Os primeiros capítulos do romance definem o cenário – classe
média provinciana – e apresentam as características fundamentais das
personagens Emma e Charles. O fracasso de Charles ao reprovar nos exames
médicos e asua incapacidade de compreender as palavras de Emma ilustram a sua
estupidez e complacência, e a sua consciência dos minúsculos detalhes da física
da jovem revelam que ele pensa nela mais como um objeto do que como uma pessoa.
Por sua vez, Emma possui uma natureza nada prática, romântica e melancólica – ela
deseja um casamento à meia-noite, iluminado por tochas – que, mesmo neste
estágio inicial, parece estar em desacordo com a realidade da sua vida.
Madame Bovary não começa a sua narrativa focada na personagem que lhe dá
nome; pelo contrário, ao longo dos primeiros capítulos, Flaubert atrasa a
introdução da heroína do romance, estratégia que cria expectativa no leitor,
que aguarda um vislumbre que seja da protagonista. É quase como se Flaubert nos
fizesse penetrar no romance através de várias camadas de perspetiva antes de
podermos observar os acontecimentos através dos olhos de Emma. A primeira cena
do livro é contada na primeira pessoa do plural. “Nós” somos colegas de classe
de Charles, observando a sua chegada atrapalhada à nova escola. De seguida,
essa voz narrativa desaparece em segundo plano e Flaubert começa a usar a
terceira pessoa, restringindo a maioria das suas observações ao ponto de vista
de Charles, a chamada focalização interna. A princípio, Charles parece ser o
protagonista da história, enquanto Emma aparenta ser uma personagem algo
periférica, ficando a saber factos sobre ela apenas através das perceções de
outras personagens. Charles acha-a encantadora, enquanto Heloísa ouviu dizer
que ela finge ser afetada.
O romance apresenta duas Madames Bovary antes de Emma: a mãe
de Charles e a sua primeira esposa. As relações entre essas mulheres e Charles
prefiguram as suas relações com a “Madame Bovary” do título. Tanto a sua mãe
dominadora quanto a sua primeira esposa o tornam um homem que espera ser
controlado. Madames Bovary é diferente de Emma. Considerando que, como o
próprio Charles, as duas primeiras Madames Bovary são mesquinhas e sem
imaginação, Emma anseia por uma vida grandiosa e romântica. Nesse sentido, ela
tem dificuldade em ocupar o lugar da mãe de Charles ou da sua falecida esposa,
enquanto as suas qualidades estão além dos poderes de compreensão do rapaz.
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