Português

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Pronome pessoal

 1. Definição
 
• O pronome pessoal refere as pessoas intervenientes no discurso (eu / tu) ou também as pessoas de quem se fala:
- a pessoa que fala (locutor) – 1.ª pessoa: eu, nós;
- a pessoa a quem se fala (interlocutor) – 2.ª pessoa: tu. vós;
- a(s) pessoa(s) de quem se fala – 3.ª pessoa: ele / ela; eles / elas.
 
 
2. Variação
 
• Os pronomes pessoais podem variar em pessoa (1.ª, 2.ª e 3.ª), género (masculino e feminino), número (singular e plural) e caso [isto é, variam / adquirem formas diferentes consoante a função sintática que desempenham na frase].
 

 

Formas do pronome pessoal
Sujeito
(caso nominativo)
Complemento
direto
(caso acusativo)
Complemento indireto
(caso dativo)
Complemento oblíquo
(caso oblíquo)
Complemento agente da passiva
(caso oblíquo)




Singular

1.ª pessoa

eu

me

me

mim, comigo

[por] mim

2.ª pessoa

tu

te

te

ti, contigo

[por] ti

3.ª pessoa

ele, ela

o, a, se

lhe

si, ele, ela, consigo

[por] si, ele, ela




Plural

1.ª pessoa

nós

nos

nos

nós, convosco

[por] nós

2.ª pessoa

vós

vos

vos

vós, convosco

[por] vós

3.ª pessoa

eles, elas

os, as, se

lhes

si, eles, elas, consigo

[por] si, eles, elas

 

 

formas
tónicas

formas átonas

formas tónicas

 
• O pronome pessoal «vós» praticamente não se usa na língua padrão e é substituído por outras formas, em geral vocês.
Em algumas formas de tratamento menos familiares do que a da segunda pessoa tu, como é o caso de você(s) (explícita ou omissa) ou o(s) senhor(es) / a(s) senhora(s), ou ainda em formas de tratamento cerimoniosas como Vossa Excelência, Vossa Eminência, etc., emprega-se a 3.ª pessoa gramatical, embora, de facto, se designe uma 2.ª pessoa:
(Você) vai sair? O táxi é para si?
Vocês vão ao cinema?
V.ª Ex.ª deseja mais alguma coisa?
Se não se importa, falo-lhe amanhã.


 
O pronome pessoal tem:
formas tónicas – são as que possuem acentuação própria:
eu, tu, você, ele / ela
nós, vós, vocês, eles / elas
mim, ti, si
 
formas átonas – as formas do pronome não são acentuadas e dependem do verbo junto do qual ocorrem e com o qual passam a formar um todo fonético:
me, te, o, a, lhe
nos, vos, os, as, lhes
se
De facto, as formas átonas ocorrem sistematicamente adjacentes ao verbo:
▪ à esquerda do verbo (= próclise):
- Não me aborreçam.
▪ à direita do verbo (= ênclise):
- Digam-me o que pensam da COVID.
▪ no interior das formas verbais (= mesóclise):
- Dir-me-eis como agir.
 
 
4. Formas contraídas
 
▪ Contração de dois pronomes pessoais:
- mo(s) / ma(s) contração de me + o(s) / a(s)
- to(s) / ta(s) contração de te + o(s) / a(s)
- lho(s) / lha(s) contração de lhe + o(s) / a(s)
Cada um dos elementos contraídos desempenha uma função sintática – complemento direto ou indireto:
. A Maria ofereceu-lhas. (lhe complemento indireto + as complemento direto)
 
▪ Contração do pronome pessoal tónico com a preposição com: comigo, contigo, connosco, convosco, consigo.


5. Variantes de o, a, os, as
 
Os pronomes o, a, os, as, em determinadas circunstâncias, assume as variantes lo, la, los, las ou no, na, nos, nas. Existe uma razão histórica para isso.
No português arcaico, existiam as formas lo, la, los, las, que provinham, respetivamente, das formas illum, illam, illos, illas.
Ao longo do tempo, a língua portuguesa sofreu alterações de vária ordem, nomeadamente mudanças fonéticas, que ocorreram também nas formas referidas. Assim:
 
1. O l das antigas formas lo, la, los, las caiu quando entre vogais:
. forma antiga: eu amo-la;
. forma atual: eu amo-a.
 
2. O l das antigas formas lo, la, los, las permaneceu quando ocorria a seguir às consoantes s, r, z, que foram sendo também assimiladas / transformadas em l. Assim:
. forma antiga: tu amas-lo;
. forma mais próxima: tu amal-lo;
. forma atual: tu ama-lo.
 
3. O l das antigas formas lo, la, los, las, quando ocorria a seguir a um som nasal, transformou-se também em som nasal. Assim:
. forma antiga: eles amam-lo;
. forma atual: eles amam-no.
 
 
6. Particularidades do pronome pessoal
 
Há pronomes pessoais que ocorrem em construções específicas.
 
Pronome pessoal recíproco
 
Os pronomes pessoais recíprocos – nos, vos, se – são os que indicam que pelo menos duas entidades distintas estão, ao mesmo tempo, envolvidas numa situação como agentes e como pacientes:
. O Ernesto e a Ernestina beijaram-se.
. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa cumprimentaram-se.
Os pronomes pessoais recíprocos podem ser reforçados pela expressão um… ao outro (ou suas variantes):
. O Ernesto e a Ernestina beijaram-se um ao outro.
Os pronomes pessoais recíprocos podem desempenhar a função sintática de complemento direto ou complemento indireto:
. O Ernesto e a Ernestina beijaram-se. [complemento direto]
. Marcelo e Costa já se falam. [complemento indireto]
 
Pronome pessoal reflexo
 
Os pronomes pessoais reflexos – me, te, se, nos, vos, se – indicam que uma única entidade (individual ou em grupo) é, em simultâneo, agente e paciente da ação expressa pelo verbo, ou seja, a ação praticada pelo sujeito recai sobre ele próprio:
. Narciso contemplou-se na água do rio. [a si próprio]
. Cortei-me a podar as árvores fruteiras. [a mim próprio]
Os pronomes pessoais reflexos podem ser reforçados pela expressão a si próprio (e suas variantes).
. Cortei-me a mim próprio.
Sintaticamente, desempenham a função de complemento direto.
Numa frase de construção reflexa, o sujeito e o complemento direto são correferentes, ou seja, são a mesma entidade.
 
Pronome “se” impessoal
 
O pronome se impessoal é o que indica um sujeito indeterminado.
O pronome é parafraseável por alguém ou haver quem.
Este pronome tem o verbo sempre na terceira pessoa do singular, podendo ser intransitivo ou transitivo:
. Na aula 100, cantou-se e dançou-se. [= houve quem cantou e quem dançou] – verbo intransitivo
. Diz-se que a economia está a derrapar perigosamente. [= alguém diz que…] – verbo transitivo
 
Pronome “se” passivo
 
O pronome pessoal se passivo é o que permite formar uma frase passiva, mas sem o recurso ao verbo auxiliar (ser). Assim, as frases com se passivo – construídas obrigatoriamente com verbos transitivos – são sempre equivalentes a uma frase com o auxiliar da passiva (ser) e o particípio de um verbo principal transitivo (amado, cantado, lido, louvado, posto, etc.).
O se passivo tem sempre o verbo na terceira pessoa, seja singular seja plural:
. Aqui construiu-se um cemitério. [= Aqui foi construído um cemitério.]
. Aqui construíram-se dois cemitérios. [=Aqui foram construídos dois cemitérios]
A frase onde esteja presente um se passivo só pode ser construída com verbos transitivos diretos, quer no singular quer no plural.
O sujeito da frase ocorre, preferencialmente, depois do verbo:
. Aqui construiu-se um cemitério.
É possível transformar uma frase com se passivo numa frase ativa, à semelhança do que sucede com uma passiva com particípio.
. Aplaudiu-se o desempenho do ator. [Alguém] aplaudiu o desempenho do ator.
O agente da passiva é sempre indeterminado: o se passivo representa o agente da passiva.
. Vendem-se casas.
 
Pronome “se” inerente
 
O pronome pessoal se inerente faz parte integrante (= é inseparável) de verbos como «preocupar-se com», «atrever-se a», «servir-se de», não tendo valor reflexo, nem recíproco, nem indeterminado, nem passivo.
. Os alunos atreveram-se a enfrentar o professor.
Há verbos que exigem sempre o se inerente (1) e verbos que o aceitam, mas não o exigem (2):
(1) . Os alunos queixaram-se do professor. [Não existe o verbo «queixar», mas apenas «queixar-se».
(2) . Os alunos recordaram-se do professor de Português. [Existem duas formas verbais distintas: «recordar» e «recordar-se (de)», que têm construções distintas:
. Recordo o último jogo do Benfica.
. Recordo-me do último jogo do Benfica.]
O se inerente pode assumir as formas me, te, nos e vos: Contentamo-nos com esta mediocridade?
O se inerente e as suas formas me, te, nos e vos não desempenham qualquer função sintática na frase.
O verbo «tratar-se» (de) – com «se» inerente obrigatório e sentido equivalente ao sentido do verbo ao sentido do verbo «ser» – só ocorre no singular, pois o sujeito é sempre nulo indeterminado. Neste sentido é sempre um verbo intransitivo com um complemento oblíquo obrigatório:
. Trata-se de um jogo que… [“Trata-se” = É. Assim, o segmento “Trata-se de um jogo que…” = “É um jogo que…”]
. Trata-se de jogos decisivos. [= São jogos decisivos.]
 

Pronome "se" inerente

 
O pronome pessoal se inerente faz parte integrante (= é inseparável) de verbos como «preocupar-se com», «atrever-se a», «servir-se de», não tendo valor reflexo, nem recíproco, nem indeterminado, nem passivo.
. Os alunos atreveram-se a enfrentar o professor.
Há verbos que exigem sempre o se inerente (1) e verbos que o aceitam, mas não o exigem (2):
(1) . Os alunos queixaram-se do professor. [Não existe o verbo «queixar», mas apenas «queixar-se».
(2) . Os alunos recordaram-se do professor de Português. [Existem duas formas verbais distintas: «recordar» e «recordar-se (de)», que têm construções distintas:
. Recordo o último jogo do Benfica.
. Recordo-me do último jogo do Benfica.]
O se inerente pode assumir as formas me, te, nos e vos: Contentamo-nos com esta mediocridade?
O se inerente e as suas formas me, te, nos e vos não desempenham qualquer função sintática na frase.
O verbo «tratar-se» (de) – com «se» inerente obrigatório e sentido equivalente ao sentido do verbo ao sentido do verbo «ser» – só ocorre no singular, pois o sujeito é sempre nulo indeterminado. Neste sentido é sempre um verbo intransitivo com um complemento oblíquo obrigatório:
. Trata-se de um jogo que… [“Trata-se” = É. Assim, o segmento “Trata-se de um jogo que…” = “É um jogo que…”]
. Trata-se de jogos decisivos. [= São jogos decisivos.]
 

Pronome "se" passivo

 
O pronome pessoal se passivo é o que permite formar uma frase passiva, mas sem o recurso ao verbo auxiliar (ser). Assim, as frases com se passivo – construídas obrigatoriamente com verbos transitivos – são sempre equivalentes a uma frase com o auxiliar da passiva (ser) e o particípio de um verbo principal transitivo (amado, cantado, lido, louvado, posto, etc.).
O se passivo tem sempre o verbo na terceira pessoa, seja singular seja plural:
. Aqui construiu-se um cemitério. [= Aqui foi construído um cemitério.]
. Aqui construíram-se dois cemitérios. [=Aqui foram construídos dois cemitérios]
A frase onde esteja presente um se passivo só pode ser construída com verbos transitivos diretos, quer no singular quer no plural.
O sujeito da frase ocorre, preferencialmente, depois do verbo:
. Aqui construiu-se um cemitério.
É possível transformar uma frase com se passivo numa frase ativa, à semelhança do que sucede com uma passiva com particípio.
. Aplaudiu-se o desempenho do ator. [Alguém] aplaudiu o desempenho do ator.
O agente da passiva é sempre indeterminado: o se passivo representa o agente da passiva.
. Vendem-se casas.
 

Pronome "se" impessoal

 
O pronome se impessoal é o que indica um sujeito indeterminado.
O pronome é parafraseável por alguém ou haver quem.
Este pronome tem o verbo sempre na terceira pessoa do singular, podendo ser intransitivo ou transitivo:
. Na aula 100, cantou-se e dançou-se. [= houve quem cantou e quem dançou] – verbo intransitivo
. Diz-se que a economia está a derrapar perigosamente. [= alguém diz que…] – verbo transitivo
 

Pronome pessoal reflexo

 
Os pronomes pessoais reflexos – me, te, se, nos, vos, se – indicam que uma única entidade (individual ou em grupo) é, em simultâneo, agente e paciente da ação expressa pelo verbo, ou seja, a ação praticada pelo sujeito recai sobre ele próprio:
. Narciso contemplou-se na água do rio. [a si próprio]
. Cortei-me a podar as árvores fruteiras. [a mim próprio]
Os pronomes pessoais reflexos podem ser reforçados pela expressão a si próprio (e suas variantes).
. Cortei-me a mim próprio.
Sintaticamente, desempenham a função de complemento direto.
Numa frase de construção reflexa, o sujeito e o complemento direto são correferentes, ou seja, são a mesma entidade.
 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Análise de "Ai, dona fea, fostes-vos queixar"

 
Assunto: o sujeito poético elenca os defeitos da mulher a quem se dirige, os quais o impedem de lhe dedicar uma cantiga de amor.
De facto, perante a queixa de uma “dona fea, velha e sandia” que o sujeito nunca a louvara nos seus poemas, apesar de já ter trovado muito, ele dispõe-se agora a louvá-la.
 
 
Tema: ridicularização do amor cortês e da imagem da mulher ideal e perfeita, através do elogio a uma “dona fea, velha e sandia”.
 

Objeto da crítica: uma dama feia que desejava ser cantada, representando todas aquelas que expressavam esse desejo.
 
 
Razão da queixa: a “dona” queixa-se de nunca ter sido louvada nos cantares do trovador / sujeito poético, isto é, de este não compor cantigas sobre ela.
 
 
Caracterização do sujeito poético
▪ Irónico: declara que irá cantar a «dona» numa das suas cantigas, mas, na realidade, o seu cantar será depreciativo, ou seja, afirma que a vai elogiar, mas, na verdade, zombará dela.
▪ Afirma que louvará a dama, mas referindo que ela é feia, velha e louca.
▪ Motivo de nunca a ter elogiado / composto cantigas de amor sobre ela:
(1) não a considerava digna de uma cantiga de amor;
(2) não queria expressar um amor que não sentia;
(3) ela não tinha qualidades para tal: era feia, velha e louca.
▪ Afirma-se superior à «dona», adotando uma postura de arrogância e desprezo, bem visíveis no facto de a invocar, mas não lhe dar a palavra: ditar o silêncio a alguém é quase negar a sua existência como pessoa.
 
 
Retrato da “dona”
▪ feia;
▪ velha;
▪ louca;
▪ gostaria / desejava que o sujeito compusesse cantigas de amor, porque, assim, a elogiaria, e expressasse o seu amor por ela;
 possui as características opostas às da dona da cantiga de amor: feiura - beleza; velhice - juventude; loucura - bom senso / juízo.
 
 
Crítica
explícita: a “dona” é criticada por ser veia, velha e louca;
implícita:
» crítica à presunção e ao irrealismo da dama, que não tem noção de si e, por isso, se considera merecedora de louvor;
» crítica à vaidade feminina excessiva (comparar com o poema “Vaidosa”, de Cesário Verde).
• às cantigas de amor e às regras do amor cortês:
» ridicularização / paródia das regras do amor cortês, pelo elogio a uma dama «fea, velha e sandia» ausência de beleza + ausência de juventude + ausência de razão – um trovador deveria elogiar a sua dama e expressar o seu amor; o «eu» critica esta mulher de forma sarcástica;
» elogio da dama (cantiga de amor) ≠ sátira à dama (esta cantiga);
» caracterização abstrata das qualidades da dama (cantiga de amor) ≠ exposição concreta dos defeitos da dama (esta cantiga);
» desvalorização da imagem da mulher ideal das cantigas de amor.
 
 
Paródia ao amor cortês
 
Na cantiga de amor, o trovador exprime os sentimentos amorosos pela dama (destacando a sua coita de amor, que o faz enlouquecer ou morrer). Por seu turno, a mulher é a suserana a quem o trovador «serve», prestando-lhe vassalagem amorosa.
Esta cantiga de escárnio, através da ironia e da paródia, ridiculariza o amor cortês e o elogio exagerado da «dona» amada, porque é dirigida a uma «senhor» que não reúne os atributos da mulher da cantiga amorosa: formosura, juventude e bom senso / juízo.
 
 
Recursos poético-estilísticos
 
Nível fónico
 
Estrofes: três sextilhas isométricas.
▪ Metro: versos decassílabos e eneassílabos; refrão octossílabo.

▪ Rima:     - aaabab;
- emparelhada e cruzada;
- consoante ("queixar"/"cantar");
- grave ("via"/"sandia") e aguda ("queixar"/"cantar");
- rica ("queixar"/"cantar") e pobre ("via"/"sandia").
Cantiga de refrão (influência da cantiga de amigo), cuja importância advém:
- da apresentação irónica das três características negativas da "dona", que se opõem às do cânone feminino da cantiga de amor;
- de ser um reforço da crítica pela repetição (três vezes);
- de apresentar um ritmo ternário.
▪ Encavalgamento: vv. 8-9, 14-15, etc.
 
Nível morfossintático
 
. Vocabulário de teor negativo.
. Adjetivação: o refrão que fecha cada uma das estrofes contém três adjetivos extremamente negativos que traduzem as características da «dona».
. Repetição de versos e palavras de teor negativo, relativamente à mulher.
. Anáfora: reforço da caracterização negativa da "dona".
. Verbos, sobretudo louvar, usado ironicamente.
. Interjeição Ai: expressa o tom pseudo-lamentoso, pseudo-recetivo.
. A oração adversativa: marca uma viragem para a expectativa (inútil) do louvor ("... mais..."; "... toda via...").
. Dois pontos: abrem sobre o refrão um grau máximo de suspense relativamente ao modo como a mulher será louvada.
. Paralelismo semântico e estrutural (influência da cantiga de amigo): 1.ª copla quase igual à 2.ª, quase igual à 3.ª ® sátira obsessiva e cruel.
 
Nível semântico
 
. Jogo com o verbo «louvar»: passado – «nunca vos eu loei»; presente – «nunca louvo», «quero já loar»; futuro – «vos loarei», «um bom cantar farei».
. Apóstrofe: o trovador dirige-se a alguém, de forma irónica, mas não lhe dá a palavra.
. Exclamação e interrogação (indireta): traduzem ansiedade.
. Ironia: o trovador diz o oposto daquilo que pensa, promete uma coisa (elogiar a mulher) e faz o seu contrário (satiriza-a). A ironia reforça a intenção crítica e satírica do trovador.
. Disfemismo: "dona fea, velha e sandia".
. Sarcasmo: “dona fea, velha e sandia”. A rudeza destas palavras e a evidência de que a promessa de a louvar não passava de ironia dão lugar ao sarcasmo
 
 
Classificação
 
1. Cantiga de escárnio:
. sátira/crítica velada: identificação vaga ("dona") do destinatário – não é referido o seu nome;
. linguagem humorística e irónica;
. finalidade de divertir e ridicularizar.
 
1.1. Formal: cantiga de refrão.
 
 
Valor documental
 
A referência excessiva, por parte de muitos trovadores, à "morte de amor" mereceu a denúncia vigorosa da falta de sinceridade dessa confissão. Tratava-se de mais uma convenção retórica que, usada em excesso, caía no ridículo.
Pêro Garcia Burgalês alude às muitas cantigas em que Rui Queimado diz morrer de amor e ironiza ao contrapor "morrer de amor" e "ressurgir ao tercer dia" para concluir que assim ninguém teria medo de morrer.
A retórica das cantigas de amor continha ainda outras convenções, como ensandecer, não poder viver sem a visão da "senhor". Interessante seria avaliar onde termina a sinceridade e onde começa o artificialismo, sabido que este se tornava quase inevitável devido ao fosso que separava o amador da sua amada, semelhante ao que separava o servo do senhor.
Esta cantiga parodia o amor e o louvor da dama, que constitui a temática da cantiga de amor.
 

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