O casamento de
Francisco e Maria é atribulado, dado o carácter dele e as constantes aventuras
amorosas:
"Ele
não tinha mudado. As suas aventuras eram inumeráveis, e o lar significava para
ele um poiso cujo encanto resultava sobretudo de manter a toda a hora as portas
franqueadas sobre o mundo." (p. 20)
"Assim,
os primeiros anos foram muito amargos..." (p. 21)
Nasce Estina
que, porque "ao crescer se revelasse detentora de perfeições e afinidades
que seriam réplica da própria mãe...", teve carinho e afetos por parte de
Maria, uma educação cuidada e foi poupada à dureza dos trabalhos agrícolas e
domésticos, ao contrário de Quina, que sofreu carências afetivas e a quem eram
destinadas as tarefas mais duras da vida doméstica e agrícola, sendo autêntica
moça para todo o serviço numa casa de lavoura. Para ela, a mãe era extremamente
autoritária e as relações entre ambas não eram boas.
Ao contrário,
Quina sente um amor intenso pelo pai, com quem mantinha uma aliança secreta, em
virtude da preferência da mão ser votada a Estina: "Talvez porque ao
nascimento desta se ligassem mais vivos pormenores sentimentais, ou porque a
criança ao nascer se revelasse detentora de perfeições e afinidades que seriam
réplica da própria mãe, Maria distinguiu-a desde sempre, fosse no desvelo da
educação ou no poupar-lhe as canseiras mais pesadas do lar." (p. 22)
"Apenas o
pai ela tinha por aliado, (...) quando Quina passava, os olhos pregados no
chão, sob o acicate da mãe sempre implicante, sempre manejando o fueiro e a
chinela com uma expressiva agilidade." (p. 23)
Não obstante o
pai significar para ela um herói, nutre, desde criança, repulsa pelo abandono
das suas responsabilidades no lar e pelas aventuras que Francisco não deixaria
nunca de viver: "Ele era também o seu herói, (...). A fama dos seus amores
– às vezes com que deploráveis pormenores! - chegava-lhe juntamente com um eco
de suspiroso desdém que Quina repelia como vivas injúrias aos atos de seu
pai." (p. 24)
Por outro lado,
Quina condena a sensibilidade piegas das mulheres que a rodeiam e defende a
integridade do homem: "(...) ela aplaudia com fanatismo a integridade do
homem na sobriedade das suas leis, junto das quais as lágrimas duma mulher não
passavam de superfluidades sentimentais. A corte feminina sempre tão numerosa
em que vivia, incluindo suas tias e casas continuadas por elas, causava-lhe
irritação, pois ela lastimava desde menina o ser considerada um número entre a
descendência de raparigas submissas e incapazes que se destinam a uma aliança
tutelada, e que, mesmo atingindo o matriarcado, eram vencidas." (p. 24)
2. A noção de
propriedade
O povo é-nos
apresentado como defensor incondicional dos direitos de propriedade, de tal
forma que é capaz de se transformar num ser intolerante e cruel caso esses
direitos sejam ameaçados. Qualquer atitude que vise destruir o direito de
propriedade anula, por completo, a importância de todos os restantes valores de
que qualquer homem possa ser detentor: "A verdade é que entre o povo a
noção de propriedade está por demais arreigada para que um ladrão, por mais heroico
ou altruísta, não seja julgado como infame. Um assassino é tolerado, pode
partilhar o pão dos seus vizinhos, pode fazer esquecer o seu crime. Um ladrão
lega a toda a sua descendência um ferrete indelével, porque, se o homicida as
mais das vezes, obedece a uma paixão, um impulso resgatável e quase nunca
repetido, o ladrão traz no sangue, e assim o comunica, o fogo da tentação que
as circunstâncias, mais ou menos, ou velam ou expandem." (p. 29)
3. Espaço
social
José do Telhado
tem na obra uma função importante dentro do espaço social: representante do
tipo dos marginais, funciona como denúncia da desigualdade entre ricos e pobres
– influência neorrealista.
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