quarta-feira, 9 de julho de 2025
Caracterização de Zezé (capítulo I da 1.ª parte)
Ação do capítulo I da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima
A ação da obra abre com o recurso a uma analepse, cuja função reside em introduzir na narrativa a primeira grande descoberta do narrador: ele revela à família que já sabe ler e que aprendeu a fazê-lo sozinho.
De facto, o capítulo inicial começa com Totoca a acompanhar Zezé e a ensinar-lhe o caminho até à escola. Nesse momento, a narração recua alguns dias, concretamente até ao momento em que a criança dera a entender que já sabia ler, primeiro ao tio Edmundo e, de seguida, a toda a família. Todos ficam incrédulos e testam-no. Confirmada a situação, decidem que, como sabe eu, Zezé deverá entrar na escola rapidamente, mesmo sendo necessário mentir quanto à sua idade (dado que tinha apenas cinco anos) até porque, assim, daria menos trabalho em casa.
Análise do título do capítulo I da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima
O
título do primeiro capítulo é “O Descobridor das Coisas” e remete pra um dos
traços do protagonista: a sua curiosidade, a vontade de compreender tudo o que
o rodeia, desde como atravessar a rua até conceitos tão profundos como “idade
da razão” ou questões do quotidiano como “aposentadoria”. Neste contexto, o
nome «coisas» é propositadamente vago, pois designa tanto um qualquer objeto (uma
rua, um comboio, etc.) quanto o invisível (os sentimentos e as emoções
suscitados pela música, a dor da violência física, o mistério de aprender a ler
sozinho, etc.). Zezé enfrenta uma realidade dura: a violência doméstica, a
pobreza, a falta de afeto e amor, por isso uma forma de sobreviver e enfrentar
essa realidade consiste em transformar tudo em descoberta. Porém, reside aqui
um paradoxo: ele é uma criança que descobre algumas coisas cedo demais, como
confessa nas linhas finais: “A verdade, meu querido Portuga, é que a mim
contaram as coisas muito cedo.”
Título da 1.ª parte de O Meu Pé de Laranja Lima
O Meu Pé de Laranja Lima está dividido em duas partes, dois momentos que caracterizam o crescimento do protagonista, Zezé.
A primeira parte tem o subtítulo “No Natal, às vezes nasce o Menino Diabo”, o qual configura “uma desconstrução satírica da imagem de esperança e redenção que se atribui emocionalmente ao «Menino Jesus»” (Miguel Neves Santos, op. cit., pág. 8). Por outro lado, remete para a imagem de “Menino Diabo» que Zezé vai, ao longo da narrativa, criando de si próprio a partir do modo como os outros se lhe referem, o caracterizam e reagem às suas partidas e travessuras.
Resumo do último capítulo - 2.ª parte - de O Meu Pé de Laranja Lima
No capítulo final, muito breve, uma espécie de confissão, é já o narrador Zezé-adulto que se dirige a Manuel Valadares, mais de quarente anos depois dos acontecimentos, e lhe confessa o impacto que ele teve na sua vida.
De facto, Zezé relembra, com ternura e saudade, o vínculo afetivo que manteve com o Portuga durante aquele breve período da infância. Em simultâneo, confessa que, apesar de tantos anos volvidos, por vezes ainda parece sentir-se criança e espera que ele reapareça com presentes simples, como figurinhas ou bolas de gude, os quais simbolizavam o afeto, o cuidado e a atenção que recebia de Valadares. Além disso, reconhece que foi o português quem lhe ensinou a ternura da vida, um sentimento que tenta manter vivo até ao presente, compartilhando afeto com os outros, mesmo quando erra ou se engana, porque, afinal, “a vida sem ternura não é lá grande coisa”.
Por outro lado, num tom melancólico, admite que foi precocemente atingido por detalhes da realidade dura e cruel que chocam com a inocência e a esperança que devem ser preservadas no decurso da infância. É com essa reflexão sobre a dureza de ter conhecido as dores da vida demasiado cedo, relembrando uma frase de Dostoiévsky para expressar a tragédia de uma infância interrompida pela dor e pela perda.
A obra termina, pois, de forma poética e dolorosa, mostrando que as marcas da infância permanecem vivas na memória e no coração de Zezé. É um adeus simbólico ao Portuga e à criança que um dia foi, uma criança que conheceu o peso da vida antes do tempo, mas que também conheceu o valor do amor verdadeiro.