Português

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Porque é que a polícia não apanhou Jack, oEstripador?

Porque chamavam "O Coração de Leão" ao rei Ricardo I?


             De acordo com um romance do século XIII, quando Ricardo I foi preso pelo rei Modred de Almain no seu regresso da cruzada, Margery, afilha do seu captor, apaixonou-se por ele.

            A jovem subornou os guardas para a deixarem ver o prisioneiro. Logo que Modred descobriu o que se passara, quis matar Ricardo de imediato, contudo os seus conselheiros aconselharam-no e convenceram a proceder de forma a que o assassinato parecesse um acidente. Deste modo, planearam não alimentar o leão da corte durante alguns dias e, depois, fazer com que, acidentalmente, entrasse na cela do monarca aprisionado.

            Quando a princesa soube dos planos do pai, contou a Ricardo I e implorou-lhe que fugisse, no entanto ele recusou e, em alternativa, pediu-lhe quarenta lenços de seda, que atou àvolta do braço direito.

            Quando o leão entrou na cela, o rei lançou o seu braço protegido à goela do leão e arrancou-lhe o coração. Deu graças a Deus por o ter protegido durante a luta e, a seguir, dirigiu-se ao refeitório do rei.

            Perante a corte, Ricardo I atirou o coração do animal para a mesa, agarrou num punhal de sal, temperou-o e depois comeu-o cru. Foi assim que, de acordo com a lenda, ganhou o epíteto com que ficou conhecido.

            No entanto, de acordo com a História, talvez seja preferível considerar que o cognome resultou das proezas e da coragem no campo de batalha, que foram de tal monta que se criou esse tipo de histórias sobre ele.

sábado, 5 de novembro de 2022

Quantas línguas há no mundo?


             A resposta a esta pergunta não é simples. Por exemplo, há quem olhe para o português e para o galego e considere que constituem uma só língua e há quem conte duas línguas.

            Por outro lado, os critérios para a contagem das línguas diferem. Além disso, ninguém as conhece a todas.

            Seja como for, de acordo com o catálogo Ethnologue (https:www.ethnologue.com), existem 7 151 línguas no mundo, mas a conceção geral passa por estimar um número situado entre as 6 000 e as 7 500. O mesmo catálogo conta 142 famílias de línguas.


A língua e o território


             Atualmente, associamos a ideia de uma língua a um determinado território, mas nem sempre foi assim. De facto, há muitos séculos, as populações viviam em constante mudança; as línguas estavam ligadas às tribos, mas estas não tinham um território definido, pois estavam em permanente migração.
            Contudo, há cerca de 12 mil anos, foi inventada a agricultura, o que permitiu que parte da humanidade se tornasse sedentária e, assim, estivesse ligada a um território mais ou menos fixo. Esse território podia ser vizinho de outro, onde vivia outra tribo há mais tempo e que, por isso, tinha uma língua diferente. Seguem-se invasões, conquistas, línguas que são substituídas pelas dos invasores, etc. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o latim, os substratos e superstratos. O latim, aquando da Romanização, impôs-se às línguas pré-existentes nos territórios conquistados, que acabaram por desaparecer, deixando, porém, vestígios linguísticos na língua invasora.
            Além disso, mesmo num território onde se fala uma mesma língua a distância entre os povoados e as pessoas cria diferenças. Os habitantes de uma localidade compreendem bem os da localidade vizinha, que compreendem bem os da seguinte e assim sucessivamente. No entanto, se juntarmos os habitantes de duas localidades bem distantes, é possível que tenham dificuldades em se entender linguisticamente. Nestes casos, é difícil saber onde começa uma língua e começa outra. É aquilo que se chama continuum dialectal. Não existem fronteiras marcadas, mas há uma grande diversidade no território.
            Por outro lado, convém ter presente que a variação linguística não é uma questão meramente geográfica. Por exemplo, a forma de falar da classe social dominante de um território, pelo prestígio que possui, pode expandir-se e ir apagando formas de falar de outros locais ou regiões.
            Sucede também que os centros de poder atraem muitas pessoas, de muitos outros locais, fazendo com que o seu dialeto particular incorpore características de outros locais. A forma de prestígio atrai outras formas, roubando-lhes elementos e/ou apagando aqueles que não são escolhidos para fazerem parte da língua de prestígio.

Por que razão não falamos todos a mesma língua?


             A resposta a esta pergunta é muito semelhante, nalguns aspetos, à questão sofre diferenciação que ocorreu entre as línguas românicas.
            Todos os seres humanos têm uma língua, que é constituída por um conjunto limitado de sons, os quais nada significam entre si, mas se conjugam para dar origem a palavras com significado, e por regras que possibilitam a sua organização e o seu uso. Deste modo, poder-se-ia considerar a possibilidade de existir uma língua universal, isto é, comum e falada por todos os humanos. Não é isso, no entanto, o que sucede. Porquê?

1. A criação de novas palavras
 
            Observemos o que escreve o professor Marco Neves na sua obra História do Português desde o Big-Bang (p. 62): “Imaginemos um mundo onde a humanidade fala uma só língua. Nesse mundo monolingue, alguém descobre um animal novo. O nosso descobridor dá um nome arbitrário (como todos os nomes) à sua descoberta: dali em diante, o animal chamar-se-á «elom». Dias depois, a nossa tribo encontra uma outra tribo. Contam, entusiasmados, a descoberta do elom. A outra tribo fica baralhada e diz-lhes que aquele animal se chama ganim! […]
            E agora? Elom ou ganim? […] Cada tribo vai continuar a chamar ao animal o nome que inventou: elom ou ganim. […] Como a humanidade nunca viveu como uma só tribo, nunca poderia ter uma só língua, a não ser que essa língua fosse muito limitada e inflexível. Ora, a linguagem humana é flexível e, para isso, tem de aceitar novas palavras e permitir a dispersão, porque é impossível uma reunião de toda a humanidade para discutir que palavra usar para cada situação nova que encontramos. Multipliquemos este processo pelas descobertas e invenções de cada tribo e temos palavras diferentes. Multipliquemos pelo número de tribos do mundo e percebemos uma das razões por que se multiplicam as línguas. […]
            Além desse facto óbvio de vivermos em grupos diferentes, que podem ter de dar um nome diferente a algo novo, há outro facto inescapável da língua: a língua muda naturalmente, num processo raramente consciente. Se quisermos pensar um pouco melhor na questão, imaginemos que a tribo original em três. Anos depois, uns dirão elom, outros dirão alom, outros dirão alomi… Em breve, teremos três línguas. Mesmo quando começamos com uma só língua, rapidamente encontramos divergência linguística se houver separação entre os falantes. Podemos até imaginar que as três línguas ganham maneiras diferentes de expressar o plural:

duplicação: «elom-elom»;

partícula: «xi alom»;

terminação: «alomis».

            […] As palavras e a gramática de cada língua vão surgindo através da interação entre os falantes. Neste aprender constante das línguas e no seu uso coletivo pelas várias gerações – e se as línguas tiverem sido inventadas pelo Homo erectus, já vamos em mais de 60 000 gerações a usar a linguagem humana –, há processos em que ninguém repara, mas que vão também garantindo uma mudança gradual e inaceitável de todas as línguas, mesmo que sejam faladas por um grupo isolado (e raramente o são).”

2. A economia de esforço

            Outra razão para a diferenciação das línguas prende-se com a economia de esforço, que passa pela simplificação ou queda de sons ao longo dos séculos, ou seja, o falante deseja dizer o mais possível, com o menor esforço possível. Quem nunca deparou com o verbo «tar» («estar») por aí? Quem nunca ouviu o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a soltar um «paspanha» («para Espanha»)?

3. A herança linguística

            Cada nova geração aprende os hábitos linguísticos da geração anterior. O cérebro de uma criança refaz o sistema linguístico que recebeu dos pais sem que ninguém lhe ensine as regras. Essa aprendizagem baseia-se na analogia, limpando irregularidades e visando regras gerais, tendência que é contrariada pelos pais, que assim garantem a sobrevivência das irregularidades. Por exemplo, é comum uma criança, quando começa a falar, dizer «fazido» em vez de «feito».
            Com a passagem dos séculos, uma língua torna-se mais complexa. As línguas que ficam isoladas parecem ter tendência a serem gramaticalmente mais complexas. Por exemplo, o archi, falado no Cáucaso russo, é composta por 1 502 829 formas para cada verbo.
            No entanto, também existem exceções a esta complexificação. Por exemplo, aquando da evolução do latim para o português, simplificaram-se os casos, o que se justifica pelo facto de uma língua, quando se expande por um território muito grande ou quando é aprendida por um grande número de falantes, sofrer um desbaste gramatical muito grande.

4. A diferença entre os falantes

            A aprendizagem das línguas opera-se de forma diferente de pessoa para pessoa (não há cérebros nem corpos iguais). Por outro lado, a língua que “recebemos” dos nossos pais é diferente de pessoa para pessoa. Deste modo, “cada falante tem a sua história e aprende uma língua muito pessoal: é o chamado idioleto. Além disso, os falantes pronunciam cada som de forma ligeiramente diferente. Se pedirmos a cem pessoas que pronunciem um determinado som («a», por exemplo), observamos que haverá diferenças sensíveis entre o que sai da boca de cada um desses indivíduos. Ora, os sons vão mudando ao longo do tempo e no espaço.
            Ou seja, a mudança de uma língua ao longo do tempo acontece porque os falantes são diferentes entre si: não há duas pessoas iguais, com corpos iguais e vidas iguais. Cada som é pronunciado de forma diferente, porque o aparelho fonador (boca, garganta, cordas vocais) de cada indivíduo é diferente, tal como a maneira como aprendemos o som é também sempre diferente, desde logo porque somos ensinados por pessoas diferentes.

5. A interferência das línguas

            As línguas influenciam-se umas às outras. Recuando, por exemplo, no tempo, as línguas das tribos divergiram, mas estas nunca viveram em isolamento absoluto e permanente. Pelo contrário, os contactos entre tribos diferentes e pessoas que falavam diferentes línguas sempre aconteceram, o que fez com que houvesse interferências, mortes de línguas, misturas, etc.
            Este fenómeno acentuou-se, por exemplo, na época das Descobertas e, atualmente, é inequívoco após a criação da Internet e, posteriormente, das redes sociais.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Avaliação quantitativa e qualitativa

     Helena Matos sobre a avaliação quantitativa e qualitativa: «Ambas são necessárias

    Sobre a avaliação qualitativa em particular: «Pensem nas suas poupanças que têm no banco. E o banco deixa de lhes dar [informação] em números, passa a "Olhe, este mês está piorzinho; este mês melhorou um bocadinho; este mês está assim-assim, mas tem-se esforçado. Este mês está espetacular. Olhe, agora está terrível. O que é que aconteceu?"»

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Biografia de Platão

 

428 a.C.     Nasce em Atenas, filho de Ariston e de Perictione. É originário de uma família aristocrática e o seu nome é Aristócles, tal como o seu avô, no entanto desde cedo é chamado de Platão, palavra grega que designa um indivíduo de ombros largos e testa ampla.
 
408 a.C.    Conhece Sócrates e torna-se seu discípulo.
 
399 a.C.    Dá-se o processo e a condenação à morte de Sócrates, um processo que marcou profundamente a vida e o pensamento de Platão. Após a morte do Mestre, refugia-se em Mégara, onde permanece algum tempo.
 
399/8 a.C.  Redige as suas primeiras obras, que se tornam conhecidas por «diálogos socráticos».
 
394 a.C.    Ocorre a batalha de Corinto, em que Platão participou.

388 a.C.    Faz a primeira viagem à Sicília, com o objetivo de educar o rei Dionísio I.

387 a.C.    Tendo sido mal sucedida a sua primeira viagem à Sicília, regressa a Atenas. Dedica-se à educação dos jovens e funda a Academia.

385 a.C.    Esta é a data provável em que é escrito o Fédon.

367 a.C.    Dá-se a morte de Dionísio I e a subida ao trono do seu filho Dionísio II. Platão deixa a Academia e retorna à Sicília. Regressa neste mesmo ano a Atenas e retoma o seu lugar na sua Academia, que passa a ser frequentada por Aristóteles.

361 a.C.    Vai pela terceira vez em viagem à Sicília e regressa a Atenas.

353 a.C.    Escreve a Carta VII, que constitui uma fonte importante de dados biográficos.

348/7 a.C. Morre aos 80 ou 81 anos, altura em que escrevia a obra As Leis.

Análise de Madame Bovary

 I. Contexto


II. Ação


     1. Resumo

     2. Capítulos

          * Parte I

          . Capítulo I: resumo

          . Capítulo II: resumo

          . Capítulo III: resumo


          . Capítulo IV: resumo

          . Capítulo V: resumo

          . Capítulo VI: resumo


          . Capítulo VII

          . Capítulo VIII

          . Capítulo IX


          * Parte II

          . Capítulo I: resumo

          . Capítulo II: resumo

          . Capítulo III: resumo


          . Capítulo IV: resumo

          . Capítulo V: resumo

          . Capítulo VI: resumo


          . Capítulo VII: resumo

          . Capítulo VIII: resumo

          . Capítulo IX: resumo

Resumo do capítulo VII da Parte II de Madame Bovary


            Após a partida de Leon, Emma volta a cair em depressão. Ela mostra-se mal-humorada, irritável, nervosa e miserável. Sonha constantemente com Leon e lamenta não ter cedido ao seu amor por ele. Neste estado, conhece um rico e bonito proprietário de terras chamado Rodolphe Boulanger, que traz um criado para ser tratado por Charles. Durante o tratamento, Justin, assistente de Homais que está apaixonado por Emma, desmaia ao ver o sangue. Enquanto a protagonista cuida dele, Rodolphe é arrebatado pela sua beleza e começa a conspirar para a seduzir.

Análise dos capítulos IV a VI da Parte II de Madame Bovary


             Na conclusão do capítulo IV, ficamos a conhecer melhor os sentimentos de Leon por Emma. Deste modo, descobrimos que ele se envergonha da sua cobardia por ser incapaz de declarar o seu amor por ela, que lhe escreveu e rasgou várias cartas de amor e que se sente frustrado por ser casada.
            Flaubert satiriza a ideia romântica do amor como uma força transformadora avassaladora da natureza justapondo imagens de furacões e tempestades com um dos efeitos mais mundanos do clima, os danos causados pela água. Ao apresentar a sua descoberta de uma mossa na parede num tom irônico de arrependimento, zomba da falta de conhecimento prático de Emma, bem como da sua incapacidade e falta de vontade de conceber o real. O seu conflito está contido nesta passagem. Ela anseia por ideais românticos irreais e a princípio ignora e depois dececiona-se com as realidades imperfeitas da vida, como a decadência.
A luta de Emma com a sua consciência, enquanto tenta fazer o seu melhor para se tornar uma esposa e mãe obediente, mesmo quando é tentada por um romance com Leon, em última análise, equivale à sua indulgência com o papel romântico de mártir. Mas quando empurra a sua jovem filha para longe de si num ataque de fúria, não pode continuar a fingir que é uma mulher de família obediente. Ela é salva de uma infidelidade com Leon apenas por pela sua decisão de partir para Paris. Por outro lado, o incidente com Berthe demonstra a sua incapacidade de abraçar os instintos maternais. Pouco antes de empurrar a filha, encara-a com desgosto, considerando-a mais como um objeto estranho – um móvel ou um animal – do que como sua própria filha.
A conversa entre Emma e o padre oferece a Flaubert a oportunidade para troçar da natureza superficial da religião entre a burguesia. Quando procura a ajuda do padre, fá-lo porque necessita mesmo dela. Porém, o abade Bournisien está preocupado não com assuntos espirituais, mas com banalidades mesquinhas: a desordem dos seus alunos e as suas rotinas diárias. Quando Emma diz: “Estou a sofrer.”, ele entende-a mal e assume que ela se refere ao calor do verão. A cena é bem-humorada, mas também critica severamente a Igreja, implicando que ela só pode fornecer confortos superficiais e é incapaz de ministrar a necessidade espiritual bem real de que a protagonista necessita.
Madame Bovary tornou-se uma obra muito famosa em parte por causa da sua técnica narrativa inovadora. Flaubert combina o seu estilo de prosa com narrativa com notável precisão. Quando Emma está entediada, o texto parece arrastar-se; quando ela está noiva, voa. Flaubert amplia o alcance simbólico do romance com o desenvolvimento de Homais, personagem perfeitamente concebida para representar tudo o que Flaubert odeia na nova burguesia. E ele introduz um prenúncio quando o sinistro Lheureux sugere a Emma que é um agiota.

Resumo do capítulo VI da Parte II de Madame Bovary


             Emma ouve o badalar dos sinos da igreja e decide procurar ajuda aí. O pároco, o abade Bournisien, preocupado com os seus próprios problemas e com um grupo de meninos indisciplinados na sua aula de catecismo, ignora a profunda angústia de Emma. Posteriormente, num acesso de irritabilidade, Emma empurra Berthe para longe de se, e a criança cai e corta-se, no entanto diz que a filha estava a brincar e que caiu acidentalmente. Emma está frenética e abalada, mas Charles eventualmente acalma-a.
Leon decide ir para Paris, para estudar Direito. Ama Emma, mas os sentimentos dela tornam o romance impossível, e ele está totalmente entediado em Yonville. Por outro lado, o homem também é tentado por aventuras românticas que pensa que o aguardam em Paris. Quando se despede de Emma, ambos ficam desajeitados e quietos, mas emocionam-se. Depois da sua partida, Charles e Homais discutem as atrações e as dificuldades da vida na cidade.

Resumo do capítulo V da Parte II de Madame Bovary


             Emma observa Leon, Homais e Charles e decide que o marido é tão banal que a enoja. Ela percebe que Leon a ama, e, quando se voltam a encontrar, comportam-se ambos de forma tímida e desajeitada, sem saber como proceder. Emma está constantemente nervosa e começa a perder peso. Imagina-se uma mártir, incapaz de se entregar ao amor por causa das restrições que o facto de ser casada lhe impõe. Ela desempenha o papel de esposa obediente de Charles e traz a filha, Berthe, de volta para casa da ama de leite. No entanto, o desejo por Leon torna-se muito mais forte do que o seu desejo de ser virtuosa, e entrega-se à autopiedade. Começa a chorar e culpa Charles por toda a sua infelicidade. Um dia, um lojista chamado Monsieur Lheureux dá a entender que ele é um agiota, caso ela precise de um empréstimo.

Resumo do capítulo IV da Parte II de Madame Bovary


             Durante o inverno, os Bovary têm o hábito de passar as noites de domingo na casa de Homais. Aí, Emma e Leon desenvolvem um forte relacionamento. Cada um sente-se fortemente atraído pelo outro, mas nenhum deles tem coragem de admitir o sentimento. Trocam pequenos presentes, e as pessoas da cidade têm a certeza de que são amantes.

Análise dos capítulos I a III da Parte II de Madame Bovary


             A superficialidade do romantismo de Emma fica clara nas suas interações com Leon, que compartilha do seu amor pelos sentimentos e paixão excessivos. A conversa de Emma com Leon no jantar é banal e sentimental – eles discutem como os livros os transportam para longe das suas vidas quotidianas –, mas para os dois parece arrebatadora e significativa. Ela desafia o seu casamento estável, todavia insatisfatório, com um relacionamento baseado em declarações falsamente profundas, em vez de sentimentos verdadeiros.
O nascimento da filha de Emma sublinha o materialismo dos seus sentimentos, mas também introduz alguns dos argumentos feministas do romance. Ela deseja ser uma figura materna apenas quando parece que o papel pode ser glamoroso. Assim que percebe que não pode comprar roupas e móveis caros para a bebé, o seu interesse desvanece-se, e vemos que o seu único interesse pelo filho constitui um meio para realizar os seus próprios desejos. Emma sonha ter um filho, porque acredita que ele terá o poder que lhe falta a ela. Essa declaração franca mostra que Flaubert estava ciente e talvez desaprovasse as liberdades concedidas às mulheres no final do século XIX. Emma observa que “um homem, pelo menos, é livre; ele pode explorar todas as paixões e todos os países, superar obstáculos, saborear os prazeres mais distantes. Mas uma mulher é sempre prejudicada.” Os amantes de Emma desfrutam sempre de uma liberdade que ela não possui.
            A descrição de Flaubert do mundo mundano que rodeia Emma é realista, mas um tanto exagerada. Ele usa uma linguagem poética e florida para descrever Yonville, referindo que “o campo é como um grande manto desdobrado com uma capa de veludo verde bordada com uma franja de prata”. Mas Flaubert também reconhece a banalidade do cenário quando se refere a “uma terra mestiça cuja linguagem, como a sua paisagem, não tem sotaque nem caráter”. Ao descrever a mesma cena de maneiras contrastantes, Flaubert produz dois efeitos. Primeiro, diferencia-se dos seus antecessores românticos, que teriam avaliado uma cena monótona como indigna de sua atenção. Em segundo lugar, faz contrastar a banalidade que Emma vê com a beleza que um estranho pode perceber. Flaubert estabelece assim que, embora a protagonista possa estar certa sobre o tédio da vida na aldeia, também é incapaz de captar uma camada de beleza que a sua perspetiva é muito estreita para abarcar.
            Os aldeões que cercam Emma proporcionam-nos um contexto para entender historicamente o estatuto social de Emma. A ama de leite que ela visita, por exemplo, mora numa pequena cabana com as crianças de que cuida. Quando vê a protagonista, implora por pequenas necessidades – um pouco de café, um pouco de sabão, um pouco de conhaque. Embora Emma continue infeliz porque não pode socializar com a aristocracia em Paris, a sua visita à ama de leite mostra-nos que está vive, comparativamente, bem. A estalajadeira da aldeia, por sua vez, é uma mulher prática cujas únicas preocupações são se a refeição será servida a horas e se os bêbados que frequentam a pousada vão destruir a mesa de bilhar. Embora ela não tenha imaginação, também representa algo que Emma não: uma mulher que aceita e gosta da sua vida.
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