A função
do primeiro capítulo é apresentar a personagem principal é apresentar
a personagem principal, os seus interesses e motivações, iniciando-se com uma
reflexão do almocreve sobre o contraste entre o presente e o passado, contraste
esse que traduz o seu saudosismo, que perpassa toda a narrativa. No capítulo
inicial ainda, encontramos dois elementos muito importantes: o mulinho, a quem
o protagonista se refere sempre com carinho e que está ligado às peripécias mais
importantes da sua vida; Brízida, a figura que impulsiona os atos mais marcantes
da sua existência. Em suma, logo no primeiro capítulo, deparamos com os fios
condutores de várias ações: a saudade, o mulinho, Brízida, os dois rivais e tio
Agostinho.
O segundo capítulo gira
em torno da figura de Brízida que, como é a mola impulsionadora de vários atos
de almocreve, contribui para realçar a sua psicologia. O episódio central é a
luta com o de Santa Eulália. A presença em cena de Rita contribui para destacar
a figura de Brízida e para enfatizar a força motivadora que ela constitui para
o protagonista.
O terceiro capítulo centra-se
no rapto de Brízida: o Malhadinhas enamora-se da prima, porém, tendo dúvidas
acerca do amor da rapariga e confrontado com os avanços de um abade novo e
galã, rapta-a e foge pelos campos, em busca do padre amigo que os há de casar.
Foca igualmente a perseguição que sofre da parte de tio Agostinho e o triunfo
final do almocreve na luta contra as forças adversas.
Desflorada
a mulher, o quarto capítulo centra-se na relação conjugal entre os primos e
no esforço feito para se afirmar perante tio Agostinho, a quem não inspira
confiança. O protagonista esforça-se para mudar o seu comportamento, a sua
conduta, agora com o estatuto de homem casado. Sucede, no entanto, que essa
transformação não se concretiza. Por último, ficamos ainda a par dos episódios
em que intervêm o Capa-Cavalos de Sendim e o Bisagra a feira.
O capítulo cinco tem
como episódio central a rixa entre o almocreve Malhadas e o tenente da Cruz, da
qual sai vitorioso o protagonista. Este vê-se cercado por um grupo de homens
armados, liderados pelo tenente, com a intenção de o matar, por causa de
desentendimentos e rivalidades antigas. Malhadinhas enfrenta os adversários com
uma foice e traça um círculo no chão, desafiando quem o quiser atacar. No auge
da rixa, surge em cena Bernardo do Paço, uma figura simultaneamente respeitada
e temida na região, que intervém em defesa do almocreve. Assim, Bernardo
repreende o tenente e desmobiliza e Cruz é humilhado, enquanto Malhadinhas e Bernardo
selam a sua amizade na venda da Maria Bicha com vinho.
O sexto capítulo relata
dois episódios. O primeiro compreende a agressão violenta e pública de Bisagra
ao padre Antunes, quando o encontra com a sua esposa. O escândalo subsequente
tem como consequência a correção dos comportamentos dos envolvidos, e
Malhadinhas orgulha-se por ter, indiretamente, contribuído para isso com a sua
má língua. O outro episódio consiste na recordação de uma visita do
protagonista a casa de Duarte, durante a qual, após muita bebida, primeiro elogia
Joaquina, a mulher do amigo, e depois insulta violentamente, levando a que
Duarte finalmente se imponha na própria casa e «meta» a mulher na ordem. Deste
modo, o almocreve comprova a funcionalidade da língua enquanto meio para
«endireitar o mundo que andasse torto», desmascarando a hipocrisia e impondo
uma forma de justiça, seja provocando um escândalo conjugal seja restaurando a
autoridade de um amigo sobre a esposa.
O sétimo capítulo tem
como fulcro a aventura vivida com o almocreve Fontinha, a fuga, que determina o
abandono da profissão de almocreve. Durante uma confraternização com o regedor
e os cabos, acabam todos por se embriagar, e Malhadinhas, percebendo que
poderia ser preso por distúrbios e insultos, foge de Aveiro durante quatro
anos. Outro episódio refere-se à ajuda a Bernardo, o amigo que o salvara em
tempos de apuros (cap. V), que agora encontra em perigo, cercado por ciganos e
espanhóis. Os dois enfrentam juntos os inimigos e escapam com dificuldade do
aperto, mas o seu cavalo quase morre de exaustão. Para recuperar o prejuízo da
iminente perda do animal, finge que este ainda está saudável, enche odres de
vento simulando carga e acaba por o vender, enganando o comprador. O cavalo
acaba por “deitar a alma” «na primeira ladeira».
O capítulo oito tece
considerações acerca da relação do protagonista com Brízida e relata a vingança
sobre Bentinho, que lhe «desviou» a neta. De facto, depois de tecer comentários
sarcásticos sobre a sua numerosa descendência, Malhadinhas alude à desonra
causada por duas netas, nomeadamente Luísa, que foi seduzida por Bentinho, um
barbeiro e curandeiro charlatão. Inicialmente, o almocreve mostra-se tolerante,
acreditando que o namoro irá desaguar em casamento, no entanto muda de atitude
ao descobrir que Bentinho apenas se vangloriava da conquista e desonrava a
neta. Durante a festa de São sebastião, dominado pela raiva e pela vergonha,
decide vingar-se. Espera-o à saída e agride-o violentamente. De seguida, foge,
mas é encontrado pela guarda, que lhe diz que ninguém o condenará, visto que se
limitou a lavar a honra.
O penúltimo capítulo
descreve a aventura vivida na serra com o frade Joaquim das Sete Dores,
um homem corpulento, astuto e falador, que lhe pede boleia. Durante o percurso,
os dois conversam sobre a vidam a fé, superstições e mezinhas populares. O
frade, que tem fama de saber lidar com partos difíceis e proteger mulheres de
males no resguardo, dá a Malhadinhas três nóminas (amuletos religiosos),que ele
diz serem eficazes para proteger Brízida e os filhos. Desde então, a esposa do
protagonista nunca mais teve partos difíceis nem faltou leite para os filhos.
Este é um capítulo revelador: o almocreve conclui, no presente, a veracidade
das palavras do frade, ditas no passado, a propósito da sua profissão. Por
outro lado, este capítulo prepara o desfecho da narrativa. A saudade do passado
e do ofício acentua-se. O episódio na serra e a conversa com o frade constituem
um ponto de partida para a reflexão do presente, momento em que a ação se
conclui. Com efeito, é exatamente no momento em que corre perigo, em que
enfrenta a agressividade do clima e do espaço (o nevão na serra, o frio, a
ameaça dos lobos), que Malhadinhas faz o balanço da sua vida, das agruras do
seu ofício, o que motiva o comentário do frade, que lhe mostra como, em todos
os ofícios e situações, há ossos duros de roer. A agressividade do espaço está
em consonância com a agressividade do protagonista, que se vai moldando às
circunstâncias sociais e do espaço. O seu instinto de luta apura-se perante a
hostilidade do ambiente. Por último, este episódio vivido pelo almocreve vai
deixar marcas profundas nele: no futuro, já velho, recordá-lo-á, para dar razão
ao frade, assumindo-se então como um homem plenamente realizado que não renega
as duras vivências que lhe permitiriam afirmar-se como herói.
O capítulo X dá conta das preocupações de
Malhadinhas relativamente à vida após a morte, nomeadamente a preocupação com
esse momento, não por medo, mas por crença. O protagonista queixa-se dos
impostos absurdos cobrados por uma velha cavalgadura que mal valia os guizos de
um gato. Indignado com o «governo de ladrões», decide vender o cavalo e, com
esse negócio, encerra em definitivo o seu ofício de almocreve, confessando, porém,
profundas saudades desse tempo. Mais tarde, já idoso e doente, acredita estar
próximo da morte, por isso chama o padre, confessa-se, recebe o viático e pede
a Brízida para ver a espingarda que fora sua companheira de vida. Desconfiada,
a esposa recusa entregar-lha, o que se mostra uma atitude sensata, visto que a
intenção de Malhadinhas era disparar sobre ela e sobre si, movido pelo ciúme e
pelo medo de refazer a vida após a sua morte. Apesar dos maus presságios
(incluindo o barbeiro, que o dá por morto), todos ficam surpreendidos ao
assistirem à sua recuperação momentânea, no entanto, consciente da proximidade
do fim, sai pela última vez à rua, amparado no seu velho cajado. Senta-se num
poial de pedra e, sereno como um romeiro cansado, adormece de vez.