Português: 17/07/25

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Resultados e Médias das Provas Finais do 9.º Ano 2025

Modelos / Minutas do JNE

Provas Finais e Exames Finais Nacionais 2025

Modelo 16-A – Alegação justificativa de reclamação de prova

Modelo 16 – Requerimento para reclamação de prova

Modelo 15 – Requerimento para reclamação de prova final

Modelo 12-A – Alegação justificativa de reapreciação de prova

Modelo 12 – Requerimento para reapreciação de prova

Modelo 11 – Requerimento para reapreciação não automática de prova final 

Modelo 10 – Requerimento para retificação das cotações

Modelo 09 – Requerimento para consulta da prova

Modelo 02 – Requerimento para Alteração de Escola

Anexo III – Confirmação para a realização de provas e exames em época especial (exclusivo para aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional que realizou na 2.ª Fase provas e ou exames como se da 1.ª Fase se tratasse)

Anexo II – Requerimento para realização de provas e ou exames em escola diferente da frequentada por Aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional

Anexo I  – Requerimento para realização de provas e ou exames em época especial por Aluno Praticante Desportivo de Alto Rendimento/Seleção Nacional

Análise do poema "Amor, que o gesto humano n’alma escreve", de Camões

O assunto do soneto é simples: o sujeito poético, certo dia, viu a mulher amada a chorar, por isso ele mesmo subitamente começou também a verter lágrimas. Logo após esta descrição, que ocupa as duas quadras, no primeiro terceto, interpreta o pranto da mulher como uma manifestação de benevolência para com ele próprio, todavia não tem a coragem de acreditar nisso, visto que, se se provasse ser verdade, correria o risco de enlouquecer. No segundo terceto, o poeta, dissociando-se do sujeito lírico, chama a atenção do leitor (“Olhai”) para o poder sobrenatural de Amor, dado que é capaz de gerar lágrimas a partir de lágrimas. No primeiro caso, o choro é apenas sinal de compaixão, enquanto, no segundo, é sinónimo de uma felicidade tanto imortal quanto ilusória.

    No primeiro verso, o sujeito poético afirma que o Amor desenha e imprime na alma a imagem do rosto humano, algo que remete para uma teoria de Aristóteles que foi desenvolvida por Marsilio Ficino, segundo a qual a memória guarda a imagem que viu uma vez, sendo capaz, a partir daí, de a evocar. Ora, este incipit constitui uma variação do soneto V de Garcilaso de la Veja, cuja primeira quadra reza o seguinte:
Escrito ‘stá en mi alma vuestro gesto,
y cuanto yo escribir de vos deseo:
vos sola lo escribistes; yo lo leo,
tan solo, que aun de vos me guardo en esto.
Estes versos sugerem que o «eu» poético contempla a imagem da sua amada na solidão, porém, apesar de o ser amado estar ausente, aquele está perturbado, como se a mulher estivesse diante de si.
    O verso inicial do soneto de Camões é retomado e enriquecido, nos seguintes, por uma sequência metafórica de cariz petrarquista: as “vivas faíscas” são os olhos da mulher amada, o “puro cristal [que] se derretia” representa as lágrimas, as “vivas rosas” e a “alva neve” aludem às cores da sua face (às maçãs do rosto e ao tom da pele). Este conjunto de metáforas de sabor petrarquista mostram uma mulher a chorar. As rosas e a neve (noutros poemas e com outros autores, encontramos lírios, flores brancas, leite) representam as cores das faces, enquanto o cristal assinala, inicialmente, a brancura da tez e, posteriormente, depois do processo de liquidificação, passa a designar, metaforicamente, a água das lágrimas derramadas pelos olhos, numa espécie de transformação alquímica. Ou seja, o cristal situa-se acima dos olhos, que são o fogo, que, por meio da arte da destilação, o destila e faz cair nos vidros (os olhos), nas rosas e nos lírios das faces.
    Começa a revelar-se aqui o modo como este soneto indicia o enorme êxito que teve na época a literatura dos emblemas, iniciada por Andrea Alciato, cuja obra Emblemata foi publicada em 1534, em Paris. Pouco depois, obteve grande eco na Península Ibérica e, no início do século XVII, as recolhas de emblemas na Europa atingem o auge com Daniël Hensius e Othoni Vaenius. Um emblema é formado por uma imagem visual, por cima da qual se lê uma divisa, normalmente uma frase curta, por baixo da qual existe um pequeno texto explicativo. Inserindo-se dentro desta corrente, este soneto camoniano pode ser analisado como uma glosa a colocar sob um emblema virtual. No caso, tratar-se-ia muito provavelmente de um alambique, uma figuração que o encontramos também no emblema n.º 95 de Vaenius, que representa Cupido a chorar, ajoelhado perante um alambique em cima de uma fogueira.
    O verso 5, na esteira da doutrina neoplatónica, segundo a qual o amor se transforma no ser amado, com ele se identificando, afirma que o sujeito poético não se atreve a olhar-se a si próprio. Ora, seguindo a teoria platónica, tal significa que contemplar a mulher amada é a mesma coisa que contemplar-se a si próprio, algo que, além de ser psicologicamente  difícil, acarreta o risco de cegueira, porque, de acordo com o petrarquismo, a mulher amada é identificada com o sol. A mulher, no esplendor da sua beleza, refulge como um sol, daí que o «eu» não ouse olhá-la.
    Apesar de, normalmente, não se atrever a olhar a mulher amada, o sujeito lírico acaba por o fazer “por se certificar do que ali via” (v. 6), ou seja, para se certificar dos bons fundamentos da sua própria visão, mas, quando se apercebe que ela está a chorar, os seus próprios olhos convertem-se em fonte de lágrimas, sofrendo uma metamorfose que também encontramos em Petrarca. É exatamente o que acontece a quem procura olhar o sol, uma comparação recorrente em Petrarca. Assim, o «eu» poético começa a chorar de repente, o que lhe serve de desabafo, visto que as lágrimas aliviam a dor, tornando-a mais suportável.
    No primeiro terceto, o sujeito poético interroga-se qual seria a causa do pranto da mulher amada. O seu próprio sentimento de amador diz-lhe que as lágrimas dela seriam um sinal da sua benevolência para com ele. Se aquele que ama acreditar nessa explicação, arrisca-se a enlouquecer por excesso de felicidade (é o “imortal contentamento” – v. 14). O “primeiro efeito” referido no verso 11 são as lágrimas da mulher, que precedem as do amador.
    O segundo terceto corresponde à conclusão de um silogismo. Nas palavras de Faria e Sousa, a figura feminina, ao chorar, por piedade amorosa e não por uma amor desprovido do decoro da honestidade, derrama lágrimas de grande contentamento para o amante, pois eram um favor vindo dela, proveniente de um amor honesto e piedoso. Perante o processo de liquefação do cristal e, sobretudo, a origem paradoxal da dupla corrente de lágrimas que é derramada, o autor dirige-se ao leitor, apelando para a sua capacidade de se deslumbrar (através do imperativo “Olhai”: vede, pois, que espetáculo). Atente-se num estratagema literário usado por Camões: o poeta não é responsável por aquilo que escreve, mas é Amor que redige em vez dele, ao mesmo tempo que grava na sua alma o rosto da amada. Este motivo literário tem a sua origem em Ovídio (“[Amor] Ille Mihi primo dubitanti scribere dixit: ‘Scribe [...]”); reaparece em Petrarca (“Più volte Amor m’avea già detto: Scrivi, / scrivi quel che vedesti in lettre d’oro”), retomado por Boscán (“Gran tiempo ha que amor me dice: escrive, / escrive lo que’n ti yo tengo ‘scrito / de letra que jamás será borrada” e nas Rime de Petro Bembo. Este estabelece um diálogo com Amor em pessoa, que, no final do soneto, o manda escrever o que encontrará gravado no seu próprio coração, bem como o que poderá ler nos olhos da sua amada.
    Este conceito retomado por Petro Bembo foi definido filosoficamente por Platão, para o qual o efeito produzido pelas sensações na nossa memória pode comparar-se com a ação de alguém que escreve na nossa alma, onde existe uma placa de cera pronta para receber as impressões produzidas por tudo aquilo que vimos, ouvimos ou pensámos. A mesma noção é explanada por Aristóteles: quando os sentidos percebem um objeto (por exemplo, uma rosa) o sentido comum agrupava todas as sensações (cheiro, cor, etc.) numa sensação composta. A rosa deixa uma “impressão” nos nossos sentidos, que Aristóteles comparava com um selo que se imprimia sobre uma tábua de cera, deixando marcada a sua forma, mas não a sua matéria. A imaginação recebe essa sensação composta, a partir da qual forma uma imagem ou «fantasma». A imaginação (chamada “o olho da alma”) é capaz de reviver essa imagem quando o objeto percebido está ausente. Esta faculdade não é somente reprodutora, mas também criadora ou “pintora de imagens”, mesmo que possa produzir intencionalmente imagens de coisas inexistentes ou que nunca sucederam. Levado pelo desejo violento do objeto amado, o sujeito fica com a sua forma gravada na fantasia, que permanece na memória, assim dela se recordando continuamente. Destes dois fenómenos decorre um terceiro, visto que do desejo violento e da recordação, à qual o pensamento continuamente regressa, nasce o impulso passional.
    Em suma, dissociado do «eu» poético, o autor chama a atenção de leitor para o poder sobrenatural de Amor (personificação), pois é capaz de gerar lágrimas a partir de lágrimas. Umas são provenientes da mulher e constituirão uma manifestação da sua compaixão (“de lágrimas de honesta piedade” – v. 13) e as outras tradutoras de uma felicidade imortal (“lágrimas de imortal contentamento” – v. 14).
    Este soneto exemplifica uma atitude tipicamente maneirista: primeiro, é descrita uma mulher a desfazer-se em lágrimas, de forma enigmática. Cada detalhe fisionómico está associado a uma metáfora de sabor petrarquista. Depois, no final do soneto, é o próprio autor que assinala, de forma complacente, a singularidade do fenómeno descrito.
    Note-se, a finalizar, que este poeta é atribuído a Luís de Camões, no entanto subsistem dúvidas acerca da sua autoria.
 
Bibliografia:
. Rita Marnoto;
. Maurizio Perugi.

 

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