Aquilino Ribeiro nasceu em Sernancelhe, freguesia de Carregal de Tabosa, distrito de Viseu, na Beira Alta, a 13 de setembro de 1885 e faleceu em Lisboa, a 27 de maio de 1963, após uma doença rápida, tendo os seus restos mortais sido trasladados para o Panteão Nacional em setembro de 2007, 44 anos após a sua morte. Era filho de Mariana do Rosário Gomes e do padre Joaquim Francisco Ribeiro e teve uma infância, ao que se sabe, de uma criança bastante travessa, a tal ponto que ainda recentemente era possível encontrar nessa zona quem tivesse ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio.
A sua vida, tal como a de muitas das personagens a que
deu vida, foi movimentada e aventurosa. Aos 10 anos, mudou-se com os pais para a
aldeia de Soutosa, concelho de Moimenta da Beira, onde passou grande parte da
infância. Estudou na escola de Soutosa e, seguidamente, no Liceu de Lamego, onde
fez os estudos preparatórios, mais tarde em Viseu, em 1902, onde estudou
Filosofia e Teologia. A pedido da sua mãe, entrou para o Seminário de Beja,
onde fez apenas o primeiro e parte do segundo ano de Teologia, dado que não
vocação religiosa. Em 1904, foi expulso do seminário, depois de ter dado uma
réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que
dirigiam a instituição na época.
Em 1906, encontramo-lo em Lisboa, onde inicia a sua longa
carreira de jornalista, com artigos de opinião (e princípio de um romance em
folhetins – A Filha do Jardineiro) publicados em jornais como A
Vanguarda, uma publicação republicana, o Jornal do Comércio, O
Século (do qual foi, mais tarde, correspondente em Paris), A Pátria,
Ilustração Portuguesa e o Diário de Lisboa. Dedicou-se também à
tradução (traduziu, por exemplo, Il Santo, de Fogazzaro) e à redação, em
colaboração com José Ferreira da Silva, do folhetim A Filha do Jardineiro,
uma ficção simultaneamente de propaganda republicana e de crítica corrosiva às
figuras do regime monárquico, incluindo o próprio rei D. Carlos. Além disso, foi
um dos fundadores da Seara, onde também colaborou, escreveu em revistas
como Homens Livres e Lusitânia e, juntamente com outros
intelectuais seus amigos, entre os quais Raul Proença, constituiu-se como um
dos animadores da publicação do Guia de Portugal.
Verdadeiro homem de ação, um tipo social muito exaltado
no início do século XX, aderiu ao movimento republicano, pelo qual se bateu,
quer através da escrita, quer através da participação em iniciativas que
acabaram por o levar à prisão. De facto, em 1907, foi acusado de bombista por
causa do rebentamento de uns caixotes de explosivos que guardara no seu quarto
e que levaram à morte de dois correligionários seus e detido na esquadra do Caminho
Novo por fazer parte do Partido Republicano, de onde se evadiu em
circunstâncias recambolescas, como se pode ler num volume de memórias. Chegou
mesmo a correr um boato segundo o qual Aquilino teria sido, em 1908, a
«terceira carabina», aliás inútil, já que os dois regicidas tinham levado a
cabo a sua função de forma exemplar. Fugiu, portanto, da prisão e, após alguns
meses de clandestinidade em Lisboa, refugiou-se em Paris, tendo frequentado na
Sorbonne o curso de Filosofia e Sociologia. Aí, foi ensinado por mestres como
George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl e Durckeim, e contactou com a intelectualidade
portuguesa que, igualmente por razõees políticas, se exilara fora de Portugal.
Além disso, conheceu Grete Teidemann, a sua primeira mulher, com quem foi
residir e casou na Alemanha, tendo o seu primeiro filho nascido, porém, em
Paris. Visitou brevemente Portugal em 1910, depois de proclamada a República,
tendo regressado em definitivo no ano de 1914, depois da eclosão da Primeira
Guerra Mundial, deixando incompleto o curso de Filosofia, que abandonou já
depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode comprovar pela
consulta dos registos guardados no Centre d’Accueil et de Recherche des Archives
Nationales de Paris.
Em Portugal, nunca descurando o seu trabalho de escritor
(escrita ficcional e cronística para a imprensa periódica, uma atividade que
desenvolveu de forma regular ao longo de toda a vida), exerceu a carreira de
professor no Liceu Camões durante três anos e foi, posteriormente, segundo
bibliotecário – mais tarde conservador – na Biblioteca Nacional, para onde
entrou a convite do amigo Raul Proença. Esta função, entre outras vantagens,
deu-lhe a possibilidade de alimentar o seu amor pelos livros antigos e raros,
um gosto que o levou a produzir trabalhos de investigação, publicados, por
exemplo, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, e que se refletiu também
na sua produção literária, de que é exemplo o seu primeiro romance, A Via
Sinuosa. Além disso, como já foi referido anteriormente, fez parte de um
grupo de intelectuais que desenvolveu uma significativa atividade cívica e
cultural que teve a sua expressão mais visível na revista Seara Nova,
uma publicação importantíssima quer na difusão dos ideais republicanos, quer na
evolução da conturbada vida política da Primeira República.
Foi
demitido do cargo de bibliotecário em 1927 novamente por razões políticas.
Desta vez, participou na revolta frustrada contra a ditadura militar que,
entretanto, fora instaurada no país após o golpe de 28 de maio de 1926. Fugiu
para a Beira Alta e, em seguida, refugiou-se de novo em Paris – segundo exílio.
Quando, clandestinamente, regressou a Portugal, escondeu-se em Soutosa.
Entrementes faleceu a sua esposa. Em 1928, voltou a participar numa iniciativa
antirregime (o chamado movimento do regimento de Pinhel), mas foi capturado e
levado para a prisão do Fontelo, em Viseu, um edifício que ainda hoje pode ser
visto na cidade. Na companhia de António Mota, conseguiu voltar a evadir-se
serrando as grades do cárcere enquanto numa grafonola tocava um disco para
abafar o som. Escondeu-se nas serranias beiroas e encetou uma difícil jornada
que o levou de novo a Paris – terceiro exílio. Na capital francesa, casou em
segundas núpcias [a primeira esposa havida falecido em 1927] com D. Jerónima
Dantas Machado, filha do presidente da República Bernardino Machado, também
homiziado aí depois de deposto por Sidónio Pais, e foi viver com ela para o Sul
de França (Ustaritz e Baiona, onde, em 1930, lhe nasceu o primeiro filho do
casal e o segundo de Aquilino). Enquanto isso, em Lisboa, em 1929, foi julgado
e condenado à revelia. Viveu depois em Vigo e em Tui, cidades espanholas, até
regressar clandestinamente a Abravezes, Viseu. Acabou por ser amnistiado em
1932, tendo ido residir para Cruz Quebrada.
Acalmados os seus instintos revolucionários, embora tenha
continuado a participar em ações críticas da ditadura salazarista, Aquilo
Ribeiro pode, então, dedicar-se plenamente à escrita, prosseguindo a sua
produção ficcional, o trabalho de tradução, o trabalho ensaístico (latu sensu)
e a colaboração na imprensa, além das suas lendárias idas ao Chiado, ao final
da tarde, para tertúlias à porta da Bertrand, a sua editora. Literariamente,
nunca abdicou da originalidade nem alinhou com nenhum dos movimentos literários
do seu tempo, desde o Modernismo (pela leitura de algumas cartas de Fernando
Pessoa, ficamos a saber que Aquilino era apreciado pelo poeta) ao Presencismo,
que o criticou fortemente, em especial José Régio (críticas essas publicadas em
grande número na revista do movimento, a Presença), passando pelo
Neorrealismo. Como foi indiciado atrás, não obstante a acalmia que a sua vida
conheceu nesta época, o escritor jamais abdicou da sua consciência cívica e
política, tendo continuado a criticar o regime, aderido ao MUD (Movimento de
Unidade Democrática), publicado textos na imprensa diária de defesa da causa,
apoiado a campanha presidencial de Norton de Matos, integrado, juntamente com
outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto e militado na candidatura
do general Humberto Delgado à presidência da República, em 1958.
Em 1933, o conjunto de novelas As Três Mulheres de
Sansão foi galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, atribuído pela
Academia das Ciências de Lisboa, e, em 1935, foi eleito sócio correspondente desta
instituição, da qual se tornou sócio efetivo em 1957. Ao seu ativismo político
soma-se a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, lutou pela
agregação forma e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, apesar
das forças políticas contrárias, a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1956,
de que foi fundador, o primeiro presidente eleito e o sócio n.º 1. No ano
seguinte, a Livraria Bertrand iniciou a edição das Obras Completas. Em
1959, foi publicado o romance Quando os Lobos Uivam, que, por causa do
seu conteúdo incómodo para o poder político, que o considerou injurioso das instituições
do poder, foi apreendido e o escritor processado, no entanto, em 1960, o
processo foi amnistiado. Nesse mesmo ano, um grupo de intelectuais (entre os
quais Francisco Vieira de Almeida, o proponente, José Cardoso Pires, David
Mourão-Ferreira, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão,
Mário Soares, Vitorino Nemésio, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira
como subscritores) candidatou Aquilino Ribeiro ao Prémio Nobel da Literatura.
Todos estes factos, juntamente com as homenagens que recebeu no Brasil quando
lá se deslocou em 1952, o movimento de defesa que se gerou em seu torno a
propósito da já citada publicação de Quando os Lobos Uivam (além da
defesa formal, da responsabilidade do advogado Heliodoro Caldeira, o escritor
recebe o apoio de cerca de três centenas de intelectuais portugueses, que
elaboram um abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo e François
Mauriac redigiu uma petição em seu amparo que foi assinada por figuras como
Louis Aragon e André Maurois, além de ter sido publicado em vários jornais e
revistas franceses) atestam o enorme prestígio que Aquilino Ribeiro possuía.
No momento em que se preparava, nomeadamente através da
Sociedade Portuguesa de Escritores, uma homenagem pública nacional, promovida por
várias cidades e tendo por base a celebração do cinquentenário da publicação da
obra Jardim das Tormentas, o escritor adoeceu repentinamente, vindo a
falecer no Hospital da CUF a 27 de maior de 1963.
Bibliografia
▪ AA. VV., Retratos para Aquilino,
Câmara Municipal de Paredes de Coura, 2000.
▪ ALMEIDA, Henrique, Aquilino
Ribeiro e a Crítica, Porto, Edições Asa, 1993.
▪ CENTRO DE ESTUDOS AQUILINO RIBEIRO
(ed.), Cadernos Aquilinianos.
▪ INSTITUTO PORTUGUÊS DO LIVRO (coord. Eugénio Rosa), Dicionário
Cronológico de Autores Portugueses.
▪ MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor.
Porto. Divulgação, 1964.
▪ MARTINS, Serafina, Aquilino
Ribeiro, Instituto Camões.
▪ MALPIQUE, Cruz, Aquilino. O homem e o escritor.
Porto. Divulgação, 1964.
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