Português: Capítulo II de A Sibila

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Capítulo II de A Sibila

            1. Relações familiares conflituosas

            O casamento de Francisco e Maria é atribulado, dado o carácter dele e as constantes aventuras amorosas:
                                    "Ele não tinha mudado. As suas aventuras eram inumeráveis, e o lar significava para ele um poiso cujo encanto resultava sobretudo de manter a toda a hora as portas franqueadas sobre o mundo." (p. 20)
                                    "Assim, os primeiros anos foram muito amargos..." (p. 21)
            Nasce Estina que, porque "ao crescer se revelasse detentora de perfeições e afinidades que seriam réplica da própria mãe...", teve carinho e afetos por parte de Maria, uma educação cuidada e foi poupada à dureza dos trabalhos agrícolas e domésticos, ao contrário de Quina, que sofreu carências afetivas e a quem eram destinadas as tarefas mais duras da vida doméstica e agrícola, sendo autêntica moça para todo o serviço numa casa de lavoura. Para ela, a mãe era extremamente autoritária e as relações entre ambas não eram boas.
            Ao contrário, Quina sente um amor intenso pelo pai, com quem mantinha uma aliança secreta, em virtude da preferência da mão ser votada a Estina: "Talvez porque ao nascimento desta se ligassem mais vivos pormenores sentimentais, ou porque a criança ao nascer se revelasse detentora de perfeições e afinidades que seriam réplica da própria mãe, Maria distinguiu-a desde sempre, fosse no desvelo da educação ou no poupar-lhe as canseiras mais pesadas do lar." (p. 22)
            "Apenas o pai ela tinha por aliado, (...) quando Quina passava, os olhos pregados no chão, sob o acicate da mãe sempre implicante, sempre manejando o fueiro e a chinela com uma expressiva agilidade." (p. 23)
            Não obstante o pai significar para ela um herói, nutre, desde criança, repulsa pelo abandono das suas responsabilidades no lar e pelas aventuras que Francisco não deixaria nunca de viver: "Ele era também o seu herói, (...). A fama dos seus amores – às vezes com que deploráveis pormenores! - chegava-lhe juntamente com um eco de suspiroso desdém que Quina repelia como vivas injúrias aos atos de seu pai." (p. 24)
            Por outro lado, Quina condena a sensibilidade piegas das mulheres que a rodeiam e defende a integridade do homem: "(...) ela aplaudia com fanatismo a integridade do homem na sobriedade das suas leis, junto das quais as lágrimas duma mulher não passavam de superfluidades sentimentais. A corte feminina sempre tão numerosa em que vivia, incluindo suas tias e casas continuadas por elas, causava-lhe irritação, pois ela lastimava desde menina o ser considerada um número entre a descendência de raparigas submissas e incapazes que se destinam a uma aliança tutelada, e que, mesmo atingindo o matriarcado, eram vencidas." (p. 24)


            2. A noção de propriedade

            O povo é-nos apresentado como defensor incondicional dos direitos de propriedade, de tal forma que é capaz de se transformar num ser intolerante e cruel caso esses direitos sejam ameaçados. Qualquer atitude que vise destruir o direito de propriedade anula, por completo, a importância de todos os restantes valores de que qualquer homem possa ser detentor: "A verdade é que entre o povo a noção de propriedade está por demais arreigada para que um ladrão, por mais heroico ou altruísta, não seja julgado como infame. Um assassino é tolerado, pode partilhar o pão dos seus vizinhos, pode fazer esquecer o seu crime. Um ladrão lega a toda a sua descendência um ferrete indelével, porque, se o homicida as mais das vezes, obedece a uma paixão, um impulso resgatável e quase nunca repetido, o ladrão traz no sangue, e assim o comunica, o fogo da tentação que as circunstâncias, mais ou menos, ou velam ou expandem." (p. 29)


            3. Espaço social

            José do Telhado tem na obra uma função importante dentro do espaço social: representante do tipo dos marginais, funciona como denúncia da desigualdade entre ricos e pobres – influência neorrealista.

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