Português: 25/12/24

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Análise da obra O Cortiço, de Aluísio de Azevedo

 I. Biografia de Aluísio de Azevedo


II. Obras de Aluísio de Azevedo


III. Período literário


IV. Ação

        . Resumo

        . Capítulos

            . Capítulo I

            . Capítulo II

            . Capítulo III

            . Capítulo IV

            . Capítulo V

            . Capítulo VI

            . Capítulo VII

            . Capítulo VIII

            . Capítulo IX

            . Capítulo X

            . Capítulo XI

            . Capítulo XII

            . Capítulo XIII

            . Capítulo XIV

            . Capítulo XV

            . Capítulo XVI

            . Capítulo XVII

            . Capítulo XVIII

            . Capítulo XIX

            . Capítulo XX

            . Capítulo XXI

            . Capítulo XXII

            . Capítulo XXIII


V. Personagens

        1. João Romão

        2. Bertoleza

        3. Miranda



VI. Conclusões

        a) Forma

        b) Conteúdo


Caracterização de Miranda

    Miranda, uma das personagens de O Cortiço, é o típico comerciante português cuja descrição física reflete o seu estatuto social, caráter e contexto histórico. Embora Aluísio Azevedo não aprofunde o seu retrato físico, os traços destacados ao longo do romance ajudam a compor a imagem de um homem representativo da burguesia em ascensão na época.

I. Traços Físicos:
 
  1. Estatura Mediana: Miranda é descrito como um homem de porte médio, sem traços que o distingam no que diz respeito à altura ou imponência. A sua presença física está mais ligada à seriedade do que à força ou à beleza.
  2. Fisionomia séria e controlada: Ele apresenta um semblante grave, com feições alinhadas com a sua personalidade rígida e metódica. Aa expressão facial tende a ser severa, indicando preocupação constante com as aparências e o status social.
  3. Traços europeus: Como imigrante português, Miranda possui características típicas da etnia lusitana, como, por exemplo, pele clara e traços que não são descritos como belos, mas sim comuns e adequados ao seu estatuto de comerciante.
  4. Cabelo bem tratado: Embora o romance não se detenha na descrição específica do cabelo, pode deduzir-se que tem uma aparência limpa e cuidada, em consonância com a preocupação com a imagem pública.
  5. Postura rígida e formal: O seu comportamento e a sua postura refletem um homem que valoriza o autocontrole e a disciplina e que tende a exibir uma postura ereta, denotando seriedade e respeito.
  6. Vestuário elegante: Miranda veste-se de forma sóbria e alinhada, utilizando roupas que simbolizam a sua posição social como comerciante burguês, mas sem ostentação. Essa escolha reflete a tentativa de ser reconhecido como um homem respeitável e bem-sucedido.
  7. Físico não atlético: O romance não contém grandes referências a atributos físicos que sugiram vigor ou força, o que indicia que Miranda não é um homem de trabalho físico, mas, sim, um indivíduo dedicado à vida comercial e ao mundo das relações sociais.

                Em suma, a aparência da personagem está intimamente ligada à sua busca por respeitabilidade e ascensão social. Ele é o retrato do português típico da época, que migra para o Brasil em busca de oportunidades e constrói a sua identidade em torno do trabalho e da moral burguesa. Esses traços físicos, embora simples, servem para reforçar a sua personalidade e o contraste com outras personagens do romance, como João Romão, mais brutal e ambicioso. Assim, a sua figura física não é chamativa, mas funcional, coerente com a mensagem naturalista da narrativa, que utiliza o físico das personagens como extensão das suas condições sociais e psicológicas.

 
II. Retrato social

1. Classe social e ocupação profissional:
  • Miranda é um comerciante português bem-sucedido, representante da pequena burguesia. Ele é proprietário de um armazém, o que lhe garante uma posição económica estável e distingue-o socialmente no bairro onde vive.
  • A atividade profissional reflete a figura do imigrante português que enriquece por meio do comércio, um estereótipo frequente na literatura da época.
2. Aspiração à ascensão social:
  • Um dos traços mais marcantes de Miranda é a constante preocupação que manifesta em manter e elevar o seu status social. Assim, procura afastar-se da rusticidade e vulgaridade que percebe nos vizinhos, como João Romão, e almeja ser reconhecido como um homem respeitável e distinto.
  • Para reforçar essa imagem, Miranda valoriza uma vida organizada e pautada pelas normas da sociedade burguesa.
  • No entanto, embora se situe, socialmente, num patamar superior ao dos operários e moradores do cortiço, Miranda não ocupa um lugar elevado na hierarquia social. Ele sente-se desconfortável ao perceber que, mesmo sendo proprietário e comerciante, a sua posição é precária em comparação com os verdadeiros ricos ou com os aristocratas que tenta imitar.
3. Casamento como ferramenta de ascensão social:
  • A relação com Estela, sua esposa, é uma extensão da sua estratégia social. De facto, casou-se com ela por interesse, visando consolidar a sua respeitabilidade, mesmo que o casamento seja infeliz. Estela despreza-o e é infiel, o que reforça o contraste entre a aparência de ordem que Miranda tenta projetar e a realidade do fracasso pessoal.
4. Relação com outras personagens:
  • Miranda tenta diferenciar-se de João Romão, o ambicioso e grosseiro proprietário do cortiço, que representa o oposto da moral e da ordem que procura. Contudo, o contraste entre os dois também evidencia a hipocrisia e as limitações de Miranda, que, apesar da sua pretensão, é prisioneiro da própria mediocridade.
  • A interação com moradores do cortiço e com figuras de status inferior demonstra uma atitude condescendente e a sua tentativa de distanciar-se da vulgaridade.

III. Caracterização psicológico-moral

  1. Rigidez e Formalidade:
    • Miranda é uma pessoa metódica e rígida nas suas ações e decisões, o que se espelha na preocupação excessiva com as normas e os padrões sociais. Ele não suporta a desordem, seja no trabalho ou na vida pessoal, e a rigidez reflete o desejo de controlar a sua realidade.
  2. Insegurança Social:
    • Apesar de seu status enquanto comerciante bem-sucedido, Miranda sente-se constantemente ameaçado pela posição intermediária que ocupa na hierarquia social. Ele teme cair no mesmo nível dos trabalhadores e vizinhos mais humildes e nutre uma ansiedade constante em reafirmar sua superioridade.
  3. Aparência versus realidade:
    • A sua personalidade é marcada por um grande esforço em aparentar decoro e respeitabilidade. No entanto, por trás dessa fachada, mostra-se um homem infeliz, consciente da superficialidade das suas conquistas e da hipocrisia que caracteriza a sua existência, especialmente no que respeita ao casamento.
  4. Passividade e conformismo:
    • Miranda tem uma personalidade passiva, especialmente no âmbito pessoal. Apesar de ser humilhado por Estela, sua esposa, aceita a situação e evita confrontá-la para não comprometer a imagem pública. Essa passividade reflete a incapacidade de enfrentar conflitos emocionais de forma direta.
  5. Orgulho ferido:
    • Internamente, Miranda sofre com o desprezo da esposa e com a consciência de impotência diante de João Romão, cuja ambição e agressividade desafiam a sua postura formal. Ele sente-se diminuído por não ter a mesma determinação brutal para conquistar mais poder e riqueza.
  6. Respeito pelas regras:
    • Psicologicamente, Miranda é moldado por um profundo respeito pelas normas sociais e morais. Ele acredita que o cumprimento das regras é essencial para preservar a sua posição, mesmo que isso implique a repressão de desejos ou emoções.
  1. Moralidade aparente:
    • Miranda tenta projetar uma imagem de homem moralmente correto e íntegro. Defende a ordem, a disciplina e as boas maneiras. Contudo, a sua moralidade é superficial, mais voltada para agradar à sociedade do que para refletir uma verdadeira virtude interna.
  2. Hipocrisia:
    • Moralmente, Miranda é um hipócrita. Embora exija decoro e comportamento exemplar dos outros, ignora os problemas éticos que se manifestam na própria casa, como a infidelidade da esposa. A sua complacência revela a importância maior que dá às aparências do que à ética verdadeira.
  3. Egoísmo social:
    • Apesar de aparentar ser generoso ou justo, as ações são frequentemente motivadas por interesses pessoais. Evita envolver-se em questões que não tragam benefícios diretos para a sua imagem ou status, demonstrando uma visão moral utilitarista.
  4. Falta de coragem moral:
    • Miranda não demonstra força para confrontar situações que coloquem a sua integridade à prova. A aceitação passiva da infelicidade conjugal e a incapacidade para se impor perante João Romão revelam uma fraqueza moral significativa.
  5. Conservadorismo moral:
    • Ele é profundamente conservador, apegado a valores tradicionais que sustentam a estrutura social e hierárquica. Essa moralidade rígida e antiquada impede-o de se adaptar a mudanças ou de lidar com situações fora da sua zona de conforto.
  6.  Mentalidade conservadora e preocupação com as aparências:
o    Miranda é conservador e rígido no que concerne à sua visão do mundo, refletindo os valores tradicionais da burguesia portuguesa. Por isso, valoriza a moralidade pública, mas a sua vida privada, marcada pela infelicidade conjugal, revela um contraste entre a fachada que procura manter e a realidade.
o    Está constantemente preocupado com as aparências, evitando escândalos e procurando manter uma imagem de decência e ordem.
 
IV. Relação com outras personagens
 
Relação com João Romão:
  1. Rivalidade Velada:
    • João Romão é o proprietário do cortiço, um homem ambicioso e brutal que almeja ascender socialmente a qualquer custo. Miranda, embora financeiramente estável, sente-se desconfortável com a ascensão de Romão, vendo-o como uma ameaça à ordem e aos valores que acredita defender.
    • A relação entre os dois é marcada pelo contraste entre a astúcia brutal de João e a formalidade conservadora de Miranda. Apesar de desprezar a sua grosseria, Miranda reconhece e teme a sua capacidade de prosperar e acumular riqueza.
  2. Superioridade Social:
    • Miranda tenta colocar-se como superior a João Romão, enfatizando a sua educação e modos refinados. No entanto, o pragmatismo e a determinação de João muitas vezes fazem Miranda sentir-se inferior e frustrado.

Relação com Estela (a esposa):
  1. Casamento de conveniência:
    • Miranda casou-se com Estela não por amor, mas por interesse social, pois esperava que o matrimónio consolidasse a sua posição como um homem respeitável. Neste cenário, não é de estranhar que a relação seja marcada pela frieza e infelicidade.
  2. Desprezo e Infidelidade:
    • Estela despreza Miranda, considerando-o passivo e medíocre. Trai-o abertamente, demonstrando a sua insatisfação com o casamento. Apesar disso, ele opta por ignorar as infidelidades para preservar a imagem pública.
  3. Passividade de Miranda:
    • Como se depreende do que já foi dito, evita confrontar Estela ou resolver os problemas conjugais, preferindo manter as aparências. Assim, a relação entre ambos reflete a hipocrisia e a falta de coragem moral de Miranda, que prioriza a reputação acima da felicidade pessoal.

Relação com os moradores do cortiço:
  1. Distanciamento social:
    • Miranda tenta manter distância dos moradores do cortiço, que representam a classe trabalhadora e a "vulgaridade" que ele despreza. Ele vê essas pessoas como inferiores, um retrato de tudo a que não deseja estar associado.
  2. Apatia e desprezo:
    • Por outro lado, não demonstra interesse genuíno pelos problemas dos habitantes do cortiço e interage com eles apenas quando necessário, reforçando a barreira social que os separa socialmente.

Relação com Firmo e Léonie:
  1. Indiferença e Condescendência:
    • Miranda, embora não se envolva diretamente com essas personagens, considera figuras como Firmo (um capoeirista) e Léonie (uma prostituta) como representações da decadência e vulgaridade que procura evitar.

Relação com outros burgueses:
  1. Tentativa de aceitação:
    • Miranda procura ser aceite pelos membros da alta burguesia e aristocracia, tentando imitar os seus modos e valores. No entanto, frequentemente é olhado como um aspirante sem o refinamento ou a origem necessária para ser totalmente integrado.
  2. Falta de identificação:
    • Apesar das suas aspirações, Miranda não consegue sentir-se confortável entre as classes superiores, demonstrando a sua posição incómoda entre o cortiço e a elite.

V. Representatividade social

1. Representação da burguesia em ascensão:
  • Miranda é o arquétipo do pequeno burguês, típico do Brasil do século XIX, que procura firmar-se como respeitável e distinto, mas que, ao mesmo tempo, enfrenta as limitações impostas pela sua origem humilde e pela sua posição intermediária na hierarquia social.
  • Ele reflete os valores da burguesia emergente: o apego às aparências, o conservadorismo moral e o desejo de se distanciar das classes populares enquanto almeja ser aceite pela elite.

2. Contraponto à ascensão bruta de João Romão:
  • Miranda é o oposto de João Romão, cuja ascensão está baseada na ambição desmedida, no trabalho incansável e na falta de escrúpulos.
    • Enquanto Miranda tenta preservar uma imagem de decoro e civilidade, João Romão é movido por pragmatismo e brutalidade.
    • Essa oposição ilustra duas faces da ascensão social no Brasil do período: a tentativa de manter uma moralidade (ainda que hipócrita) e a conquista sem limites éticos.

3. Crítica à hipocrisia social:
  • Miranda simboliza a hipocrisia da sociedade burguesa, que valoriza mais as aparências do que a verdadeira moralidade:
    • Ele mantém um casamento de conveniência com Estela, ignorando a sua infidelidade para não comprometer a imagem pública.
    • Finge desprezar João Romão, mas teme a sua capacidade de o superar economicamente.
    • Vive uma vida de aparente ordem, mas internamente é inseguro, infeliz e cobarde.

4. Mediação entre classes:
  • Miranda situa-se entre o cortiço (classe trabalhadora) e a aristocracia (classe alta), simbolizando uma classe intermediária que aspira à nobreza, mas teme ser confundida com os pobres.
    • Ele tenta distanciar-se dos moradores do cortiço, mas, ao mesmo tempo, a sua origem e posição tornam-no vulnerável às críticas da elite.

5. Função crítica no romance:
  • Através da figura de Miranda, Aluísio Azevedo critica:
    • A superficialidade das aspirações burguesas: o desejo de Miranda por respeitabilidade não o torna mais feliz ou virtuoso, apenas reforça a sua hipocrisia.
    • A ineficácia da rigidez moral: a tentativa de se alinhar com os valores da alta sociedade fracassa, evidenciando a fragilidade da sua posição.
    • A ilusão da ascensão social pacífica: Enquanto João Romão usa métodos brutais para subir na vida, Miranda, que adota uma abordagem passiva, é engolido pelas circunstâncias e limitado pelas suas inseguranças.

6. Representatividade no contexto do Naturalismo:
  • No contexto do Naturalismo, Miranda é uma figura que ilustra como o meio social e as condições históricas moldam o indivíduo. Ele é tanto produto quanto prisioneiro da sua classe social, incapaz de transcender os limites impostos pela hierarquia e pelos valores do seu tempo.
  • A sua posição social e as suas ações revelam como as forças externas (como a economia e a moralidade burguesa) influenciam comportamentos e relações.

Conclusão:

                Miranda representa a mediocridade e a fragilidade da burguesia média em O Cortiço. A sua existência é marcada pela busca incessante por respeitabilidade e por uma rigidez que não consegue sustentar internamente. Ele é uma peça-chave para a crítica social de Aluísio Azevedo, expondo as contradições e os conflitos de uma classe que tenta ascender sem ter a força de caráter ou os recursos da elite, e que teme profundamente ser confundida com os trabalhadores.

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