Português: 30/12/24

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

4. A figura de Dioniso

    Dioniso é um deus que está associado ao fruto carnudo e suculento, como a uva ou o figo, opondo-se, neste sentido, a Deméter, deusa dos cereais, do trigo, da cevada. Se, por um lado, a fruta dá a sensação de prazer imediato, o grão é pouco saboroso, porém os dois tipos de alimentos completam-se, pois é o grão que sustenta, é ele que simboliza a civilização, o plantio e, portanto, o esforço humano. O fruto carnudo e doce, pelo contrário, é colhido diretamente, pelo que se trata de uma dádiva da natureza. Assim sendo, Dioniso é o deus do contacto direto, sem esforço, com o prazer.
    Por outro lado, Dioniso opõe-se também a Apolo. Embora este, nos poemas homéricos, possua igualmente um caráter violento (por exemplo, são as suas flechas que, na Ilíada, dizimam os aqueus a pedido de Crises, o seu sacerdote), por estar associado à música e à poesia através da lira (que, na verdade, revela a violência original do arco e da flecha), tornou-se o deus da simetria da forma, da grave determinação, da seriedade de tom, características apolíneas.
    Dioniso também está associado à poesia e à música como Apolo, mas o seu instrumento é a flauta, aulos em grego, um instrumento duplo de sopro que soaria mais como um oboé ou uma gaita de foles escocesa, portanto distante do som suave das flautas atuais, mas mais apropriado aos êxtases dionisíacos.
    O culto de Dioniso é muito antigo na Grécia, remontando à época micénica, estendendo-se os seus centros de culto desde Atenas a Tebas, Corinto e Naxos. O verso usado nos cantos que ocorriam nas celebrações dionisíacas era o ditirambo, um canto lírico copmposto por elementos alegres e dolorosos que, além de narrar os momentos tristes da passagem de Dioniso pelo mundo mortal e o seu posterior desaparecimento, exprimia, de forma exuberante, uma quase intimidade dos homens com a divindade que lhes possibilitara chegar ao êxtase. O hino assumia a forma de uma dança coral acompanhada de gestos e movimentos ilustrativos, dança essa que se chamava órchesis. Este canto em coro acabou por se definir como trágico e dele resultou a tragédia: uma representação viva feita por atores que narrava os acontecimentos ocorridos no plano mítico e que, problematizando a situação do herói, discutia os valores fundamentais da existência humana.
    As características especiais de Dioniso acabaram por atrair outros seres, como os sátiros, por exemplo, que possuíam características animalescas e que representariam forças vigorosas da natureza, paixões e emoções humanas. Regra geral, eram representados como cobardes, sensuais, livres e bem-humorados e com um pénis permanentemente ereto. Havia também os silenos, sátiros velhos, bêbedos e lascivos. Além disso, existiam ainda as bacantes ou mênades, que eram entidades femininas, umas vezes ninfas, outras mulheres mortais, que tomavam parte no cortejo de Dioniso com os cabelos soltos e enfeites florais e que, para contactarem com o deus, se entregavam ao êxtase (o entusiasmo). A Dioniso, estavam também associados os centauros, que representavam a força e o vigor natural e se embriagavam frequentemente, bem como Pan, o deus da vida rural.
    Este conjunto de seres configuraria na imaginação grega algo que é recorrente em várias culturas: o sentimento de que há algo pulsante e incontrolável no mundo, mas que constitui também uma manifestação de uma dimensão superior ao homem, algo que se, por um lado, pode ser fonte de alegria e libertação, por outro, pode ser perigoso e até mortal. Em suma, algo que pode representar um mistério.
    Outro elemento que assumia grande importância no culto de Dioniso era a máscara, que era usada pelos seus seguidores e que representava o elemento de transformação, de perda de identidade. Além disso, é nela que se baseia a essência da representação dramática, conferindo ao teatro grego uma peculiaridade que não se encontra nos demais géneros e que se conservou até à atualidade.
    No que diz respeito ao coro, cantava em uníssono a princípio, porém, ao longo do tempo, foi-se dividindo em duas secções, cada uma das quais perguntava e respondia à outra alternadamente. Este «diálogo», no entanto, não tinha ainda caráter dramático. O corifeu – o membro do coro que podia cantar sozinho – era o responsável por coordenar esse diálogo.
    Para responder às perguntas dos coreutas e dos cantores como um todo, foi introduzida uma nova figura, o exarconte, que possuía uma voz autónoma em relação ao canto coletivo, tornando-se um elemento indispensável do ditirambo. Com a passagem do tempo, foram incorporadas novas funções no seu ofício, dentre elas a representação. Nesse momento, o exarconte passou a chamar-se hypokrités – aquele que finge, isto é, o ator.
    Inicialmente, os temas do ditirambo, bem como os da tragédia, relacionavam-se com a lenda de Dioniso, estendendo-se o seu âmbito, mais tarde, a toda a mitologia. Esses temas raramente eram extraídos da história. As próprias máscaras foram substituídas com essas mudanças: máscaras humanas passaram a ocupar o lugar das máscaras animalescas dos sátiros.
    Será justamente neste ambiente religioso e festivo que será introduzido a posteriori o teatro.

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