Português: Capítulo III de A Sibila

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Capítulo III de A Sibila

            1. Caracterização de Estina (p. 32)
* educação cuidada
* prendada (sabia tecer)
* "era bonita" – "boca delicada e um tanto carnuda"
- "nariz tão perfeito (...) impessoal"
- "pés (...) bem feitos"
* confidente da mãe
* era a preferida da mãe
* mais mole do que Quina
* bem disposta e de natureza honesta ("temperamento incorruptível")
* indolente e preguiçosa ("pousona")
* optava pelas tarefas que lhe permitiam permanecer sentada


            2. Retrato de Quina
. amizade, proteção e altruísmo por Estina, apesar da desigualdade de tratamento da mãe
. combativa
. grande capacidade de argumentação
. aparência e forma de estar masculinas
. sentido de justiça, ainda que tivesse de se alienar dos sentimentos
. independente (pp. 32-33)
. fisicamente
- "não era bonita"
- era pequena como o pai
. moralmente
– falas capciosas
- génio equilibrado
- mentirosa e chicaneira
- gostava de grandes relações
- não tolerava o que não conseguia obter
- acudia a todos os trabalhos agrícolas
- tinha fé nas artimanhas dos advogados
- pensava que podia sempre iludir a lei
- cultivava-se em coisas do foro
- fazia-se importuna
- corria de um juiz a um influente e deste a um delegado
- desejava apressar a justiça
- comprava testemunhas
- impunha teorias
- desprezava os legistas que não a favoreciam
- considerava letra morta os seus artigos (pp. 36-37)

            Em suma, Quina era calamitosa e insuportável, frívola, trabalhadora, astuta, velhaca, intriguista. Podemos mesmo considerá-la, a nível moral, maquiavélica, pois os fins justificam os meios. Note-se que o seu retrato é o oposto do de Estina.


            3. Retrato de Maria da Encarnação

            * Maria é a expressão individualizada de uma sociedade matriarcal, onde a única função do homem é a reprodução da espécie. Ela é uma espécie de força de compensação e a garantia de continuidade da família, pelos cuidados que, atentamente, dedica aos filhos e às condições económicas da casa: "(...) Maria, que era a parte vigilante, a chama oculta sob a cinza do lar, mas fulcro de continuidade e de calor, mereceu do destino uma irónica compensação, pois seria o seu nome que se perpetuaria no único dos filhos que deixaria descendência. (...) Naquela casa, donde o homem ficava ausente largos dias e onde o pulso dele parecia indeciso ou sem vontade, sentia-se sobrecarregada com um grande fardo que talvez a sua vida inteira fosse impotente para carregar." (pp. 33-34)

            * Pelo seu espírito pouco atento a fenómenos relacionados com a metafísica, passa e segue alheia ao que vai além da simplicidade da vida quotidiana: "(...) Seria com o nome dela que a casa da Vessada continuaria; mas isto, que apenas poderia ter um significado romântico, ela, se o chegasse a compreender, não o poderia apreciar, pois não passava, par si, dum facto circunscrito às coisas que tanto desprezava ou que nem sequer pressentia." (p. 33)

            * Não obstante a frieza e o seu carácter estoico, Maria é possuidora de sentimentos nobres que, com a exigência das situações, manifesta com espontaneidade. Preocupada com a opinião pública, defende a sua imagem social de mulher moralmente exemplar e despreza a humildade da redenção dos pecadores: "(...) E foi Maria quem a socorreu e quem, furtando-se de ser vista (...). Se ela lhe tivesse pedido perdão, experimentaria decerto mais constrangimento. Detestava o impudor da humildade, (...)" (p. 35)

            * Mostra-se irrefletida e irracional quando se lhe apresentam grandes dificuldades: "(...) Esquecia a razão, e arruinava-se prazenteiramente até ao último ceitil; até ao último momento esperava vencer e recuperar tudo, e, se lhe explicavam miudamente as impossibilidades desse resultado, não compreendia." (p. 36)

            * A veneração que Maria tem pelo marido, aumentada após a morte deste, leva-a a querer dar proteção e abrigo ao filho de Francisco e de Isidra: "(...) O seu bastardo, filho de Isidra, era recebido com honras, numa aliança grave, profunda, ao facho patriarcal que continuava a velar as gerações que se desdobravam." (p. 39)


            4. Noção de propriedade e de casamento

            Há um grande sentido de defesa da propriedade privada, de posse: "Entretanto, a casa viu-se envolvida numa dessas querelas, história terrível, de águas de justiça, e que o povo parece tomar como um derivativo do vício do jogo. Maria, e logo depois Quina, litigavam como se jogassem." (p. 36)
            É a ideia da defesa incondicional dos direitos de propriedade, entendida como herança sagrada a transmitir ao herdeiro seguinte.

            Por seu lado, o casamento é visto como forma de enriquecimento e em que o amor é secundário e até supérfluo: "(...) E o homem que ela amava desistira do casamento, medida esta tida por demais natural entre o povo do campo, para quem o casamento é mais do que o imperativo da espécie - é a união de dois patrimónios.
            - As mulheres só gostam de tratantes - dizia ela, como se anunciasse um teorema de geometria." (p. 39)
            Dois episódios exemplificam esta conceção: o casamento de Estina com Luís Romão desfaz-se por falta de património, de dote, da parte dela; o mesmo acontece com Quina e Adão, que, juntamente com o avô, representam o tipo dos agiotas, profundamente gananciosos e materialistas.


            5. Espaço social

            É evidente a crítica à emigração de cidadãos portugueses para o Brasil que, contrariamente às promessas de riqueza associadas a este país, promove, em muitos casos, a penúria e as doenças mortais, mesmo em jovens de tenra idade: "Um deles, Abílio, morreu ao passar apenas a adolescência, de regresso já duma tentativa de fortuna no Brasil." (p. 33)
            "O exemplo dessa fortuna resolveu a ida de Abílio para o Brasil. Tinha pouco mais de treze anos, era loiro e muito bonito. Voltou ainda antes da morte do pai, para acabar, esgotado de suores, emborcando frascos de xaropes vários, de agriões, de caracóis e de cenoura." (p. 38)

            Além deste aspeto, o Brasil simboliza a causa da existência de uma burguesia ostensiva e prepotente proveniente das camadas sociais campesinas que passam, no seu novo estado, a renegar as origens: "O filho mais velho de Narcisa Soqueira - ela tinha dum segundo casamento uma enteada e um outro filho - voltara do Brasil, rico, com faíscas de brilhantes a despedirem dos dedos e das abotoaduras todas, com zaragatices de bordados nos coletes, muito pachá, querendo café - moca, dizia - ao dejejum e fazendo olhos redondos para as coisas do campo." (p. 37)
            De facto, esta personagem representa os emigrantes bem-sucedidos materialmente que gostam da ostentação e o seu comportamento denota artificialismo, ideia já aflorada nas páginas 25 e 26 quando são focadas as personagens do tio José e do conde de Monteros.


            6. A visão negativa dos homens e a sociedade matriarcal

            Os homens são apresentados como seres negativos, marialvas e aventureiros, desbaratadores de fortunas: "Mas todos eles eram muito do pai: volúveis, fracos com aduladores e com mulheres, moralmente a tender para a cobardia das responsabilidades...".
            "Começavam a fazer-se visíveis os resultados da fanfarronice estroina de Francisco Teixeira. O desequilíbrio doméstico tomava, com o tempo, uma feição mais grave. Os gastos do amo, o seu profundo desleixo das terras, obrigavam agora a família a uma estrita temperança."
            "Naquela casa, donde o homem ficava ausente largos dias...".
            Este comportamento de Francisco, fazendo da casa apenas pousada e da esposa apenas reprodutora da espécie, a mãe dos seus filhos legítimos, irá ter consequência negativas na personalidade de Quina (aversão aos homens, como fonte de ruína económica da família).
            Destes factos resulta a conceção matriarcal da sociedade, o exercício dum poder matriarcal, onde a mulher detém o poder e responsabilidades administrativas e económicas.
            Todavia, a figura do pai não era contestada. Essa contestação restringia-se à consciência de cada personagem: "Nestas contendas, que não passavam nunca de uma reserva orgulhosa entre marido e mulher, não era permitido aos filhos tomar partido. A própria Maria castigava com mão expedita aquele que esboçasse uma crítica contra o pai. E, contudo, todos sabiam que era por culpa da sua boémia (...) que a sua casa se afundava."


            7. Morte de Francisco Teixeira

            A sua morte, muito chorada pela família, ocorreu num momento crítico, em que estava iminente a perda da própria Vessada. O facto de, com a sua morte, ainda ser possível evitar a mutilação completa do património familiar contribui para que, apesar de tudo, Francisco ficasse, para sempre, como o chefe querido e respeitado da família (pp. 38-39). De facto, a sua morte marca uma promessa de riqueza para a sua família e constitui a única alternativa para esta se libertar da situação precária e das ameaças judiciais da perda da Vessada.


            8. A fragmentação do tempo

            O tempo do discurso é predominantemente fragmentado nestes capítulos iniciais. O discurso vai seguindo, ao longo de todo o romance, um movimento de vai-e-vem, sem regras estabelecidas, facto este compreensível, se lembrarmos que a recuperação do passado cabe a Germa, que conversa com Bernardo.
            Observem-se as constantes analepses e prolepses, as elipses, os sumários, as pausas.
            Em suma, o tempo é descontínuo, desordenado, isto é, o narrador (des)organiza o tempo cronológico através dos processos referidos no parágrafo anterior.


            9. Narrador/narradora: voz omnipotente e omnipresente

            Germa é a personagem que tem a seu cargo fazer a longa retrospetiva da vida da família. Ela é, portanto, a narradora (homodiegética), mas é frequentemente substituída por um narrador omnisciente, ou seja, que sabe mais do que as personagens e se desloca facilmente no espaço e no tempo.
            Este narrador omnisciente manifesta-se também como omnipotente, conduzindo a narrativa à sua maneira, fragmentando a ordem cronológica, recorrendo à analepse e à prolepse, dirigindo-se ao leitor num estilo familiar, fazendo constantes digressões.


                        9.1. A opção por narrar em vez de mostrar

            A obra aparece-nos como um conjunto de histórias que se vão acumulando, narradas por alguém que só diz delas o que quer e quando quer. Daí o facto de muitas delas serem interrompidas para serem retomadas posteriormente. A própria caracterização de Quina vai sendo feita à medida que a ação, o tempo e as condições avançam e se transformam. O narrador dá saltos no tempo, utiliza o resumo, não se preocupa com uma estruturação sólida da intriga, o importante é o narrar e a atenção ao pormenor.


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