Não é fácil amar o que venceu,
o que leva alguns passos de
avançada,
que o amor só se oferece ao que
perdeu,
muito embora com culpa declarada.
Todavia, o que vence multiplica
sobre si as angústias de perder:
interroga, analisa e só complica
aquilo que não pode perceber;
e quando, em esgotamento
prematuro,
ele aceita uma calma provisória,
vêm os homens que o lançam contra
o muro
e lhe atiram ao rosto essa
vitória.
O
sujeito poético inicia o poema com uma constatação amarga: o vencedor não é
facilmente amado (“Não é fácil amar o que venceu”). De certa forma, esta ideia
de que o amor não se dirige ao vencedor contraria o senso comum. Pelo
contrário, o amor é destinado ao derrotado (“ao que perdeu”), à figura fragilizada,
mesmo que seja culpado de algo (da própria derrota?). Ou seja, ao invés do que
é comum, afirma-se a preferência por amar o que falha e é derrotado, em vez
daquele que triunfa. Deste modo, o vencedor, em lugar de ser celebrado, é
marginalizado no que toca ao amor, pelo que a vitória, o triunfo, em vez de
atrair o sentimento amoroso, repele-o.
O
quinto verso introduz uma ideia contrária, traduzida pelo recurso à conjunção
coordenativa adversativa «todavia»: aquele que vence, mesmo tendo triunfado,
não encontra paz, pelo contrário, “multiplica / sobre si as angústias de
perder. Ele carrega uma angústia: sente o peso da derrota, não por ter perdido,
mas por recear perder o que ganhou. A sequência de formas verbais presentes no
verso 7 – “interroga, analisa e só complica” – denuncia o seu estado de
inquietação natural. Assim sendo, pode concluir-se que a vitória não traz
segurança e tranquilidade, mas fragilidade, dúvida, e ele carrega um conflito
interno, dado que procura encontrar um sentido, mas não o consegue: “aquilo que
não perceber”.
Toda
esta situação conduz o vencedor a um “esgotamento prematuro”, proveniente da
dúvida, da incerteza e da solidão que acompanha o triunfo, cuja consequência é
a aceitação não de uma paz real, mas meramente provisória. No entanto, esse
momento não dura, não é respeitado, em virtude “os homens” agirem violentamente
contra ele, lançando-o contra o muro “e lhe atiram ao rosto essa vitória”, isto
é, aquilo que foi uma conquista sua é usada como arma contra ele. A vitória é-lhe
atirada ao rosto como uma acusação, não como glória. Aquilo que permitiria que
se destacasse acaba por se tornar motivo de punição. Os homens, que
representarão a sociedade, não toleram ou não perdoam o êxito.
O poema
desconstrói a ideia da vitória como glória e clarifica os seus efeitos
colaterais ou consequências: solidão, incerteza, dúvida, desgaste, angústia e
até rejeição social. Deste modo, o vencedor constitui uma figura que, ao invés
de herói, se revela mártir da própria vitória. O título do texto ilustra
esta noção: a vitória externa esconde uma derrota interior (e social).
O
triunfador alcançou o triunfo, porém, em simultâneo, passou a carregar o fardo
das expectativas: dos outros, de si mesmo, dos “homens”. A vitória, assim, não
é um momento de glória e de libertação, mas de angústia e aprisionamento. Ao longo
do poema, ele revela angústia existencial (“multiplica sobre si as angústias de
perder”), autoquestionamento constante (“interroga, analisa e só complica”) e
culpa por ter superado os outros. Tudo isto leva-o a viver num estado de
vigilância e de desgaste mental e, quando procura a paz, mesmo que provisória,
é castigado.
Do
ponto de vista simbólico, o vencedor é visto como alguém que faz uma afronta ao
coletivo – os “homens” –, uma figura mítica que quebra a harmonia do grupo por
se destacar, o que o transforma num alvo. Deste modo, podemos concluir que a
sociedade não tolera o que escapa à norma, a uma certa mediania, nem mesmo o
sucesso individual.