise. Quando um qualquer perigo espreita um reino, espera-se que haja uma liderança forte, o que não acontece neste caso, transparecendo uma sensação de fraqueza, representada pelo facto de quem lidera ser uma mulher.
    Por fim, o tio bastardo decide agir. O narrador prossegue a sua caracterização através da metáfora “homem de rapina”, que reafirma o seu caráter violento e cruel. Além disso, o recurso ao determinante artigo definido «o», em “O bastardo, o homem de rapina”, confere-lhe um sentido de generalização e singularidade, como se ele fosse o único e o pior de todos os do mesmo género.
    De seguida, o narrador referencia as suas ações e atitudes:

1.ª) Erra no cimo das serras, onde passa o seu tempo, uma posição estratégia que confirma a sua imagem de predador que está à espreita, ao longe, aguardando a melhor ocasião para atacar.

2.ª) Desce à planície com a sua horda, ou seja, abandona, por fim, as montanhas à frente de um grupo de facínoras (o termo «horda» evoca um grupo violento e desorganizado).

3.ª) Enquanto se encaminha para o palácio real, deixa um sulco de matança e ruínas (metáfora), isto é, destrói as aldeias e casais por onde passa, destruindo e matando o que encontra por onde passa. Esta ação confirma a caracterização traçada no texto até aqui: é um homem violento, bárbaro, cruel e impiedoso.

    De seguida, o narrador descreve os preparativos de defesa da cidade:

1.º) Reforço das portas da cidade: “As portas da cidade tinham sido seguras com cadeias mais fortes.

2.º) Monitorização das atalaias: “Nas atalaias ardiam lumes mais altos.”. Desta forma, aumenta-se a vigilância durante a noite.

    No entanto, a defesa da cidade enfrenta um grande problema: a falta de disciplina – “Mas à defesa faltava disciplina viril.” –, ou seja, não há uma força organizada, uma liderança enérgica e decidida, normalmente associada ao papel dos homens em tempo de guerra-

                Por que razões falta disciplina:

1.ª) “Uma roca mão governa como uma espada.” (comparação e metáfora): uma mulher (“roca”) é frágil comparativamente ao homem (“espada”) numa sociedade tradicional, ou seja, uma mulher não tem a capacidade guerreira de um homem – a rainha é incapaz de defender o reino após a morte do rei. A metáfora da «roca» (objeto usada para fiar) e da «espada» (arma de combate) sugere que, embora a rainha esteja disposta a liderar a defesa do palácio e a exercer o seu papel de rainha, não possui a força nem a experiência para o fazer, o que resulta numa liderança frágil e emocional (note-se que os termos usados apontam para os papéis tradicionais atribuídos a mulheres e homens: a roca remete para tarefas domésticas, enquanto a espada se associa à violência, à ação, à morte; a mulher é um ser mais recatado, circunscrito ao ambiente caseiro, aos filhos, ao cuidar da casa e criar uma família, enquanto o elemento masculino está mais predisposto à violência física).

2.ª) “Toda a nobreza fiel perecera na grande batalha.” (eufemismo: o uso do verbo «perecer» destina-se a suavizar a ideia de morte): a elite guerreira da nobreza morrera na guerra juntamente com o rei, pelo que restavam apenas aqueles que não possuíam capacidade estratégia e militar, bem como força, para lutar.

3.ª) “E a rainha desventurosa apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu filhinho e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva.”: a rainha está mais preocupada com a segurança do filho do que com o reino, daí que passe o tempo a correr do e para o quarto do filho, o que faz com que não haja uma liderança adequada e efetiva.

    Nesse ambiente de medo e desorganização, apenas a aia permanece «segura», enquanto protege o príncipe. A comparação dos seus braços às muralhas de uma cidade sugere a força e a determinação com que defende o herdeiro do trono. Por outro lado, estabelece um contraste entre a firmeza da escrava e a fraqueza da rainha, que apenas sabe chorar.

Análise do 7.° parágrafo do conto "A Aia"

Personagens


    Apesar na sua crença na vida para além da morte e da sua continuação noutro plano, enquanto mãe, não deixa de recear pelo destino do principezinho, o que mostra que está consciente dos perigos que agora corre, após a morte do pai: “[…] também ela tremia pelo seu principezinho!”. Atente-se na expressividade do determinante possessivo «seu», que reflete a devoção, o cuidado e o afeto maternal que a aia sente pelo príncipe, que trata como se fosse seu filho. Além disso, mostrou-se, ao longo do tempo, ansiosa e extremamente preocupada com o destino do herdeiro do trono, reconhecendo a sua fragilidade e o longo caminho que terá de percorrer até ao estado de adultez: “[…] pensava na sua fragilidade, na sua longa infância, nos anos lentos que correriam antes que ele fosse ao menos do tamanho de uma espada […]”. Muito tempo passaria ainda até que ele pudesse ocupar o seu legítimo lugar no reino e exercer o poder.

    Deste modo, a aia não esconde a sua preocupação com o destino do principezinho, sobretudo por causa da ameaça constante do tio bastardo, que deseja usurpar o trono e, para tal, terá de se desfazer do sobrinho. Este receio, esta preocupação revelam o seu forte sentido de dever, responsabilidade e lealdade.

    Apesar de todo o afeto que nutre pelo príncipe, a aia possui um amor superior pelo próprio filho. Ao contrário do herdeiro do trono, que está relacionado com o poder e rodeado de inimigos e de perigos, o pequeno escravo, por causa dessa sua condição, está livre dessas questões, daí que a mãe sinta que está mais protegido do que o príncipe: “Esse, na sua indigência, nada tinha a recear na vida.”

    Este parágrafo torna claro que, não obstante demonstrar uma ternura por ambas as crianças, o faz de formas diferentes. Assim, os beijos q     ue dá ao príncipe são “ligeiros”, enquanto os entregues ao escravozinho são “pesados e devoradores”, metáfora que significa que são mais intensos, viscerais, profundos e possessivos. Outra metáfora – “Desgraças, assaltos da sorte má nunca o poderiam deixar mais despidos das glórias e bens do mundo do que já estava ali no seu berço…” – apresenta-o como desprovido, desde o seu nascimento, de qualquer riqueza ou estatuto social, pois até a sua nudez é coberta apenas por um “pedaço de linho branco”. Contrariamente ao príncipe, que está destinado a assumir grandes possibilidades, a deter enorme poder e a viver rodeado de riqueza, o pequeno escravo nada tem a perder em termos materiais, porque nada possui.

    Ora, essa ausência de bens materiais e de estatuto social, proporcionam-lhe uma certa liberdade e proteção física e emocional: as preocupações e os problemas associados ao poder e à riqueza, que pesarão, no futuro, sobre o príncipe, não o atingirão: “[…] nenhum dos duros cuidados com que ela enegrece a alma dos senhores roçaria sequer a sua alma livre e simples de escravo.”

    Por outro lado, a afirmação segundo a qual “A existência, na verdade, era para ele mais preciosa e digna de ser conservada que a do seu príncipe” quer dizer que, embora o príncipe seja o herdeiro de um trono e, em termos materiais, a sua vida possa ser considerada mais importante, logicamente, para a aia, a vida do seu filho possui mais valor. Que a razão justifica esta postura? O escravozinho tem à sua frente uma existência com menos cuidados e preocupações que, na sua mente, “enegrecem a alma” dos que possuem e exercem o poder. Assim sendo, uma vida simples e humilde são superiores, na ótica da aia, a uma existência marcada pelo exercício do poder e das responsabilidades que caberão ao príncipe.

    Outra personagem visada neste excerto é o tio bastardo, que é descrito como uma pessoa «cruel», sombria e ameaçadora. Fisicamente, tem a pele escura (comparação hiperbólica “de face mais escura que a noite”) e, psicologicamente, possui uma maldade interior superior, mais profunda do que a sua expressão exterior (comparação hiperbólica “coração mais escuro que a face”), é extremamente ambicioso e deseja fortemente o trono (“faminto do trono”), que procura usurpar sem quaisquer escrúpulos. Além disso, retoma-se neste parágrafo a metáfora do lobo, de atalaia, à espera da presa (“… espreitando de cimas do seu rochedo entre os alfanges da sua horda!”), ou seja, sugere-se que está à espreita, a observar e a esperar o momento oportuno para atacar, tal como faz um animal predador. Assim sendo, confirma-se que o tio representa uma ameaça constante para o príncipe e o reino.


Elementos simbólicos

 
    A peça de linho branco que envolve o corpo do príncipe é simbólica. Por um lado, o branco está associado, tradicionalmente, à pureza e à simplicidade, parecendo enfatizar a ideia de que uma vida despojada de ambições e preocupações é extremamente valiosa. Por outro lado, poderemos estar perante uma crítica ao fardo que constitui uma existência caracterizada pela riqueza e pelo exercício do poder.
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