Português: Carcaterização de Albino

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Carcaterização de Albino

    Albino é uma lavadeiro afeminado que vive entre as mulheres. Ao contrário de personagens femininas claramente apresentadas como lésbicas, o que inclui a referência e a descrição de práticas sexuais, a homossexualidade de Albino não é revelada explicitamente através do seu envolvimento sexual com outros homens. De facto, não possuímos qualquer evidência concreta de que possua vida sexual ou amorosa com outras figuras masculinas (vide simbolismo da imagem das formigas na cama), pelo que a forma que o narrador encontra para sugerir a sua homossexualidade é feita por meio da sua caracterização física e pelo conportamento estereotipadamente homossexuais, pelos seus próprios comentários enquanto narrador e de outras personagens, bem como da profissão, dado ser geralmente exercida por mulheres.
    A primeira descrição de Albino que a obra nos dá é a seguinte: "um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pescocinho mole e fino". Ora, esta descrição física associa a personagem ao espectro feminino: pálido, fraco, magro, etc. Trata-se de uma clara emasculação de Albino. Por outro lado, o narrador recorre a diminutivos (cabelinho, pescocinho, etc.) para representar a delicadeza da personagem, apresentada como frágil e débil em diversos momentos da obra. Em suma, adjetivos como «afeminado» sugerem a sua homossexualidade, enquanto os diminutivos «cabelinho» e «pescocinho» lhe conferem, pejorativamente, um grau de delicadeza e reforçam a ideia de que seria homossexual, contrapondo-se ao perfil tradicional de masculinidade (força, solidez, grandeza, etc.), o que indicia a visão simplista, distanciada e preconceituosa sobre o tipo social do homem homossexual na época.
    Por outro lado, Albino vive socialmente distante dos homens e das atividades viris, sempre rodeado de mulheres - não só no trabalho, por ser lavadeiro, e em eventos sociais, encarregando-se de varrer e arrumar a casa, mas sobretudo pela natureza da sua relação com elas -, mantendo com elas uma amizade extremamente íntima e confidente, sendo tratado "como a uma pessoa do mesmo sexo",todavia nunca o narrador fornece qualquer informação remotamente relacionada com a sua sexualidade: "Era lavadeiro e vivia sempre entre os mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo; em presença dele falavam de coisas que não exporiam em presença de outro homem; faziam-no até confidente dos seus amores e das suas infidelidades, com uma framqueza que o não revoltava, nem comovia. Quando um casal brigava ou duas amigas se disputavam, era sempre Albino quem tratava de conciliá-los, exortando as mulheres à concórdia." A diferença do relacionamentodas lavadeiras com Albino em relação aos demais homens era assinalável, o que sugere que ele era tratado por elas como uma mulher: "(...) em presença dele falavam de coisas que não exporiam em presença de outro homem; faziam-no até confidente dos seus amores e das suas infidelidades". Esta confiança depositada nele pelas mulheres no ambiente de trabalho, por sugestão, ocorria porque a sua personalidade e o seu comportamento se assemelhavam aos das mulheres. Esta descrição atribui-lhe ainda um certo grau de sabedoria e moralidade, como o demonstra o facto de, sempre que "um casal brigava ou duas amigas se disputavam", era ele quem procurava a conciliação entre eles. Outro momento importante sucede quando as mulheres conversavam sobre a beleza de Jerónimo, até então desconhecido pelos moradores do cortiço, e Albino lembra prudentemente que "Quem vê cara não vê corações...", ou seja, não se deve julgar uma pessoa apenas pela sua aparência exterior, desconsiderando o seu interior - sentimentos, caráter, etc.-, que não é visível à primeira vista. Ou seja, a aparência exterior pode enganar. Deste modo, se a personagem se manteve virtuosa do início ao fim da narrativa num meio (o cortiço) que, supostamente, corrompe os seus moradores, o narrador sugere que a sua falta de virtude seria o comportamento afeminado.
    De acordo com R. Thomé, Albino "é a primeira bichinha (...) da história literária brasileira", ou seja, a primeira personagem brasileira baseada no estereótipo da época de homem homossexual, contribuindo para o comic relief da obra, visto que o seu arco narrativo não tem qualquer desenvolvimento. A sua comicidade resulta dos seus comportamentos, tarefas e vestuário compreendidos como femininos - a sua profissão de lavadeiro, o seu zelo em cuidar da sua casa, a amizade e a relação de confidente com as mulheres, bem como o uso da fantasia de dançarina no Carnaval: "(...) Nos dias de Carnaval, (...) ia, vestido de dançarina, passear à tarde pelas ruas e à noite dançar no sbailes dos teatros. E ninguém o encontrava (...) que não estivesse com a sua calça branca engomada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e, amarrado à cinta, um avental que lhe caía sobre as personas como uma saia". Mais uma vez, o narrador recorre ao diminutivo ("pezinhos") para referir uma característica da personagem com sentido pejorativo. Por outro lado, Albino parece aproveitar as festividades do Carnaval, mesmo que nomentaneamente, para expressar a sua identidade afeminada através de uma fantasia marcadamente feminina: a de dançarina. Note-se que as fantasias e as máscaras carnavalescas promovem uma suspensão temorária das sanções sociais, dado que a libertação obtida dura apenas esse período. Através da fantasia de Carnaval, ele liberta-se e protege-se socialmente.
    Um dos primeiros momentos de comic relief protagonizados por Albino sucede quando, a respeito da pouca comida que ingeria e que ainda assim lhe fazia mal, se sente mal e é ridicularizado por Rita, ao insinuar que o fastio dele "era gravidez com certeza", o que o faz chorar porque "não mexia com pessoa alguma, e ninguém , por conseguinte, devia mexer com ele". Esta passagem da obra deixa claro que o humor do episódio se baseia na humilhação de Albino e não da troca de brincadeiras ou ditos espirituosos consentidos. De forma mais direta e cruel, Porfiro zomba também de Albino a propósito da sua languidez e do seu comportamento sexual, o que enfatiza a forma negativa como a homossexualidade era olhada na época:
    - Mas afinal, perguntou Porfiro, é mesmo exato que este pamonha não conhece mulher?...
    - Ele é quem pode responder! acudiu a mulata. E esta história vai ficar hoje liquidada! Vamos lá, ó Albino! confessa-nos tudo, ou ma te terás de haver com a gente!
    Outro aspeto curioso e, simultaneamente, cómico prende-se com a invasão da cama da personagem pelas formigas: "Em verdade, ninguém sabia por que, mas a cama de Albino estava sempre coberta de formigas. Ele q destruí-las, e o demónio do bichicnho a multiplicar-se cada vez mais e mais todos os dias." Ora, a invasão sucede e mantém-se de forma inexplicável e causa grande aborrecimento a Albino, sugerindo que ele não conseguiria, mesmo que quisesse, praticar sexo e ter encontros amorosos com outros homens. Ou seja, o narrador parece querer bainr o comportamento homossexual masculino ao interditar o espaço físico destinado ao sexo da personagem, baseando a sua homossexualidade inteiramente em comportamentos que não se relacionam com a sexualidade, mas com a normatividade de género, ao contrário do que sucede com o comportamento homossexual feminino, que é descrito detalhadamente. A imagem nas formigas na cama constitui uma alegoria da questão sexual de Albino. O lavadeiro é exposto como um indivíduo afeminado, mas não são feitas referências a atividades sexuais da personagem, o que aponta para mais um aspeto que pesa negativamente contra ela: a virgindade.
    Albino é uma figura construída como alguém triste, mal sucedido, digno de compaixão. Em suma,efeminado, assemelha-se às mulheres do cortiço - por exercer a profissão de lavadeiro - e é solícito para as suas amigas, nomeadamente Rita Baiana. Ele é vítima das críticas e da troça que sofre, o que o leva às lágrimas e até a sofrer uma síncope ao ver o cadáver de uma criança. A delicadeza que o caracteriza estende-se à sua casa, que é delicadamente decorada e se mantém limpa e arrumada, à exceção da questão das formigas. Uma hipótese explicativa para a presença constante dos insetos seria a prática da masturbação por parte de Albino.
    Outro elemento relevante na sua caracterização é o seu vestuário. Segundo o narrador, ele apresentava-se sempre com "a sua calça branca engomada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e amarrado à cinta, um avental que lhe caía sobre as pernas como uma saia". Note-se que a imagem avental-saia constitui outra referência subtil à inclinação feminina da personagem, acentuada pela alusão ao seu caráter lânguido, ao facto de saracotear os quadris e suspirar no trabalho.

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