Em Portugal:
Enquanto estas teorias faziam furor na Europa culta, que vivia uma época áurea no campo das artes, em Portugal, no século XVII, fazia-se uma travessia no deserto no campo das artes por razões políticas.
Vivia-se uma decadência com duas grandes causas:
a) por um lado, a repressão da Inquisição,que causa uma estagnação cultural;
b) por outro lado, vivíamos numa crise política e económica, que veio a culminar com a
perda da independência.
Isto explica o desinteresse pelas letras nacionais.
À estagnação aliava-se a Inquisição e a censura política do governo espanhol, que procurava eliminar tudo o que exaltasse o caráter patriótico. O passado era uma compensação para o presente.
Os que tinham mais imaginação refugiavam-se no passado, porque não ia tanto contra o domínio espanhol. Procuravam na história temas para a sua escrita. Temos, por exemplo,uma obra de Frei António de Brito e Frei António Brandão, que é uma verdadeira história de Portugal. Este patriotismo é exaltado pelo domínio espanhol como forma de não recusar os valores tradicionais. No domínio filipino, a língua mais falada era o espanhol, se bem que era aceite o bilinguismo. O Português passou a ser visto como uma espécie de tesouro a preservar. Os estudos linguísticos entravam na moda.
É desta época a famosa Corte na Aldeia (Rodrigues Lobo), datada de 1611. É constituída por dezasseis diálogos em prosa, em que se realça o cultivo do saudosismo da época em que Portugal era independente e assim se procurava escrever o Português com esmero. O autor pretende dar como exemplo uma linguagem castiça, autêntica e atual.
Os autores estavam sarciados em fronteiras por motivos políticos. Isto ainda com a independência em 1680.
Nos reinados seguintes, a cultura começa a assumir uma importância crescente, nomeadamente no reinado de D. José com o Marquês de Pombal,que renovou inclusive as universidades.
Estes factos têm importância, enquanto Portugal começaa fugir à estagnaçãoi em que viveu no passado século XVII,que foi um século de atraso cultural para Portugal. No reinadode D. José, em parte devido às transações comerciais, desenvolveu-se o aspeto cultural.
Estrangeirados:
Na Europa, vamos encontrar emigrados portugueses não só exilados,mas também intelectuais que aí procuram um novo processo de aculturação.
Tempos, pois, portugueses que se fixam em certos países europeus devido a missões diplomáticas ou fugidos à censura inquisitorial.
São os estrangeirados. No primeiro grupo, temos Francisco Oliveira, Marquês de Pombal, D. Luís da Cunha, etc. No segundo grupo, temos Ribeiro Sancho e Luís António Verney.
O pensamento dos esrangeirados, iluminados por princípios iluministas aliados ao empirismo ou utilitarismo, veio provocar alterações em Portugal.
A crise mental portuguesa do século XVII mais não era do que a consequência da falta de cultura e esta era devida ao tipo de ensino feito em Portugal, entregue nas mãos dos jesuítas.
A importância de Luís António Verney:
O pensamento dos estrangeirados vem na linha do Iluminismo / Utilitarismo.
Nesta crise cultural de Portugal, temos que ter em conta o tipo de ensino entregue aos jesuítas com uma orientação tradicional de verdades reveladas. Era um ensino especulativo, dognático e teológico.
Para os estrangeirados, era necessário substituir os mestres, pois os princípios científicos não se adaptavam aos dogmas antigos. Era necessário dar lugar àobservação dos factos e à sua comprovação pela experiência. Estamos perante os ventos vindos da Europa, com Newton, Rousseau, Voltaire, etc.
Os estrangeirados eram portugueses que viviam no estrangeiro e que modificara, a estrutura mental do país, uma vez que iam recolhendo as novas correntes do pensamento europeu da altura.
Estrangeirados é uma designação dada pelos que cá viviam e que se chocavam com as ideias que eles traziam. Os estrangeirados intervinham efetivamente na vida cultural portuguesa, escrevendo textos que causaram polémica.
Um dos estrangeirados mais importantes foi Luís António Verney (1713-1792). Teve uma educação primorosa, entregue aos jesuítas e vai voltar-se contra o ensino que praticavam, precisamente porque o conhecia por dentro. Elenão condena apenas os jesuítas, mas todo o ensino que tinha como base dogmas.
A sua obra O Verdadeiro Método de Estudar foi publicada em 1746 e é a compilação de dezasseis cartas que ele envia de Roma para Portugal. Na segunda publicação da obra, ele escreveu sob o pseudónimo de Barbadinho. Esta obra é um marco histórico no Portugal de então. Deu lugar a uma grande polémica e, segundo uns, marca o reinado da escolástica em Portugal. Continha as bases de uma reforma profunda em todos os campos do saber,abandonan-se à autoridade dos filósofos antigos.
A crítica e estudo de Verney estenderam-se a vários domínios:
i) ensino universitário;
ii) ensino da teologia (critica as subtilezas inúteis com que se entretinha a teologia, devendo preocupar-se mais com os textos bíblicos);
iii) ensino do Direito, que se limitava a especulações metafísicas;
iv) ensino da Medicina, que se convertera em erudição e comentários de autores antigos;
v) ausência do ensino da língua materna, porque só se estudava a gramática latina;
vi) outros domínios.
Por detrás desta obra está subjacente a teoria dos mestres do Iluminismo.
Para Verney, "filosofar é igual a raciocinar cientificamente". Ele diz que o exemplo dos juízos sobre princípios evidentes é a Matemática. É um projeto de reforma do ensino em Portugal, por detrás da qual está o princípio do materialismo mecanicista.
Até na literatura Verney pretende defender os princípios científicos. A condição fundamental da poesia é a verdade, pois o que se sabe ser falso não interessa ao leitor. Chega mesmo a afirmar que alguns passos da lírica camoniana carecem de sentido lógico, porque o poeta usa a mitologia, logo não se fundamenta na verdade e não tem sentido lógico.
A obra de Verney traduz princípios racionalistas que vão talvez longe demais, porque tudo o que se escrevesse deveria estar de acordo com a experiência e contemplar apenas os fenómenos da natureza; devia ter um fim pragmático e para ele ela é apenas um ornamento.
Esta obra é constituída por 16 cartas dirigidas a um professor de Coimbra e cada uma ocupando-se de uma disciplina do plano de estudos vigente. Critica, fundamentalmente, o estudo que se fazia e propunha reformas. A maior reforma traduzia um novo espírito de orientação global mais do que propriamente uma planificação.
O conteúdo das suas cartas era o seguinte:
=> carta I: língua portuguesa;
=> cartas II-IV: gramática latina e latinidade: Grego, Hebraico, línguas modernas;
=> cartas V-VII: retórica e poesia;
=> cartas VIII-XV: lógica, metafísica, medicina, direito civil, direito canónico, teologia,
física e ética;
=> carta XVI: regulamentação geral dos estudos.
No sentido genuíno da palavra, esta obra não pode ser considerada literária, mas incluir-se dentro da bibliografia pedagógica de cariz didático. Em cada carta há uma crítica aos estudos vigentes e depois apresenta propostas de reformas.