A
resposta a esta pergunta é muito semelhante, nalguns aspetos, à questão sofre
diferenciação que ocorreu entre as línguas românicas.
Todos
os seres humanos têm uma língua, que é constituída por um conjunto limitado de
sons, os quais nada significam entre si, mas se conjugam para dar origem a
palavras com significado, e por regras que possibilitam a sua organização e o
seu uso. Deste modo, poder-se-ia considerar a possibilidade de existir uma
língua universal, isto é, comum e falada por todos os humanos. Não é isso, no
entanto, o que sucede. Porquê?
1.
A criação de novas palavras
Observemos
o que escreve o professor Marco Neves na sua obra História do Português
desde o Big-Bang (p. 62): “Imaginemos um mundo onde a humanidade fala uma
só língua. Nesse mundo monolingue, alguém descobre um animal novo. O nosso
descobridor dá um nome arbitrário (como todos os nomes) à sua descoberta: dali
em diante, o animal chamar-se-á «elom». Dias depois, a nossa tribo encontra uma
outra tribo. Contam, entusiasmados, a descoberta do elom. A outra tribo
fica baralhada e diz-lhes que aquele animal se chama ganim! […]
E
agora? Elom ou ganim? […] Cada tribo vai continuar a chamar ao
animal o nome que inventou: elom ou ganim. […] Como a humanidade
nunca viveu como uma só tribo, nunca poderia ter uma só língua, a não ser que
essa língua fosse muito limitada e inflexível. Ora, a linguagem humana é
flexível e, para isso, tem de aceitar novas palavras e permitir a dispersão,
porque é impossível uma reunião de toda a humanidade para discutir que palavra
usar para cada situação nova que encontramos. Multipliquemos este processo pelas
descobertas e invenções de cada tribo e temos palavras diferentes.
Multipliquemos pelo número de tribos do mundo e percebemos uma das razões por
que se multiplicam as línguas. […]
Além
desse facto óbvio de vivermos em grupos diferentes, que podem ter de dar um
nome diferente a algo novo, há outro facto inescapável da língua: a língua muda
naturalmente, num processo raramente consciente. Se quisermos pensar um pouco melhor
na questão, imaginemos que a tribo original em três. Anos depois, uns dirão elom,
outros dirão alom, outros dirão alomi… Em breve, teremos três
línguas. Mesmo quando começamos com uma só língua, rapidamente encontramos
divergência linguística se houver separação entre os falantes. Podemos até
imaginar que as três línguas ganham maneiras diferentes de expressar o plural:
• duplicação:
«elom-elom»;
• partícula:
«xi alom»;
• terminação:
«alomis».
[…]
As palavras e a gramática de cada língua vão surgindo através da interação
entre os falantes. Neste aprender constante das línguas e no seu uso coletivo
pelas várias gerações – e se as línguas tiverem sido inventadas pelo Homo
erectus, já vamos em mais de 60 000 gerações a usar a linguagem humana –, há
processos em que ninguém repara, mas que vão também garantindo uma mudança
gradual e inaceitável de todas as línguas, mesmo que sejam faladas por um grupo
isolado (e raramente o são).”
2.
A economia de esforço
Outra
razão para a diferenciação das línguas prende-se com a economia de esforço, que
passa pela simplificação ou queda de sons ao longo dos séculos, ou seja, o
falante deseja dizer o mais possível, com o menor esforço possível. Quem nunca
deparou com o verbo «tar» («estar») por aí? Quem nunca ouviu o atual Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a soltar um «paspanha» («para Espanha»)?
3.
A herança linguística
Cada
nova geração aprende os hábitos linguísticos da geração anterior. O cérebro de
uma criança refaz o sistema linguístico que recebeu dos pais sem que ninguém
lhe ensine as regras. Essa aprendizagem baseia-se na analogia, limpando
irregularidades e visando regras gerais, tendência que é contrariada pelos
pais, que assim garantem a sobrevivência das irregularidades. Por exemplo, é
comum uma criança, quando começa a falar, dizer «fazido» em vez de «feito».
Com
a passagem dos séculos, uma língua torna-se mais complexa. As línguas que ficam
isoladas parecem ter tendência a serem gramaticalmente mais complexas. Por
exemplo, o archi, falado no Cáucaso russo, é composta por 1 502 829 formas para
cada verbo.
No
entanto, também existem exceções a esta complexificação. Por exemplo, aquando
da evolução do latim para o português, simplificaram-se os casos, o que se
justifica pelo facto de uma língua, quando se expande por um território muito
grande ou quando é aprendida por um grande número de falantes, sofrer um
desbaste gramatical muito grande.
4.
A diferença entre os falantes
A
aprendizagem das línguas opera-se de forma diferente de pessoa para pessoa (não
há cérebros nem corpos iguais). Por outro lado, a língua que “recebemos” dos
nossos pais é diferente de pessoa para pessoa. Deste modo, “cada falante tem a
sua história e aprende uma língua muito pessoal: é o chamado idioleto.
Além disso, os falantes pronunciam cada som de forma ligeiramente diferente. Se
pedirmos a cem pessoas que pronunciem um determinado som («a», por exemplo),
observamos que haverá diferenças sensíveis entre o que sai da boca de cada um
desses indivíduos. Ora, os sons vão mudando ao longo do tempo e no espaço.
Ou
seja, a mudança de uma língua ao longo do tempo acontece porque os falantes são
diferentes entre si: não há duas pessoas iguais, com corpos iguais e vidas
iguais. Cada som é pronunciado de forma diferente, porque o aparelho fonador (boca,
garganta, cordas vocais) de cada indivíduo é diferente, tal como a maneira como
aprendemos o som é também sempre diferente, desde logo porque somos ensinados
por pessoas diferentes.
5.
A interferência das línguas
As
línguas influenciam-se umas às outras. Recuando, por exemplo, no tempo, as línguas
das tribos divergiram, mas estas nunca viveram em isolamento absoluto e
permanente. Pelo contrário, os contactos entre tribos diferentes e pessoas que
falavam diferentes línguas sempre aconteceram, o que fez com que houvesse
interferências, mortes de línguas, misturas, etc.
Este
fenómeno acentuou-se, por exemplo, na época das Descobertas e, atualmente, é
inequívoco após a criação da Internet e, posteriormente, das redes sociais.