Português: O monólogo interior no romance moderno

domingo, 11 de agosto de 2019

O monólogo interior no romance moderno

            O monólogo interior, que desposa fielmente o fluir caótico da corrente de consciência das personagens e que traduz, por conseguinte, em toda a sua integridade, o tempo interior, permite a James Joyce devassar a confusão labiríntica e desesperante da alma humana.
            (...) A obra de Marcel Proust, À procura do tempo perdido, insere-se igualmente nesta moderna tradição romanesca, pela ausência de um «enredo uniforme e sistemático, com toda a urdidura do episódio que atrai outro episódio até um final contundente», e pela absorvente atenção concedida à vida psicológica das personagens, uma vida psicológica extremamente densa e complexa. Marcel Proust participa da mesma repulsa de Valéry pela demasiada aproximação do romance relativamente à realidade informe e trivial e por isso observa que «nem sequer uma única vez uma das minhas personagens fecha uma janela, lava as mãos, veste um sobretudo, diz uma fórmula de apresentação. A haver alguma coisa de novo neste livro [À procura do Tempo Perdido], seria isto mesmo».
            Ao nome de Marcel Proust, poderíamos agregar os de Frank Kafka, de William Faulkner, de Hermann Broch, de Lawrence Durrell, as tentativas dos surrealistas no campo do romance, etc. O romance afasta-se cada vez mais do tradicional modelo balzaquiano, transforma-se num enigma que não raro cansa o leitor, num «romance aberto» de perspetivas e limites incertos, com personagens estranhas e anormais. A narrativa romanesca dissolve-se numa espécie de reflexão filosófica e metafísica, os contornos das coisas e dos seres adquirem dimensões irreais, as significações ocultas de carácter alegórico ou esotérico impõem-se muitas vezes como valores dominantes do romance. O propósito primário e tradicional da literatura romanesca - contar uma história - oblitera-se e desfigura--se.
            Por outro lado, o enredo do romance moderno torna-se muitas vezes caótico e confuso, pois o romancista quer exprimir com autenticidade a vida e o destino humano, e estes aparecem como o reino do absurdo, do incongruente e do fragmentário. O enredo balzaquiano, a composição do romance defendida por Bourget, falsificavam a densidade e a pluridimensionalidade da vida, e por isso o romance contemporâneo situa-se muito longe do romance balzaquiano, sem que tal facto implique, aliás, qualquer desvalorização de Balzac.

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